sexta-feira, 19 de julho de 2013

Reversão das Expectativas na Síria

                                
          Por um tempo, foi lícito pensar que a evolução da guerra na Síria, em que o papel do tirano, com a sua base de apoio gradualmente carcomida, e a rejeição da maior parte da população síria, o condenava a  desenlace inelutável, com a vitória da Liga Rebelde.
          Esse modelo do conflito, que já terá ceifado mais de cem mil vítimas, gozou em 2012 e princípios de 2013 de um consenso que se estendeu até à Rússia, que chegou mesmo na prática a considerar quase como se a partida sinalizasse, mais cedo ou mais tarde, a queda do regime alauíta de al-Assad.
          Tal comportamento dos aliados de Bashar, que refletia os avanços dos rebeldes e o seu domínio em largas extensões do território, não levou o Kremlin a descontinuar a sua ajuda militar ao acossado exército sírio. Por outro lado, nessa vigésima quinta hora da insurreição, de parte libanesa aumentou a participação do Hezbollah, o braço armado da militância xiita que pela falta de outra opção, se viu constrangido a participar do conflito, ao lado de Damasco. Encarando a vitória da Liga Rebelde como um golpe quase mortal para as próprias operações, a milícia de Hassan Nasrallah entrou na guerra, como de resto se viu na batalha de Qusayr, em que al-Assad recuperou da Liga Rebelde este centro urbano próximo de Damasco.
          Além disso, os fornecimentos militares continuaram a vir dos ayatollahs do Irã, através do corredor iraquiano (Bagdá tem governo xiita, próximo de Teerã).
           Se na Liga Árabe, o lugar da Síria está ocupado pela Liga Rebelde, esse apoio diplomático da Nação árabe não se tem traduzido em grandes vantagens materiais no terreno. Para tanto, o Qatar e a Arábia Saudita vem intermediando auxílio militar para a Liga Rebelde, mas que não se iguala com a munificência dos fornecimentos da Federação Russa. Se algum equipamento mais pesado chegou à Liga Rebelde, vindo da Croácia, com a intermediação do Qatar, não há comparação entre o material disponibilizado para os rebeldes, e aquele encaminhado para a Síria.
        Por outro lado, qualquer utilização mais pró-ativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas está fora de questão pelo veto russo. Nesse contexto, é impensável um cenário líbico, com zona de exclusão aérea e bombardeios da OTAN.     
        Bashar dispõe de aviões e helicópteros, além de blindados e mísseis. Não são apenas os obsoletos Scud, mas também alguns assaz sofisticados, cujo fornecimento à Siria por Moscou motivou protestos dos Estados Unidos.
        Dessarte, enquanto as formações rebeldes possuem apenas armamento leve e mediano (só recentemente receberam mísseis terra-ar, malgrado a oposição estadunidense), a aviação de al-Assad bombardeia regularmente as cidades e núcleos urbanos dominados pelos rebeldes.    
        Enquanto Bashar é apoiado militarmente (o auxílio de Teerã inclui igualmente pessoal técnico especializado dos Guardiães da Revolução), a Liga Rebelde recebe fornecimentos de material mais leve, sobretudo dos reinos do Golfo, dentro da aliança sunita contra a coalizão xiita. Do Ocidente, os revolucionários não tem tido uma ajuda comparável.
        Quanto aos Estados Unidos, Barack Obama não aparece como grande amigo da causa rebelde. A sua cúpula militar-diplomática do primeiro mandato, com Hillary e todo o restante estamento de Defesa e CIA lhe havia recomendado um plano de maior apoio aos rebeldes, plano este que foi recusado pelo Presidente, que alegadamente temia o efeito afegão, com o desvio do material para os jihadistas islâmicos.
        Depois de muitas marchas e contramarchas, o 44º mandatário acabou por concordar com uma versão sanitizada do plano. Parece que as armas a serem passadas para os rebeldes são suficientemente leves para não inquietar Obama sobre eventuais desvios, mas ao aguar de tal forma o fornecimento de equipamento, há de intuir-se que a sua utilidade bélica não seja de molde a contribuir de forma adequada para dar mais condições militares à Liga Rebelde no seu enfrentamento com o exército de Assad.
       Por outro lado, há um outro fenômeno que reforça os temores do Ocidente e de Obama em particular, além de debilitar a referida Liga, por ser um elemento desagregador.
       Com o prolongamento da guerra civil na Síria, e com o aparente êxito inicial do exército rebelde, foram criadas condições para atrair um sem-número de radicais islâmicos para a suposta jihad síria (um dos poucos aspectos favoráveis do regime fundado por Hafez al-Assad em 1970 era o seu caráter laico, e a reduzida influência islâmica). Por isso, como no Afeganistão invadido pelo comunista russo, se impunha a jihad para expulsar o infiel, a continuação do conflito na Síria funcionou como uma espécie de imã para atrair militantes islâmicos sunitas, intentos em derrotar o regime alauíta (derivado do xiita).
        Esses radicais, posto que em geral combatentes valorosos, têm representado na Liga Rebelde um elemento desagregador. Quando assumem o controle de unidades, costumam ser demasiado rígidos, e por vezes, além de querer impor a sharia (lei islâmica) não atuam para reforçar o apoio dos civis no seu território, ao impor-lhes punições muita vez descabidas. Em uma palavra, lhes falta a capacidade política de agregar forças.
        Por outro lado, tais elementos – que militarmente são capazes  – têm contribuído para  outra situação. Há indicações  de que no seu empenho de afirmar o próprio poder, tenham considerado companheiros da Liga Rebelde como adversários, a ponto de os terem atacado. Se confirmado esse traço, seriam manifestos os efeitos contraproducentes para a causa da Liga Rebelde.
        Nesse sentido, enquanto a posição de Bashar al-Assad se reforça, há a tendência de uma balcanização na área sob controle da Liga.
        O general Salim Idris, o comandante do Exército da Síria Livre, que é uma coligação de forças, a qual coordena o apoio armado a grupos escolhidos (e não o encaminha a extremistas), passou a ter a impressão que os aliados não querem a queda de Assad: é por isso que eles não estão ajudando. No entender de Idris, se o apoio não é seguro e confiável, isso deixa os rebeldes em grande desvantagem perante a ditadura de Assad.
        Para quem era havido como mais um líder árabe prestes a tomar o caminho do exílio, com a perspectivas das contas a serem prestadas no Tribunal Penal Internacional, a sua sorte madrasta relembrada a cada semana por deserções de altos funcionários e dignitários, e até rumores sobre a fuga do círculo familiar íntimo, Bashar al-Assad parece adentrar uma nova fase. Como há de conformar-se e evoluir, é outra estória.

 

(Fonte:  International Herald Tribune)     

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