sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O que esperar de Rouhani ?

                       

        Sabemos que na teocracia iraniana, o presidente da república não é chefe do Estado, nem a maior autoridade da república islâmica. Sem embargo, em período de tempo relativamente curto, o presidente Hassan Rouhani vem apresentando nova imagem do Irã, com as consequentes expectativas de mudanças positivas.
       Após a lamentável passagem pelo governo de Mahmoud Ahmadinejad – em dois mandatos -, quando se acentuou o isolamento do país e a deterioração de sua economia, o moderado Rouhani tem dado passos relevantes para a normalização das relações com o Ocidente.
       O presidente tem tido o óbvio respaldo de Ali Khamenei. Compreende-se que o Líder Supremo julgue apropriado dar a Rouhani a oportunidade de testar a sua política de abertura. Diante da situação anterior, não é difícil assinalar que Khamenei pôde verificar que o modelo Ahmadinejad fracassou, e que as suas posturas anterior os faziam navegar na marginalidade e no ridículo. Nesse sentido, a negação do Holocausto podia ser vista como simbólica do caráter esquizoide da atitude de Ahmadinejad.
       Não é crível que o Presidente Rouhani esteja avançando no terreno político, sem dispor de autorização do Lider Supremo. Como indicação de posições comuns, tanto Khamenei quanto Rouhani, em alocuções separadas, pediram menor ingerência dos Guardas Revolucionários na política. Dada a precedente desenvoltura dos Guardas, e o poder que eles detêm, restará verificar se a autoridade máxima clerical logrará restringir a presença do braço armado na política iraniana.
      Há múltiplas indicações de mudança nas iniciativas do novel mandatário. Além da sinalização de que está habilitado para negociar um novo acordo nuclear, Rouhani vem adotando medidas pontuais que podem sinalizar fundamentada disposição de abertura política, e de promissoras inflexões em termos diplomáticos.
      Nesse sentido, são elementos relevantes, a troca de cartas entre Rouhani e Barack Obama, a disposição de negociar sem pré-condições o acordo nuclear, enquanto defende o direito de seu país a programa nuclear pacífico, e a assertiva de que o Irã “apoiará qualquer governo eleito pelo povo sírio”.
      Não há negar que os onze presos soltos por Rouhani são apenas uma gota d’água no mar de infelizes que padecem todo gênero de maus tratos nas masmorras  iranianas. Dentre esses, foi libertada a advogada Nasrin Sotoudeh, condenada a seis anos por propaganda contra o regime e ameaçar a segurança nacional.
     Quanto às prisões, a iniciativa, se  é modesta, pode prenunciar um período de distensão e liberdade relativa. Não basta rotulá-la de tokenismo.[1] Diante da atmosfera anterior, seria grave erro  ignorá-las. Deve-se conceder ao moderado Rouhani a abertura e o tempo necessário para tentar modificar as condições pregressas. A força inercial de tais medidas terá presente a capacidade de resistência de um regime tirânico, que há de presumir-se não há de desfazer-se como se fora castelo de cartas. Sem embargo, a ação do novo presidente perderá a credibilidade se não conseguir fazer prevalecer uma nova ordem no Irã.  E, nesse contexto, enquanto estiverem em prisão domiciliar os líderes Mir Hossein Moussavi e Mehdi Kerroubi, do Movimento Verde, ambos esbulhados na vitória eleitoral fraudulenta de Mahmoud Ahmadinejad, haverá mais do que fundados motivos para duvidar do real significado das reformas introduzidas por Rouhani.
      Por isso, é aguardada com  impaciência a próxima vinda de Hassan Rouhani a New York, para discursar na abertura da nova sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas. A sua intervenção poderá sinalizar até que ponto terá condições de, no plano internacional, redesenhar o quadro que tanto contribuíu para engessar a atuação do Irã.
       Ainda no contexto das Nações Unidas, não é tão só um privilégio, ciosamente guardado pelo Itamaraty, que o discurso do Brasil protocolar e tradicionalmente abra os trabalhos da Assembleia Geral. Se antes comparecia à tribuna o nosso Ministro das Relações Exteriores e até mesmo o Embaixador chefe da Missão junto às Nações Unidas, de uns tempos para cá, os presidentes têm timbrado em comparecer. Nesse quadro não é suposição ociosa que, também no corrente ano de 2013, a Presidente  Dilma Rousseff representará o Brasil no ensejo.
     Se o estado geral decerto mudou de 2012 para cá, é importante ter presente que a sinalização política já foi feita, com o mútuo entendimento de Brasília e Washington de adiar a visita de estado, antes programada para outubro. Nesse quadro, é relevante que a tribuna da Assembléia Geral seja empregada para criar condições para que se superem os remanescentes empecilhos ao estreitamento de relações, fundado no respeito mútuo e na secular amizade dos países interessados, que são, e não por acaso, os dois mais importantes das Américas.
 

 
(Fonte subsidiária: O Globo)



[1] De token, ponto, que não denota tendência bastante.

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