segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Trincheiras da Liberdade (VIII)

                    

A triste sorte das moças do Pussy Riot

 
         O Marquês de Beccaria há de revirar-se na tumba, pela condição das prisões no século XXI. Com a sua obra prima Dos Delitos e das Penas sacudiu o podre universo prisional do século XVIII, dito das Luzes. Mas o progresso, esta irônica designação do avanço nos tempos, não tem aparecido muito no arquipélago Gulag das prisões russas, nem de outros países, como Pindorama, por exemplo.
         Mas fiquemos por lá, eis que o assunto nos é transmitido pela corajosa[1] pena de Masha Gessen. Talvez ainda se lembrem da brincadeira encenada pelas moças do Pussy Riot na Catedral de Cristo Rei.
         Nunca uma falta alegada, pela curtíssima duração da sua encenação e pelo caráter farsesco do propósito, foi punida de forma tão draconiana e desproporcional à suposta ofensa.
        Nadezhda Tolokonnikova e Maria Alekhina estão cumprindo penas de prisão firme – lá não há o refresco do tempo livre com retorno para a cadeia à noite – de dois anos em colônias penais que têm muitas semelhanças com o arquipélago descrito pelo Prêmio Nobel A. Solzhenitzyn.
       Até um certo ponto, as duas prisioneiras mantiveram comportamentos diversos diante do cruel desafio dos cárceres russos. Assim, inicialmente, Nadezhda Tolokonnikova procurou ser ‘bem comportada’ e suportar em silêncio os maus tratos e o desrespeito à condição humana. Depois de ano e meio, no entanto, a Tolokonnikova preferiu mudar de atitude. Antes falava das condições em geral do regime russo, e preferia não tratar da situação prisional.
       A dureza nas condições da colônia penal a fez requerer do subdiretor prisional que todas as mulheres na sua turma de trabalho tivessem direito a oito de horas de repouso por noite. Esta alteração implicaria em uma redução do trabalho forçado de 16 para doze horas por dia. O subdiretor ainda pareceu mais leniente, ao afirmar que reduziria o tempo de trabalho para oito horas. Isto, no entanto, implicaria na impossibilidade da turma de atender a sua tarefa cotidiana (cozem uniformes policiais), e por isso, seriam castigadas com a perda de ‘privilégios’ e, possivelmente, seriam surradas. E o subdiretor penal completou: se as suas companheiras souberem que isto está acontecendo por sua causa, posso dizer-lhe que tudo ficará bem para Você, porque as coisas não são más depois da morte.
        Como a situação da Tolokonnikova piorou bastante – com maus tratos das revoltadas companheiras – ela entendeu que a sua única salvação estava em pôr a boca no mundo (to go public). A Tolokonnikova entrou em greve de fome e pediu para ser transferida de cadeia. Para tanto, escreveu carta descrevendo as condições prevalentes na colônia.
           “A vida na colônia é estabelecida de forma a que a prisioneira se sinta como um animal sujo que não possui direitos.  Os galpões (onde estão alojadas as presas) têm lavatórios, mas com o intuito de punir e de reformar as detentas, a administração criou um lavatório único para toda a colônia, que tem espaço para cinco pessoas, e toda a população prisional (800) tem de ir para lá afim de lavar as suas partes íntimas (seria demasiado conveniente e cômodo fazê-lo nos lavatórios das celas). Por isso, o lavatório geral está sempre cheio. As presas têm o direito de lavar os cabelos uma vez por semana. Mas isto é amiúde cancelado porque a bomba quebrou ou há um cano entupido.
            Quando os canos estão entupidos, a urina invade o lavatório assim como as fezes. São as próprias presas que ‘consertam’ os canos, mas os bons efeitos não duram muito.  (...)  Será igualmente no interesse de reformar as detentas que elas só recebem pão dormido, leite diluído com (muita) água, mingaus rançosos e batatas podres. Esta é a totalidade de nossa alimentação.”
             A Tolokonnikova acrescentou que ela deveria ter entrado em greve de fome hás meses atrás.
             A outra presa do Pussy Riot, Maria Alekhina, adotou a princípio um comportamento advocatício. Representou as demais detentas em prol de seus direitos, expondo violações, entrando com numerosas queixas e em maio último, entrando em greve de fome (de onze dias) com que conseguiu alterar certas condições na colônia penal. Mas a última palavra ficou com tais autoridades, que a transferiram para outro instituto penal, dentro do vasto arquipélago prisional de todas as Rússias.
 

 
A estranha prisão da repórter do Estado de São Paulo

            A correspondente do Estadão nos EUA, Claudia Trevisan, foi detida a 26 de setembro, na Universidade Yale, nos Estados Unidos. O seu ‘crime’ : tentar cobrir um seminário com a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
            Ao tentar exercer  seu trabalho de jornalista, Cláudia foi algemada e passou quase cinco horas incomunicável, a princípio em uma viatura policial, e depois numa cela da delegacia de New Haven, a cidade onde está localizada a famosa Universidade de Yale.
            Cláudia Trevisan, pela incumbência recebida do Estadão, i.e. cobrir a participação de Barbosa no seminário “Constitucionalismo Global 2013”, contactou com a assessoria de imprensa da universidade, que lhe informou ser o evento “fechado para a imprensa”.
            A correspondente disse, então, que esperaria pelo ministro do lado de fora do auditório, onde se realizaria o evento. Por sua vez, contactado por celular, Joaquim Barbosa disse que não daria entrevista.
             Por volta das 14:30 hs a jornalista adentrou o prédio da Escola de Direito, e perguntou a um policial se o evento ocorreria ali.  Foi o bastante para que o agente a fizesse acompanha-lo, além de pedir o seu passaporte, endereço nos EUA e número de telefone.
                Do lado de fora do prédio, o policial se recusou a devolver-lhe o documento. No seu entender, a jornalista não cumprira a determinação de não ir à universidade. Dito isso, anunciou que ela seria presa. A correspondente foi então algemada com as mãos nas costas e presa dentro do camburão.
                Passada uma hora, um funcionário do gabinete do reitor da Escola de Direito foi até o local e autorizou o policial a levar a detenta à delegacia.
                A assessoria do presidente  Barbosa informou que não tinha conseguido localizá-lo.
                 Como a jornalista deverá comparecer a uma audiência diante de um juiz no próximo quatro de outubro para responder por “transgressão criminosa”, o jornal  ‘Estado de São Paulo’ contratou um advogado para defender a sua correspondente, que apenas realizava  seu dever funcional.
                  Seria também assaz interessante que o Presidente Joaquim Barbosa se manifestasse a respeito, além de encarecer à direção da Universidade de Yale que respeite os direitos da jornalista, sua conacional, que estava apenas cumprindo o seu encargo funcional.     
 

(Fontes: International Herald Tribune,  O Globo)



[1] Alguém terá dúvidas sobre a dose de coragem e desprendimento dos russos e russas que denunciam  o estado atual do respeito aos direitos humanos na Federação Russa ?

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