Através
desse tortuoso processo parlamentar que vem caracterizando o que os ingleses
passaram a definir como Brexit
(Britain exits) desde o ano passado, o povo do Reino Unido se olha nesse
espelho do futuro em busca de uma resposta existencial, mas até o presente só
consegue entrever uma imagem borrada, sumamente ambígua nessa projeção de o que
será essa ilha se voltar às próprias origens.
Pois ao contrário de tantos países hoje membros da União Europeia - e
nesse sentido no bloco dos seis que a ela deu início - que não trepidaram em não se deixar enlear nas respectivas
tradições e práticas nacionais - afinal França, Alemanha, Itália e também o
Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) deixavam para trás - ou pelo menos,
como me parece mais consentâneo - traziam para o presente um passado de glórias
em vários campos, que correspondiam aos respectivos traços marcantes, na plena
consciência que a circunstância de recorrer a um novo modelo econômico, não
deveria ser encarada como capitis
deminutio política, mas sim uma adaptação a novos desafios a que os
obrigava a progressão histórica.
Se a elite política inglesa se conscientizara plenamente da necessidade
de ingressar na Comunidade Econômica Europeia, uma vez superado o obstáculo
representado pelo general de Gaulle ao ingresso, aqueles líderes ingleses se
moviam pelo interesse de unir sobretudo os fatores eco-nômicos. Eles sentiam
tal necessidade preeminente, e, portanto, as circunstâncias políticas
representariam para essa elite britânica um obstáculo que deveria ser superado
pelo próprio interesse maior da união (que os fez, inclusive, abandonar o seu
projeto inicial, de associação sobretudo econômica diante de um valor mais
alto que se alevantava).
Não é o caso de aqui adentrar sobre valores relativos, mas não há dúvida
de que os promotores da reunião da Inglaterra ao Continente sabiam muito bem do
interesse maior que lhes presidia ao caminho.
Sem embargo, os políticos do Reino Unido - com as exceções inevitáveis -
não lograram livrar-se das ilusões passadistas de uma Inglaterra rainha dos
mares e grande potência, ilusões essas que seja por limitação intelectual, seja
por oportunismo político, vários políticos preeminentes chegaram a concordar em
realizar referendos sobre a volta ao passado, em iniciativas que refletiam a
profunda ambiguidade que subsistia na antiga
Álbion, e que políticos oportunistas e de curta visão continuaram a
praticar o dúbio jogo dos referendos, como se Londres pudesse dispensar
Bruxelas.
Esse perigoso jogo - de que Tony Blair passaria incólume - acabaria com
outro político mais limitado como David
Cameron, o que redundaria no referendo de 2016, quando por escassa maioria a
falsa ilusão do Brexit prevaleceria. Não
faz qualquer sentido econômico que um país, após 46 anos de união com o Mercado
Comum - e com a densa complementação dos diversos setores da economia que tal
pressupõe - pense possível sem graves consequências para a população e para os
diversos segmentos da economia, que um tal projeto - que pode agradar aos
coroneis Blimp e aos nostálgicos da Inglaterra imperial - tenha condições de
motivar a juventude e os demais membros da sociedade inglesa. Eles poderiam
resmungar entre si contra os eventuais hábitos dos continentais, mas aqueles
com intelecto e expe-riência saberiam de o que representaria um divórcio desse
gênero.
A própria Theresa May, decerto
uma apparatchick competente, a quem
poderia ser confiada a secretaria do Interior, teve como primeira reação dentro
do jogo político de defender a
permanência do Reino Unido, quando do primeiro referendo. As condições da
realização desse referendo, em período estival, e por conseguinte com eleitorado
reduzido, tenderia infelizmente a produzir um resultado distorcido, como se
quase dez lustros de união pudessem ser brutalmente cortados com tanta
displicência. O cas-tigo aplicado a David Cameron, seja por admitir a repetição
do perigoso ritual referendário, seja sobretudo por permitir que
idiossincrasias risíveis viessem a toldar-lhe a visão (os referendos sobre a
continuação da união com Bruxelas mais pareciam uma concessão perigosa ao
interesse do Povo inglês, como se as ilusões do fasto imperial devessem ser
atendidas, não obstante os riscos que tal projeto os fazia correr).Daí o
"castigo" de ter de renunciar, por falta de discernimento, a permitir
a realização de tal despautério e de
sofrer as consequências
( Fonte: The Independent )
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