quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Guerra Civil Síria: últimos desenvolvimentos


 
         O conflito na Síria – que já se estende a todo o país – repercute também em países limítrofes. No norte do Líbano, em Trípoli, acirra embates entre segmentos da população, com lutas entre clãs sunitas e xiitas. Tais choques, em que se registraram quatro mortes e sessenta feridos, são a projeção dos combates na terra de Bashar al-Assad, contrapondo a tendência majoritária no Islã (o ramo sunita) e a dissidência xiita (a que se relaciona a heteróclita seita alauíta,  professada pela família reinante dos al-Assad).
         Não surpreende que a revolução na Síria tenha efeitos sobre os países vizinhos menores, como o Líbano e a Jordânia, ambos de resto fundados em governos com alianças precárias. Com efeito, no país antes cognominado como a Suiça do Levante, em que a etnia cristã-maronita predominava, hoje avulta o movimento xiita Hezbollah (apoiado pelo Irã e havido por terrorista no Ocidente), do clérigo Hassan Nasrallah,; e o reino Hashemita não mais exibe a estabilidade dos tempos do rei Hussein, com Abdullah II a lidar com desencantados beduínos (antes apoio da dinastia) e a crescente presença palestina.
        Sem embargo, tal irradiação  potencialmente desestabilizante igualmente afetaria a Turquia. Se o governo do primeiro ministro Recip Erdogan cortou há muito seus laços com o regime alauíta, além de a Turquia sofrer o considerável influxo de refugiados da conflagração na Síria, com profusão de acampamentos sírios, há um outro aspecto nas relações entre Âncara e Damasco que se deteriora.
       A minoria curda constitui a principal questão não-resolvida pela maioria turca.
       Por décadas, a comunidade curda – com as suas outras minorias no Iraque, Irã e Síria – se debate em territórios sob domínio de outrem, na longínqua consequência da oportunidade perdida de formar uma entidade política sob controle desse grande segmento nacional ignorado pela paz pós primeira-guerra mundial.
       Não é aqui o lugar para examinar a fundo a questão curda, mas sim o seu reflexo sobre a inter-relação da Turquia com a guerra civil síria. O conflito provocou a participação de comunidades curdas – igualmente afetadas pela situação, e que apoiam os rebeldes. A ‘ameaça’ curda tende a ser hipertrofiada por Âncara, dado o tipo de solução que o presente regime turco vem adotando no que tange ao próprio relacionamento com a grande minoria curda que está localizada na Anatólia. É sem dúvida  ironia da  história que os turcos – os quais expulsaram os gregos, milenares habitantes daquela enorme região, o que fora selado pela queda de Constantinopla em 29 de maio de 1453, e reconfirmado pela derrota infligida por Mustafá Kemal ao exército helênico em agosto de 1922 – atualmente temam ter de aí repartir a sua residência com os curdos. Essa comunidade, de resto, está  condenada a ser minoria em vários países, por ter ficado de fora da redistribuição territorial ensejada pela Paz dos tratados de 1918, considerada pela obra de David Fromkin ‘Uma Paz para Acabar com toda paz’[1] ( A Peace to end all Peace).
       Por fim, visita do vice-Primeiro Ministro Sírio, Quadri Jamil, a Moscou, deu oportunidade a duas repercussões contrastantes. Esse funcionário de média importância qualificou como ‘ameaças propagandísticas’ a declaração do Presidente Barack Obama (em resposta a jornalista na Sala de imprensa da Casa Branca, no que poderia ser pergunta ‘plantada’ pela Administração) de que o eventual uso de armas químicas pelo regime alauíta constituía uma linha vermelha cuja transposição acarretaria a reação estadunidense.
       No entanto, a sua passagem pelo Kremlin – e recepção pelo chanceler Sergei Lavrov – igualmente teria dado lugar a assertiva que foi colhida pela mídia francesa como indicativa da posição precária de Bashar al-Assad. De acordo com esse conduto, a autoridade secundária síria não teria descartado a possibilidade de que Bashar se demita, sendo substituído por outro elemento do poder atual naquele país.
       Até o momento, no entanto, essa implicação não foi objeto de consideração pelo Ocidente. Não se afigura, todavia, algo que deva ser totalmente ignorado, pela própria circunstância de um funcionário de hierarquia média de Damasco se julgue em condições de candidamente admiti-lo.

      

 
( Fonte subsidiária:  O Globo )    



[1] O norte do Iraque constitui, na prática, o reduto do estado curdo. No entanto, a sua limitação em extensão territorial, dificulta a plena implantação de uma ‘solução’ abrangente para o que se convencionou chamar o ‘problema curdo’, i.e., a falta de um território para abrigar essa importante  etnia.

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