quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A Escolha de Ryan


                                             

      O deputado Paul Ryan (Rep/Wisconsin) é um dos representantes  políticos republicanos que o G.O.P. coloca entre os seus membros com maior capacidade de distinguir-se na respectiva geração. Católico praticante, muito ligado a Jack Kemp, que foi candidato a vice na chapa de Bob Dole (derrotado por Bill Clinton em 1996),Ryan hoje preside a Comissão de Orçamento da Câmara de Representantes, demonstrando preparo e habilidade oratória que tendem a transmitir boa impressão intelectual aos eleitores que compartilham  posições conservadoras.
      Fundado nesses dados, Mitt Romney, que é tido como  moderado por grande número de militantes partidários, já se antecipou à Convenção de Tampa, na Flórida, para apresentá-lo de um púlpito de campanha. Habitualmente confuso, a sua gafe de anunciá-lo como o próximo presidente dos Estados Unidos terá provocado risos mas não muita surpresa. Com efeito, Romney coleciona uma série de trapalhadas e indiscrições,  o que seria de resto um traço familiar, eis que seu pai, George W. Romney, político respeitado e íntegro, pusera a perder sua candidatura à Casa Branca por uma gafe que lhe desmerecia do próprio tirocínio que o eleitor americano espera de um presidente.  Já o filho, apesar de gaffeur,  não sofreu até o presente nenhum  dano  que lhe prejudicasse de forma irremediável.
     Transformando a própria canhestrice em  jeitão que o tornaria mais simpático, Romney não tardou no episódio em corrigir-se, com um piscar de olho para este seu vezo meio desastrado, enquanto aproveitava a reedição da declaração devidamente corrigida para sublinhar as qualidades do próximo vice-Presidente dos Estados Unidos.
     Sem embargo, na seleção de Paul Ryan para reforçar-lhe o flanco direito, quiçá o medicamento se prove demasiado forte, com o risco de subtrair-lhe votos junto a segmentos específicos da população estadunidense.
     Paul Ryan apresentou um projeto de orçamento que dentro de seu projeto de equilíbrio orçamentário visava a cortar despesas do Estado, para que o déficit – introduzido neste século por George Bush jr. – possa vir a ser reduzido ou anulado. A par de notar-se, por oportuno, que os últimos três orçamentos do democrata Bill Clinton tornaram superavitárias as contas da União americana, os métodos preconizados por Ryan são bastante diversos dos do 42º presidente americano. Na verdade, consoante almejava o deputado por Wisconsin,  o projeto orçamentário de Ryan – que não foi além da Câmara de Representantes – seria  equilibrado à custa das camadas mais pobres, com drásticos cortes nos programas de Medicaid e até mesmo Medicare. Por outro lado, de acordo com a linha republicana, os impostos dos mais ricos permaneceriam nos baixios introduzidos pelo segundo Bush. Sempre consoante o credo republicano, as únicas despesas suscetíveis de aumento são aquelas destinadas ao orçamento do Pentágono.
       Malgrado a ênfase e a habilidade conceitual, tais posições de Paul Ryan não semelham de molde a agradar tanto aos idosos, quanto aos mais pobres. Com o envelhecimento demográfico, há muitos estados em que o voto do idoso tem peso importante em determinar se no colégio eleitoral os sufrágios indiretos (que apontam o vitorioso na eleição presidencial) vão torná-lo azul (democrata) ou vermelho (republicano)[1].
        O estado da Flórida – em que o percentual de idosos foi de 22% no pleito de 2008 – as pesquisas de opinão têm mostrado que a maioria desse segmento se opõe, e por óbvias razões, a mudanças em Medicare e até na sacrossanta legislação da Previdência Social (Social Security), cuja criação se deveu, respectivamente, a Lyndon B. Johnson e a Franklin D. Roosevelt. Paul Ryan, no seu radicalismo, já evidenciara o desejo de alterá-las, o que, traduzido em miudos, significaria menores benefícios para esta faixa da população.
        Se é tautológico que a posição de Ryan se afigura bastante vulnerável neste capítulo, as coisas tenderão a complicar-se se o candidato vice-presidente tentar rever  as suas proposições tão do gosto do Tea Party, mas anátema para os elementos sênior do eleitorado.  Com efeito, se ele rever a respectiva posição, desagradará aos segmentos ditos mais conservadores. Nos dois casos, a chapa do GOP perderia votos, configurando a típica situação de se correr o bicho pega, e se ficar o bicho come.
        Colhendo a deixa dada pelo anúncio de Romney, o presidente Barack Obama, em campanha no Iowa disse que a chapa republicana ‘seria o fim de Medicare, como nós americanos o conhecemos’. A mesma advertência foi expressa na Carolina do Norte, pelo Vice-Presidente Joe Biden Jr., que deverá integrar a chapa democrata.
       Os democratas têm presente que não é só na Flórida que os votos dos idosos são importantes – e numa eleição muito disputada e parelha podem pesar de maneira determinante em favor de Obama.  Com efeito, nos estados de Iowa, New Hampshire,Virginia e Pennsylvania, o presidente bateria na tecla das implicações da proposta do Deputado Paul Ryan, que foi endossada pelo candidato Mitt Romney, a qual tenciona transformar  o popular programa Medicare (assistência médica aos idosos) em uma escolha marota entre seguro privado e a cobertura tradicional - na realidade autêntica falácia - como se a eventual maior concorrência contribuísse a rebaixar os preços e a melhorar o atendimento.   
        A margem de Obama nas pesquisas vem sendo muito reduzida por causa do estado da economia americana. O eleitor tende a responsabilizar o presidente em funções pela situação, o que no caso de Barack Obama deve ser contextualizado. Na realidade, Obama herdou a Grande Recessão, orginada pela crise financeira das hipotecas subprime como um legado de seu antecessor. No entanto, sobretudo no primeiro biênio de seu mandato, ele poderia ter agido de forma mais pró-ativa, dado o fato de que os democratas detinham a maioria nas duas Casas do Congresso. A sua relativa alienação – a que já me referi anteriormente – foi castigada pelo shellacking (tunda) do pleito intermediário de 2010, com a tomada da Casa de Representantes pelo GOP. Dividido o poder, qualquer intervenção mais forte na economia passou a ser inviabilizada pelos republicanos, que se baseavam na pouco patriótica mas eficaz tese política do quanto pior, melhor. Houve, inclusive, a acintosa instrumentalização da licença para a modificação do teto da dívida pública, uma ocasião rotineira e burocrática para  legislaturas anteriores, que desta feita foi utilizada segundo a linha do Tea Party de através da virtual bancarrota do Tesouro tornar ainda mais delicadas as perpectivas de Obama na presidência. Se a jogada irresponsável não saíu conforme o figurino do GOP, de qualquer forma a atmosfera adversarial impediu qualquer possibilidade de uma atuação do Executivo que alavancasse a economia e criasse um número significativo de novos empregos.
         Por isso, os vindouros comícios de seis de novembro têm sido encarados pelos analistas políticos como dos mais disputados da história americana. Nesse contexto, Romney,pensando fortalecer o seu flanco direito, ao ter como companheiro de chapa Paul Ryan, poderá haver inadvertidamente fragilizado a respectiva imagem para faixas substanciais do eleitorado. Dando vaza aos democratas e a Obama em particular, poderá descobrir-se eventualmente mal servido pela seleção de seu companheiro de chapa.



( Fonte: International Herald Tribune )



[1] As idiossincrasias americanas são muitas e por isso o vermelho, em geral caracterizando a esquerda, lá é a cor do GOP, enquanto o azul é dado para o Partido Democrata...

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