terça-feira, 3 de setembro de 2013

Entre o Real e o Faz-de-Conta

                                

       O  governo de Dilma Rousseff, assim como o de Lula da Silva, o que pretende, em termos de objetivos prioritários ? Se o escopo básico de toda força partidária é o de continuar majoritária, o nó da questão está nos instrumentos para manter e alavancar os apoios dos segmentos populacionais que lhe ensejaram empolgar o poder.
      A administração Lula soube fazer de início as adequações necessárias para assegurar a confiança da sociedade na transição entre o tucanato e o petismo. O presidente teve o bom senso de não desfazer a herança da estabilidade financeira trazida pelo Plano Real. Para tanto, o ajudaram os gestores da economia.
      Escândalos e crises à parte, o governo de Lula da Silva completou o segundo mandato, mantendo o essencial, com bons índices. Já surgia, no entanto, uma administração econômico-financeira menos confiável – ao invés da reforma fiscal o uso crescente das capitalizações -, o que poderia pressagiar para o governo seguinte, a prevalecer a coalizão que sustentara o petismo, o agravamento dos problemas internos.
      Tendo sido por ele inventada e imposta ao P.T., Lula logrou eleger a sua candidata, com o que tencionava manter a própria influência no poder. Apesar da óbvia urgência de reformas política e fiscal, por timidez ou cálculo, Dilma optou por não valer-se da oportunidade.
      Trouxe para a administração dois aportes: personalidade autoritária, que não convive bem com auxiliares que tenham força própria e especial brilho; e apego a idéias desenvolvimentistas, ainda que ao arrepio da estabilidade financeira duramente alcançada.
      O erro de FHC de não legar aos governos seguintes um Banco Central com autonomia legal (como no modelo dos países desenvolvidos do Ocidente) redundaria no enfraquecimento da autoridade monetária, e na abertura da cancela para uma economia sem a defesa anti-inflacionária de uma taxa Selic apropriada para a conjuntura.
      Ao menosprezar o ressurgimento da inflação – em uma economia que pouco sabiamente não se desvencilhara da infernal sopa dos índices de virtual correção monetária – Dilma pensou que poderia domar o dragão com fórmulas retóricas. A sobrevinda da carestia – de que o brasileiro pensava estar livre por cortesia do plano Real – veio com força suficiente para afetar os índices da dílmica popularidade, além de voltarmos a pagar, na terra dos tributos (35% do PIB), o cruel imposto da inflação.
      Por ora, como a caricatura de Chico mostra, ainda não sabemos se saímos do fundo do poço, se bem que um Ministro da Fazenda enfraquecido se tenha apressado em anunciar. Disso dependerá a alternativa de (a) Dilma continuar com convidativa (para Marina e outros adversários) baixa aceitação nas prévias e (b) sua reação nas prévias (ou a intervenção in extremis de Lula, chefe máximo, para tentar a salvação da própria lavoura).
      Parece-me, a propósito, que a presente crise nas relações com a superpotência, ao esclarecer indiretamente as limitações do petismo como sistema de governo, nos ajudará a completar o quadro político-econômico e tecnológico brasileiro.
        Não, caro leitor. Aqui não há tentativa de empulhação. Pretendo apenas tentar entender melhor as perspectivas do gigante Brasil, em termos de sua vocação à grandeza.
        O lulo-petismo – não creio que nenhum áulico se atreverá a nisso reivindicar co-autoria para a discípula Dilma – é uma ideologia política que possui  muitas similitudes com o chavismo (na Venezuela) e o peronismo kirchnerista (na Argentina). Trata-se do neo-populismo, de que há versões no Equador (Rafael Correa) e na Bolívia (Evo Morales).
        Com o petismo,  suas alavancas de poder estão no assistencialismo (bolsa família e congêneres) e no empreguismo de estado. Através dessas opções, se procura utilizar o Estado como instrumento do partido. Daí, o incremento nos gastos correntes e o incentivo ao consumo (subsídios para carros e até eletro-domésticos). Esta opção clientelista acarreta o aumento exponencial dos benefícios (quotas, subsídios) e a consequente redução nos fundos para investimento. Por outro lado, dentro da lógica do sistema, incha-se o governo (até os limites do crível, com a consequente inútil sobrecarga orçamentária) e se descura dos meios de agilizar a atividade econômica (o que pode acarretar prejuízos para os privilégios de castas sindicais, como se viu recentemente no intento de modernizar o sistema portuário).
       Toda essa infernal instrumentalia com que o petismo (e os regimes congêneres) buscam firmar-se no poder não será sem consequências quando o país (e o seu governo) se vê a braços com o hábito da superpotência de valer-se do respectivo avanço tecnológico para dentro da lógica de que conhecimento é poder buscar informar-se por meios não-convencionais dos projetos e deliberações de outros governos.
       Washington teria ligações especiais com os seus quatro (grandes) amigos – Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. Nas eventuais desconfianças com o Brasil (problemas, amigo ou inimigo) há mais um elogio embutido do que um aspecto negativo. Enquanto os quatro acima, ou não tem condições de rivalidade futura, ou já entraram no Sunset Boulevard, o Brasil pelo seu tamanho e potencialidade implica em um enigma futuro, pois o nosso país, por mais incompetente que seja a respectiva liderança, reúne claras possibilidade de ascender a um estágio superior de influência politico-econômica.
        Por isso, o governo brasileiro, se quer ser levado a sério, não pode buscar resolver a curiosidade da Agência de Segurança Nacional (NSA), que se aplica intra e extra-fronteiras, com uma retórica vazia e subdesenvolvida, de levar a questão ao foro das Nações Unidas. Sem julgamento de valor, esse intento é um jogo para a arquibancada, que não terá válidas consequências no plano do comportamento.
       Ao contrário de o que tem feito, o governo petista de Dilma Rousseff deve investir na pesquisa e na tecnologia da informação, de modo a ter modelos nacionais utilizáveis para preservar a confidencialidade das respectivas comunicações. Como a história tem demonstrado, os ganhos no capítulo são sempre a termo. O destino de todo sistema criptológico é o de ser decifrado.  Por isso, as inversões tem de ser contínuas e constantes. Com isso, o poder nacional adquire uma janela para manter as próprias informações a salvo, posto que por um tempo determinado.
      Todo esse teatro de ameaçar com cancelar visitas ou de levar a questão a foros internacionais, no caso é um exercício de Sisifo, com nenhum resultado prático, a par das  mal disfarçadas risotas.
       Assim como na economia, que patina pela falta de uma política de investimentos (sacrificada no altar da demagogia e do clientelismo político-partidário), também em matéria de preservar o sigilo das comunicações (orais, telefônicas ou eletrônicas), a única saída é o trabalho, a pesquisa e a inversão em tecnologias nacionais de criptologia.
        Tudo mais não passa de balela, pelo visto tão a gosto da presente Administração.

 

(Fontes: O Globo, International Herald Tribune )

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