sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A Revolução Árabe em Marcha

                  
         Para quem a pronunciara nos estertores, a revolução árabe democrática mostra sinais, parafraseando o dito de Mark Twain, que sublinham o exagero de sua morte anunciada.
        No Iemen, há uma enésima promessa do ditador Ali Abdullah Saleh de que deixará o poder. Conquanto esse tipo de aceno haja sido desmoralizado no passado por um sem-número de recuos, desta feita a coisa parece ser diferente.
        Em Ryadh, firmou ele um acordo pelo qual transfere de imediato o mando para o vice-presidente. Na presidência há trinta e três anos, o documento – que terá sido apadrinhado pela Arábia Saudita – lhe garante imunidade em termos processuais. Persistem ainda muitas suspicácias quanto à sua possibilidade de governar por interposta pessoa – tem filhos altamente colocados – e se estabelece prazo de três meses para as eleições.
       Até agora, Saleh negaceara por repetidas vezes a sua saída do poder – esteve inclusivamente longamente afastado, em tratamento na Arábia Saudita por grave atentado que sofrera – mas nunca  houvera assinado o compromisso, o que ocorreu desta vez.
        Dessarte, a oposição aguarda com as necessárias dúvidas a evolução no quadro.
        As multidões de manifestantes vem exigindo – com muitos mortos e feridos -  a saída do déspota, por incontáveis meses. Há razões sobejas para que, satisfeito em aparência o seu pleito, não logre ainda a maioria do povo iemenita desvencilhar-se da dúvida quanto ao real propósito do ardiloso ditador.
       Na Síria, prossegue o que semelha a prolongada agonia do homem doente no tirânico firmamento da nação árabe. Bashar al-Assad se defronta com o ultimatum da Liga árabe, no que tange à visita de observadores internacionais. O seu isolamento se acentua. Desde muito, o Líder Supremo do Irã, Ali Khamenei acenara com a respectiva dissociação do velho aliado. No passado, ambos buscavam nos inimigos comuns (Arábia Saudita, Israel) a tônica para a união.
       Chovem as sanções da União Europeia e dos Estados Unidos, manietando o intercâmbio e enfraquecendo as fontes de renda. Por outro lado, a atmosfera de incipiente guerra civil afeta as rendas tributárias, o que contribui para a ulterior debilidade do já combalido erário alauíta.
       Se se acentuarem as ações dos ‘bandidos estrangeiros’, na verdade soldados desertores do grosso da tropa de Bashar – excluída a divisão de elite do irmão Maher, os demais têm baixo soldo e pouca motivação -, as continuas manifestações e as contraposições armadas em várias cidades, as perspectivas de que o Presidente sírio adentre um cenário kadaffista tornam-se sempre mais prováveis.
       O afastamento da Turquia, com o inequívoco chamado do Primeiro Ministro Recip Erdogan à al-Assad para que renuncie sem mais tardança, se não deseja morrer pela mão de seus opositores, tende a compor uma constelação adversa que tudo indica represente o começo do fim do ditador sírio.
        Se a República Popular da China e a Federação Russa, esses dois bastiões do autoritarismo, que têm vetado resoluções no Conselho de Segurança, propondo sanções economicas contra o regime sírio, se afastarem nos próximos dias desse homem doente da nação árabe, valerá quase como um beijo da morte para o combalido tirano, que se veria abandonado e entregue à sorte reservada aos seus muitos antecessores nesse fim de caminho.    
          O Egito e a simbólica Praça Tahrir surpreendem uma vez mais, com o ressurgimento da revolução.  No caso, os surpreendidos foram sobretudo os militares, que julgaram chegado o momento de desvendar o próprio jogo, como se o levante de março, que derrubara a ditadura de Hosni Mubarak, fosse acontecimento já varrido pelos ventos da história.
          Assim, sob o comando do marechal Mohamed Hussein Tantawi, o exército manteria o primado, com o poder civil em posição subalterna. Continuaria na prática a tutela castrense, com as forças armadas regidas por si próprias, em virtual autarquia.
          Colocado diante da contestação civil, o poder militar tentara esmagar o protesto. Nesse contexto, a divisão na Fraternidade Muçulmana, de que parte substancial preferiu não apoiar as renovadas manifestações da Praça Tahrir, terá contribuído para aumentar as  baixas entre os civis.
           De qualquer forma, mesmo sem a necessária coesão, a resistência democrática persistiu, o que no final implicou em concessões dos militares, inclusive com o encurtamento de sua intervenção no processo.
          No entanto, a seleção do novo primeiro ministro não há de apaziguar os ânimos. A junta escolheu Kamal Ganzouri, de 78 anos, que já foi Premiê  de Mubarak entre 1996 e 1999, e que integra o círculo de poder da ditadura deposta, com as sólitas suspeitas de corrupção.
         Hoje, dia santo para os muçulmanos, a oposição conta reunir grande multidão na praça Tahrir, esperando demonstrar o quão viva está a chama democrática na sociedade civil. Esse gênero de nomeação desvela o descompasso entre os militares e o povo, pois tirar esse coelho da cartola é um gesto pelo menos anticlimático, e talvez mais apareça como uma provocação militar.
         Pelo menos 38 pessoas foram mortas até agora na tentativa de repressão das forças democráticas. Malgrado os pedidos de desculpa da junta, os ânimos estão tensos. Reeditando as tropelias policiais dos primeiros dias de março, quando Mubarak ainda julgava possível sufocar a rebelião vinda da Tunísia, o marechal Tantawi e o exército, mesmo a contragosto, cooperaram para reatiçar as chamas revolucionárias.
         Afinal, para quem já era pronunciada como morta, a revolução democrática egípcia continua a incomodar e a atrapalhar os planos do grande mudo, que deseja apenas cosméticos retoques no quadro institucional , para que tudo fique como sempre esteve.



( Fontes: International Herald Tribune, O Globo, Folha de S. Paulo )   

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