terça-feira, 2 de julho de 2013

Salada Mista: Morsy, Snowden et al.

                    
           No Egito, o governo de Mohamed Morsy se afunda na própria intolerância e incompetência. O ultimatum do Alto-Comando das Forças Armadas se parece página do passado, também reflete o malogro da presidência da Irmandade Muçulmana. Esperar oitenta anos para assenhorear-se do poder, e ora chafurdar nos baixios da revolta popular, é demonstração da incapacidade do maior partido egípcio sair do beco obscurantista e da repressão islamista para uma proposta que viesse a abrir novas perspectivas de governança.
            A chefia militar dá 48 horas ao Presidente para responder. Se não satisfizer às demandas populares, notadamente compartilhar o governo com primeiro-ministro oposicionista, será anunciado um mapa do caminho (road map) pelas Forças Armadas com medidas a serem implementadas sob a supervisão castrense.
            A inabilidade de Morsi e a sua postura autoritária já se refletiam na Constituição elaborada sob o figurino islamizante. Esse alto funcionário da Irmandade Muçulmana permitiu que a inflação fugisse de controle, a intolerância religiosa e política se tornassem a regra da sociedade egípcia. Não admira, portanto, a revolta de largos extratos do povo, a consequente destruição da sede da Irmandade no Cairo, e as inúmeras mortes causadas pelos choques entre facções opostas da cidadania.
             Dessarte, o levante contra autoridade eleita reflete o fundo mal-estar no Egito. Que após espaço tão curto de tempo – 28 meses após a queda de Hosni Mubarak – o cenário já desenhe no horizonte a preponderância das Forças Armadas é sinal melancólico do fracasso da liderança civil (nas vestes islâmicas). Abre as portas  à tutela militar, seja através de dóceis comissários civis, seja diretamente pela junta (que é, em geral, o primeiro passo para a entronização do ditador, nos moldes de Gamal Nasser, Anuar Sadat e Hosni Mubarak).  
             O affaire  Snowden continua promissor no seu modo de revelar detalhes importantes e até agora apenas suspeitados do controle da inteligência nas relações internacionais.
              O ex-analista de inteligência Edward J. Snowden continua no seu precário abrigo no aeroporto Sheremetyevo, nas cercanias de Moscou – o que lhe afirma na ficção burocrática de estar em área internacional, não havendo ainda cruzado a fronteira. Snowden, portanto, tecnicamente ainda está em viagem, e não se acha formalmente sob a jurisdição da Federação Russa, sob qualquer das opções de que teoricamente disporia de ter carimbada no seu documento de viagem. Sob certo aspecto, isto vai de encontro à boa recepção dada no imaginário da cidadania russa a Snowden, a ponto de ser comparado com o dissidente Andrei  Sakharov.
              Malgrado gospodin Putin quiçá apreciasse que a questão fosse resolvida sem o seu envolvimento, dada a relevância que o problema tem assumido, tal semelha perspectiva pouco provável.  Há uma visita importante à Rússia de Barack Obama marcada para setembro vindouro, e, embora as relações entre Washington e Moscou não estejam no melhor dos mundos, tampouco o governo da Federação Russa deseja que elas descambem para nova guerra fria (o que seria eventualidade possível no caso de um forçado cancelamento de parte americana). Por isso, se Snowden optar pela residência na Rússia, e se tal fôr aceitável para o Kremlin,  só seria imaginável em contexto de esquema que lhe circunscreva a atuação, de modo a que não tenha  condições de uma atuação anti-americana.
                Por enquanto, Snowden permanece no limbo transnacional de Sheremetyevo. Até o Itamaraty recebeu carta do ex-agente da CIA, e um pouco fora das tradições de sua diplomacia, disse que sequer a responderia. A União Indiana já optou pela negativa, enquanto os ‘suspeitos usuais’ (Equador e Venezuela) não deram por ora respostas conclusivas. Por sua vez, especula-se, dentro de linha ideológica, que a Bolívia de Evo Morales haja sido igualmente contactada.
               A outra vertente da crise da inteligência se acha na repercussão bastante negativa da espionagem americana conduzida presumivelmente sobre a coleta  omnibus das chamadas metadata[1],  pela Agência de Segurança Nacional (NSA), realizada tanto nos EUA, quanto em missões  da União Européia em New York e Washington, além de no território europeu, como na Alemanha Federal.
               A esse respeito, o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, se declarou “profundamente preocupado e chocado acerca das alegações”.  Por sua vez, a Ministra da Justiça da U.E., Viviane Reding, disse: “Parceiros não se espionam entre si. Não podemos negociar acerca de um grande mercado transatlântico se persiste a mais ínfima dúvida sobre o fato de que nossos parceiros realizem operações de espionagem nos escritórios de nossos negociadores. As autoridades americanas deveriam eliminar qualquer dúvida nesse sentido com a maior presteza.”
              Ainda a propósito da participação americana,  Glenn Greenwald, jornalista do Guardian (jornal britânico) diz que Obama está de mãos atadas com a Rússia e pode complicar-se com aliados. A propósito do questionamento estadunidense de que Greenwald seria cúmplice ao ajudar Snowden a divulgar documentos,  o correspondente inglês – que reside no Brasil – disse: “O governo Obama tenta criminalizar o jornalismo há muito tempo. Começou com o WikiLeaks, abriu investigação penal. Mas o WikiLeaks não fez nada que os jornais não façam todos os dias, publicando segredos obtidos com fontes do governo. (...) E ainda há muitos documentos por vir, sobre mais países que descobrirão que são alvos dos EUA. E o governo americano não pode fazer nada contra isso. Ainda bem que moro no Brasil.”

 

 

(Fonte:  International Herald Tribune;  O Globo )



[1] Dados coletados pela NSA e relativos ou a chamadas telefônicas (nomes de participantes, data e duração respectiva) ou e-mails.

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