Em dois países de importância capital para o surgimento da chamada primavera árabe a democracia está ameaçada. Na Tunisia, a ameaça se configura por série de assassinatos, que se caracterizam pela eliminação de líderes da oposição. Como se verifica, o método de singularizar aqueles que se opõem à islamização radical é um processo de crueldade hedionda, pois os islamitas radicais pretender implementar o respectivo projeto de forma sinistramente tópica. Matam apenas os políticos mais destacados no campo chamado liberal.
É uma pesada ironia que o país a viabilizar, com o sacrifício do verdureiro Mohamed Bouazizi, a queda da corrupta ditadura de Ben Ali, e o início da dita Primavera Árabe, apresente um quadro tão pouco promissor no campo da proteção dos direitos mínimos da coletividade. Essa ironia, de resto, se transforma em sarcasmo com o surgimento do partido islâmico dito moderado Ennahda, que tem intentado restringir os direitos das mulheres, existentes na Tunísia desde o patriarca da independência Habib Bourguiba. Assim, seja por má-fé, seja por incompetência político-administrativa, extremistas islâmicos, do corte da al-Qaida, permanecem livres para realizar os seus crimes.
A revolta popular se viu exacerbada pela aparente licença para matar dada a homicidas de uma célula jihadista da notória al-Qaida, que não só torna pública a resolução do assassínio, que sói ser precedido pela sua divulgação – à guisa de intimidação do grupo ou partido selecionado para ter executado o chefe respectivo.
A suspeitada conivência do gabinete da Ennahda tem causado muitas demonstrações e protestos de parte de um povo que se vê privado dos próprios líderes, pela ação dos exterminadores da al-Qaida. Foi assim em fevereiro último, com a morte do político moderado Chokri Belaid, e agora de Mohamed Brahmi, também liberal e o líder da oposição ao Ennahda. Brahmi, um político respeitado, foi abatido diante de sua residência, e à vista da mulher, e dos filhos, nesta quinta-feira, 25 de julho.
A reação da população foi muito forte, com diversos protestos populares, dispersos a gás lacrimogêneo pela polícia. Houve uma greve geral decretada pela principal união sindical.
O aspecto mais inquietante do crime é que o governo não ignora quem seja o assassino, que é Boubakr Hakim, um radical jihadista que já estava implicado na morte de Belaid. Segundo o Ministro do Interior, Lotfi Ben Jeddou, o matador seria o mesmo porque os tiros partiram da mesma pistola automática. Infelizmente, o alegado fato de saber quem matara Belaid não foi instrumental para que Hakim fosse detido. Ao contrário, pela incapacidade das autoridades (ou pior) continuou livre para levar adiante o seu projeto macabro.
Por sua vez, no Egito milenar, após o golpe militar contra o presidente Morsi, da Fraternidade Muçulmana, tudo leva a crer que se reforce a antiga tendência prevalente na terra dos Faraós. Com efeito, desde a derrubada do rei Faruk em 1954, o Egito tinha estado sob o tacão de uma série de ditadores castrenses – notadamente Nasser, Sadat e Mubarak. Com a revolta da praça Tahrir se iniciou o que se augurava fosse um processo democrático.
No entanto, seja a Fraternidade Muçulmana, seja o seu candidato e eventual presidente, não favoreceram um projeto de governo para toda a sociedade egípcia, e não apenas para benefício do vasto contingente islâmico da Fraternidade.
A par de sua ineficiência em combater a inflação, por uma série de medidas – como através de decreto em que buscou enfeixar todos os poderes, em seguida a aprovação da nova Constituição de forma pouco democrática, e por último a sua incapacidade em apresentar-se como um líder de todos os egípcios – o presidente Morsi reduziu, de alguma maneira, a duração de seu governo a um ano.
A princípio a intervenção dos militares – com exceção da Fraternidade, que apóia Morsi – foi bem recebida pela maioria do povo. No entanto, apesar de haver nomeado um governo provisório, o alto comando vem transmitindo com progressiva intensidade a impressão de que quem realmente manda naquela milenar terra, que Heródoto chamou dádiva do Nilo, continua sendo o militar, ora representado pelo Comandante em chefe, General Abdul-Fattah el-Sisi.
Por quanto tempo el-Sisi ficará no poder é uma questão em aberto. O último comandante militar, que era vice de outro militar (Anuar Sadat) ficou como presidente por cerca de trinta anos. O seu nome é Hosni Mubarak.
A violência, sem embargo, preocupa e muito. Nos últimos distúrbios, respondendo às pedras lançadas pelos partidários do presidente deposto (e preso) Morsi, a resposta dos militares foi à bala, e houve 72 mortos. É conhecida a dificuldade que os militares têm em lidar com a oposição. O balanço dessa ‘operação’ já mostra que a turma fardada nada aprendeu com as manifestações da praça Tahrir. É difícil imaginar que o general el-Sisi logrará cimentar o próprio poder com uma tal dificuldade em lidar com a pressão das oposições.
( Fontes: New Yorker, International Herald Tribune,
Folha de S. Paulo )
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