terça-feira, 2 de abril de 2019

As Contradições do Brexit


                                                 
                                                           
          Através desse tortuoso processo parlamentar que vem caracterizando o que os ingleses passaram a definir como Brexit (Britain exits) desde o ano passado, o povo do Reino Unido se olha nesse espelho do futuro em busca de uma resposta existencial, mas até o presente só consegue entrever uma imagem borrada, sumamente ambígua nessa projeção de o que será essa ilha se voltar às próprias origens.
             Pois ao contrário de tantos países hoje membros da União Europeia - e nesse sentido no bloco dos seis que a ela deu início - que não trepidaram em não se deixar enlear nas respectivas tradições e práticas nacionais - afinal França, Alemanha, Itália e também o Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) deixavam para trás - ou pelo menos, como me parece mais consentâneo - traziam para o presente um passado de glórias em vários campos, que correspondiam aos respectivos traços marcantes, na plena consciência que a circunstância de recorrer a um novo modelo econômico, não deveria ser encarada como capitis deminutio política, mas sim uma adaptação a novos desafios a que os obrigava a progressão histórica.
               Se a elite política inglesa se conscientizara plenamente da necessidade de ingressar na Comunidade Econômica Europeia, uma vez superado o obstáculo representado pelo general de Gaulle ao ingresso, aqueles líderes ingleses se moviam pelo interesse de unir sobretudo os fatores eco-nômicos. Eles sentiam tal necessidade preeminente, e, portanto, as circunstâncias políticas representariam para essa elite britânica um obstáculo que deveria ser superado pelo próprio interesse maior da união (que os fez, inclusive, abandonar o seu projeto inicial, de associação sobretudo econômica diante de um valor mais alto que se alevantava).
                Não é o caso de aqui adentrar sobre valores relativos, mas não há dúvida de que os promotores da reunião da Inglaterra ao Continente sabiam muito bem do interesse maior que lhes presidia ao caminho.
                 Sem embargo, os políticos do Reino Unido - com as exceções inevitáveis - não lograram livrar-se das ilusões passadistas de uma Inglaterra rainha dos mares e grande potência, ilusões essas que seja por limitação intelectual, seja por oportunismo político, vários políticos preeminentes chegaram a concordar em realizar referendos sobre a volta ao passado, em iniciativas que refletiam a profunda ambiguidade que subsistia na antiga  Álbion, e que políticos oportunistas e de curta visão continuaram a praticar o dúbio jogo dos referendos, como se Londres pudesse dispensar Bruxelas.
                   Esse perigoso jogo - de que Tony Blair passaria incólume - acabaria com outro político mais limitado como  David Cameron, o que redundaria no referendo de 2016, quando por escassa maioria a falsa ilusão do Brexit prevaleceria.  Não faz qualquer sentido econômico que um país, após 46 anos de união com o Mercado Comum - e com a densa complementação dos diversos setores da economia que tal pressupõe - pense possível sem graves consequências para a população e para os diversos segmentos da economia, que um tal projeto - que pode agradar aos coroneis Blimp e aos nostálgicos da Inglaterra imperial - tenha condições de motivar a juventude e os demais membros da sociedade inglesa. Eles poderiam resmungar entre si contra os eventuais hábitos dos continentais, mas aqueles com intelecto e expe-riência saberiam de o que representaria um divórcio desse gênero.
                    A própria Theresa May, decerto uma apparatchick competente, a quem poderia ser confiada a secretaria do Interior, teve como primeira reação dentro do jogo político de defender  a permanência do Reino Unido, quando do primeiro referendo. As condições da realização desse referendo, em período estival, e por conseguinte com eleitorado reduzido, tenderia infelizmente a produzir um resultado distorcido, como se quase dez lustros de união pudessem ser brutalmente cortados com tanta displicência. O cas-tigo aplicado a David Cameron, seja por admitir a repetição do perigoso ritual referendário, seja sobretudo por permitir que idiossincrasias risíveis viessem a toldar-lhe a visão (os referendos sobre a continuação da união com Bruxelas mais pareciam uma concessão perigosa ao interesse do Povo inglês, como se as ilusões do fasto imperial devessem ser atendidas, não obstante os riscos que tal projeto os fazia correr).Daí o "castigo" de ter de renunciar, por falta de discernimento, a permitir a realização de tal despautério  e de sofrer as consequências 

( Fonte: The Independent )

Nenhum comentário: