sábado, 18 de agosto de 2012

Notícias do Front (29)


                                    

 A condenação das moças da Pussy Riot


          Que as garotas da banda punk Pussy Riot seriam condenadas pela anti-justiça de Vladimir Putin não suscitava dúvidas tanto no público russo, quanto nos observadores internacionais. Os dóceis magistrados de gospodin Putin conhecem a escrita na parede, e não ousam afrontá-la.
        Como o leitor que me honra com sua atenção talvez recorde, minha primeira menção ao  fato data de um ‘Notícias do Front’ de 24 de julho último. Tudo já prenunciava que o autocrata Putin se serviria da manifestação de quatro jovens,na Igreja de Cristo Redentor, em Moscou,  sob o mote da canção ‘Virgem Maria Livrai-nos de Putin’. A brincadeira, havida como sacrílega pelo clero ortodoxo, realizada a 21 de fevereiro, levou à prisão de duas (Alekhina e Tolokonnikova) a três de março, e de mais uma (Samutsevich) a dezesseis de março.
         Após mais de três meses de detenção e incriminadas formalmente a quatro de julho,  são informadas de que dispõem de dois dias para preparar a própria defesa. Iniciam então greve de fome. A 21 de julho,o período de detenção é prorrogado por mais seis meses.
        Logo após a manifestação na igreja, a primeira reação de boa parte da opinião pública, de influência ortodoxa, foi de revolta pelos alegados exageros das jovens da banda. Com o passar do tempo e a permanência no cárcere, essa atitude se foi atenuando, pela instrumentalização da gravidade do gesto, ainda mais pela condição de jovens mães ( a Tolokonnikova tem 22 anos e filhinha de quatro; e Alekhina, 24, e um filho de cinco).
       Ironicamente, foi uma mulher, a magistrada Marina Sirov que se prestou à farsa da condenação das três jovens. Os próprios juízes não fazem segredo da respectiva subserviência diante do Kremlin. O que condenara até 2017 a  Mikhail Khodorkovsky por supostos delitos adicionais à sua primeira sentença – a quem a mãe do desafeto de Putin amaldiçoara em plena sala da audiência –  admitiu ter seguido  instruções ditadas pelo poder.
      Masha Gessen, a corajosa jornalista que é autora da biografia de Putin ‘O Homem sem rosto’, fala da vergonha de viver sob o regime presidido por um ex-coronel da KGB: ‘imagino muitos de meus amigos em outros países (a verem em vídeos o que acontece na Rússia) e a pensar que ela vive em um país atrasado’. Masha conta cenas incríveis da juíza Marina Sirov: aceita como diagnóstico médico válido o fato das rés estarem possuídas pelo demônio. Por outro lado, os oficiais de justiça não permitiram a entrada na corte das testemunhas convocadas pela defesa. Diante da situação, a juíza determinou que elas não seriam ouvidas por estarem ausentes. O advogado das rés protestou, mas a juíza fingiu não ouvir as reclamações.
      Depois de ameaçar com seis anos, o regime Putin se contentou com dois. Ele próprio dissera, quando de sua visita a Londres por motivos olímpicos, que preferia uma sentença ‘leve’. A vontade do autocrata foi, decerto, cumprida. As jovens têm pela frente uma prisão de cerca de ano e meio, havendo prestado por ora  uma pena de um semestre.
        A intenção do regime visa à intimidação, sob a ilusão de poder controlar a crescente revolta contra a fraude como sistema eleitoral, e a corrupção, enquanto meta de governo.
        Nesse contexto, os opositores enfrentam ameaças em um largo arco de ‘opções’: desde as pesadas multas contra os manifestantes ilegais, passando por largas penas de prisão (e a literatura russa já nos deu obras memorialistas e literárias sobre a matéria) até os casos e/ou atitudes havidos como sem remédio através da infeliz intervenção de anônimo matador profissional (V. a sina de Anna Politkovskaya).
       Dados os antecedentes, Vladimir Putin acreditou estar sendo bonzinho, ao dispensar essa ‘leve’ sentença. Não contou, porém, com a repercussão mundial das tropelias, e do tragicômico espetáculo da presente justiça sob o regime Putin-Medvedev.
       Os déspotas, porém, se fiam muito na capacidade do manso e sinuoso rio do Letes de adormecer as atenções do mundo.



O Caso Assange    


        Rafael Correa, o presidente do Equador, determinou à sua embaixada em Londres, que concedesse asilo diplomático a Julian Assange – que deveria ser extraditado para a Suécia, para responder a uma acusação de estupro (em delito assim qualificado pela  lei sueca) após perder todos os recursos na justiça inglesa.
        Assange se considera um perseguido político – por causa dos Wiki-leaks – e que a acusação seria pretextuosa, tendo o único objetivo de disponibilizá-lo para a extradição para os Estados Unidos, onde outro destino o aguardaria. Nesse sentido, tem pelo menos a presunção de ter motivo de temor, dado o tratamento reservado para o soldado americano que foi o principal fautor dos Wiki-leaks, com isso satisfazendo a grandes jornais da imprensa mundial, e enraivecendo o governo estadunidense.
       Talvez o grande escândalo deste caso – que se encaminha para a celebridade – esteja menos na suposta instrumentalização de Correa, para obter melhor imagem jornalística, do que na lamentável ameaça do país que deu a Magna Carta e reviveu a velha democracia ateniense, consignada na explicita e escrita indicação de possibilidade inimaginável até para ditaduras comunistas (que conviveram com o longo asilo do Cardeal Mindszenty) de invadir, como se fora uma horda, a sacralidade do exterritorialidade de uma missão diplomática, desrespeitando uma hoje sólida contribuição das revoluções latino-americanas, i.e.,  o chamado direito de asilo.
      O apego à democracia da velha Albion não é uma lenda, mas não parece isento de comportamentos esquizofrênicos, na medida em que implicam em graves, bárbaras mesmo transgressões. Muita vez na ânsia de contentar uma poderosa parte, se perde noção da realidade e da compostura.  Concordo, por conseguinte, com a convocação de Reunião extraordinárias de Ministros, no âmbito da OEA, e me congratulo com a decisão do Governo Dilma de apoiá-la.



( Fonte: Folha de S. Paulo ) 


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