sábado, 17 de maio de 2014

Grevismo e Copas

                                 

        Estávamos preparados para a saraivada de críticas internacionais no que tange à preparação da Copa do Mundo? Como se pode verificar em blogs anteriores, há que separar o joio do trigo nessas observações negativas. No entanto, seria demasiado fácil (e até mesmo previsível) que buscássemos sair pela tangente, tachando os comentários de parciais e sensacionalistas. Não há negar, é verdade, que muitos deles – como se pode facilmente verificar por notas de Picadinho à Brasileira – se enquadram em postura de falsa superioridade e do ranço de juízos preconceituosos, no que concerne a países ditos de là- bas  (lá embaixo). A frase atribuída ao general de Gaulle, no que respeita ao Brasil – c’est pas un pays sérieux [1] - pode ser até apócrifa, mas se adapta à maravilha a um outro dito, este italiano – se non è vero, è ben trovato[2] - que nos mostra a relatividade das assertivas.

        O que tampouco se pode afiançar é que não têm algum parentesco com a verdade. Quando Lula da Silva achou por bem que poderíamos enfrentar essa dupla barra – Copa do Mundo e Olimpíada – fê-lo em momento feliz, com ventos favoráveis, para o Brasil. Colheu por isso apoio entusiasta. Em ambas as preparações – a da Copa e a das Olimpíadas – demonstramos a conhecida e grande habilidade no terreno das promessas  e nos filmetes de propaganda.

        Em termos específicos de Copa do Mundo, se começou a pisar na bola com a promessa demagógica de Lula das doze sedes. Houve um comprometimento verbal, na verdade. A palavra de Lula pesou, como se tivesse um alcance extra-mandato. É verdade que, em 2012, o ex-torneiro-mecânico legou ao Brasil, como presidente a sua chefe de gabinete, Dilma Rousseff. Era o primeiro ‘poste’ em uma série a ser continuada.  

        Ora, se ficarmos nos domínios de Herr Joseph Blatter, o presidente da FIFA, Lula e a sua pupila deveriam ter dado continuidade a esse comprometimento. Quanto a muitas dessas sedes – outorgadas não por causa da Copa, mas por interesses político-eleitoreiros – a maior parte delas, no mínimo, demandava um acompanhamento constante, além de maior apoio em termos de gestão. Situações hoje limite, como Cuiabá e Manaus, além de Fortaleza e Natal, demandam muito mais atenção e empenho do que receberam. Como se verifica, de resto, pelo discurso do presidente do TCU, Ministro Augusto Nardes (V. blog de ontem), as falhas não se restringem a esses casos-limite, alcançando na prática a todas as sedes, inclusive Rio de Janeiro e São Paulo.

         Há um evidente clima de menor entusiasmo no que tange à Copa do Mundo. Tal é visível pela falta de enfeites alusivos ao certâmen. O verde-e-amarelo, por enquanto, não aparece. Existe o movimento de contestação da própria realização da Copa, que é uma decorrência dos gastos excessivos com os estádios (as inúmeras Arenas surgidas pela largueza de Lula da Silva), as exigências dos gnomos de Zurique (Blatter e Jérome Valcke, notadamente), e o consequente Padrão-Fifa, que o movimento do passe-livre de junho de 2013 expôs e gravou na mente popular.

        Em um país com as falhas gritantes de atendimento à saúde e no saneamento básico, esses elefantes brancos da Copa são os Coliseus da pompa agressiva em um país de fundas injustiças sociais.         

        O brasileiro comum deseja a Copa e a nossa vitória que há de resgatar a injustiça de 16 de julho de 1950, o famigerado Maracanazo,  que refletiu a ingenuidade de uma equipe ímpar, que por ser a melhor daquela Copa, pensou que tal bastaria para assegurar-lhe o caneco.

         Por tudo isso, mostramos uma certa reserva no que concerne às comemorações antecipadas. Mas tal não vale dizer que a maioria de nossa população não deseja a realização da Copa, seguida de nosso almejado triunfo.

         Na antecâmara da Copa, assistimos ao grevismo desenfreado. Esse epifenômeno – se assim se pode denominar a irrupção ilimitada de greves oportunistas – corresponde a uma distorcida visão sindical no Brasil.

        Ao contrário da Europa e dos Estados Unidos, as greves em Pindorama eclodem com facilidade, porque, se implicam em sacrifícios para o povo (como nas seguidas interrupções de serviço no transporte de ônibus), os grevistas podem decretá-las impunemente, pois terão depois pagos os dias da parada. A atitude dos sindicatos e a sua segurança da impunidade recorda a época do autunno caldo (outono quente) na Itália, em que o poder sindical tudo se permitia, até greves selvagens na tevê estatal, proclamada a minutos de uma partida internacional da Azzurra (a seleção italiana), e válida apenas para a duração do encontro. A húbris sindical chegava a esse ponto – afrontar toda a torcida italiana, que aguardava o evento – e não temia a inevitável reação, que viria mais tarde.

       Ao contrário de o que aparentam os sindicatos de rodoviários (para dar um exemplo, que não é de resto exclusivo da categoria), as greves não são armas em que a vitória sindical está de saída assegurada. Tal ocorrerá se os dias de falta forem ao cabo pagos, e se outros prejuízos, como a queima e a depredação dos ônibus, continuarem a não serem imputados às categorias que os causarem. Se as disposições legais que existem para disciplinar comportamentos antissociais não estão aí decerto para inglês ver, a sua aplicação será relevante não para represar protestos justos e cabíveis, mas manifestações irresponsáveis de grevismo sem limites.

       O tratamento indolor dado às greves é um incentivo à sua propagação selvagem. Passar a mão na cabeça do grevista é um tratamento custoso, se tivermos presente o dito que não há almoço grátis. Alguém terá de pagar pelo serviço não prestado e pela coletividade desatendida.

       Referi acima a um período em que, por força de Daniel Cohn-Bendit e as revoltas estudantis de 1968, o poder sindical aumentou também na Itália. Mas, pelos excessos decorrentes dessa preponderância, a sua queda aconteceu nos anos subsequentes. Tudo isso dentro do equilíbrio democrático, que vela pelo respeito recíproco nos poderes.

       A greve é uma manifestação democrática, embora extrema, do trabalhador, que lhe resguarda um direito, que deve ser usado com parcimônia. Nos Estados Unidos e na Europa, as greves ocorrem, mas não por dá cá aquela palha, pela simples razão de que os sindicatos deverão subsidiar os dias em que o trabalhador falta ao trabalho. Foi assim na famosa greve dos gráficos em New York, nos anos sessenta, que durou muitos meses, o que só foi possível pelo caixa do sindicato. Na Europa, a greve é também recurso extraordinário, dada a circunstância de que os dias de falta não são pagos pelo patrão ou entidade patronal. Compreende-se, por conseguinte, que a greve para esses países é coisa séria, a que se  recorre apenas em última instância.

                                                                                                        (a continuar )

(Fonte:  O  Globo)




[1] Não é um país sério.
[2] Se não é verdadeiro, está bem dito.

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