sábado, 5 de novembro de 2011

O Problema Grego

                                    
      Será difícil visualizar  exemplo histórico em que a decisão de um país pequeno, periférico e de relevância aparentemente marginal em determinado cenário geopolítico, tenha suscitado tantas subordinadas reações do suposto diretório da União Europeia.
      O que pareceria  abstruso enredo de ficção política, paradoxalmente foi desencadeado na realidade. Nunca a história – essa mestra que alguns definem como um punhado de mentiras, contadas por um idiota – terá exagerado a tal ponto na desproporção dos efeitos respectivos das ações de seus protagonistas, na medida em que  o primeiro-ministro de diminuta potência se descobriu, por um conjunto de circunstâncias, com poder muito maior do que aquele atribuído aos líderes da embriônica confederação europeia.
      Com efeito, um político helênico até então obscuro no cenário internacional provocou por, atitude imprevista, alterações no quadro econômico mundial, fazendo despencar as principais bolsas do intercâmbio globalizado, além de motivar raivosas e surdas reações entre aqueles que, nas desequilibradas negociações precedentes, o haviam tratado com a condescendência antes reservada pelos impérios a seus protetorados e pequenas nações dependentes de tais suseranos favores.
       A União Europeia, com 27 membros plenos, e a Zona do Euro, com 17, são decorrência de um longo trabalho, que se sucede às visões de Robert Schuman, Konrad Adenauer e Jean Monnet, no pós-guerra. A princípio, através da Comunidade do Carvão e do Aço, e, posteriormente com a Comunidade Econômica Europeia (CEE), de seis países (Alemanha Ocidental, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), essa grande ideia de uma nova Europa foi ganhando força.
        No entanto, crises posteriores, notadamente o veto por de Gaulle ao ingresso do Reino Unido, prenunciavam questões e dificuldades que os sucessores dos fundadores da CEE não resolveriam adequadamente.
       Assim, na construção europeia, os partícipes mereceriam a censura formulada por Jean-Jacques Rousseau ao plano de concórdia europeia urdido no século XVIII pelo Abbé de Saint Pierre, a quem acoimou de ter grandes ideias e pequenas vistas (políticas) (des grandes idées et de petites vues).
      Ao invés de crescer organicamente, a União Europeia agigantou-se para formar um incôngruo grupamento de países soberanos. Por conformar uma confederação, repetiu graves erros históricos, que nos Estados Unidos, diante da ineficácia confederativa, foram superados pela Constituição de Filadelfia, que lançou as bases da federação americana.
      Com a inchação da UE não poderia senão agravar-se a chamada síndrome polonesa, reminiscente do antigo Reino da Polônia, em que o respectivo Parlamento se podia ver súcubo do veto isolado de um único representante. Tal grave defeito estrutural na UE marcou sua presença no temporário veto do parlamento da Eslováquia a medidas de interesse geral da União, e já aprovadas por todos os demais.
       Não param por aí os defeitos e os empecilhos na conformação da UE. Os criadores dos tratados básicos que formam por assim dizer a constituição europeia tiveram uma visão prometeica do futuro. Agiram como aqueles construtores de casas que encerram a respectiva tubulação debaixo de mármore ou granito, sob a presunção de que jamais se carecerá de reformas. Ora, manda o bom senso que, ao dispor-se um conjunto de membros, se faculte a eles próprios, ou à maioria do grupo, a possibilidade de suspendê-los provisoriamente ou de afastá-los de forma definitiva.
      Faltou, portanto, a essa segunda geração de líderes europeus a imaginação – ou o realismo – de agregar com o controle do bom senso.      
     É hora, pois, de voltar ao papel do Primeiro-Ministro grego, Georgos Papandreou. As suas negociações com o diretório europeu – exercido na prática pela Chanceler Angela Merkel (Alemanha) e pelo Presidente Nicolas Sarkozy (França) pareciam haver chegado afinal ao colimado porto, com os acordos de 26 e 27 de outubro. Se excluirmos as contrapartidas – demissão de funcionários, cessão de empresas públicas, aumento de impostos  etc. – os entendimentos ‘perdoavam’ 50% da dívida grega. Esse calote, a ser administrado pelas instituições financeiras (FMI, Banco Central Europeu e os diversos bancos depositários de ‘ativos’ helênicos) vinha apimentado pelos sacrifícios exigidos da República Helênica e de seus cidadãos, que já enfrentam a queda na atividade econômica, com o desemprego e sua coorte de males.
      Papandreou terá pensado que o corte de cinquenta por cento seria saudado pelos eleitores, mas a reação foi bem outra, como já referido nessas páginas, estendida a injúria de ‘traidor’ à classe política, nela incluída o Presidente Karolos Papoulias, que tem o poder de aprovar os gabinetes e de visitar exposições de flores et al., dentro do paradigma das constituições parlamentaristas clássicas.
     Diante deste fato novo, o moderado e sisudo Papandreou – filho e neto de dois Primeiros Ministros gregos – não agiu assistido pela prudência e cautela, que devem ser companheiras inseparáveis dos detentores do mando.
     Sem consultar a ninguém, nem mesmo ao seu Ministro de Finanças, Evangelos Venizelos, este também descendente de renomado prócer das primeiras décadas do século XX, Papandreou resolveu apelar para a soberania nacional, e submeter o laborioso acordo de outubro – que salvaria a Grécia da insolvência, e a Europa de uma crise imprevisível – ao instrumento do referendo.
     Sem falar de Venizelos que baixou ao hospital, consumido pelos fármacos da traição, caíu sobre o solitário Papandreou toda a pressão imaginável ou não da Chanceler Merkel e do Presidente Sarkozy. Choveram os epítetos da imprensa e da mídia sobre o Premier helênico. Dos publicáveis, befuddled terá sido o mais corrente, por transmitir a quase generalizada impressão de turbamento mental.
     Por haver assumido sozinho a responsabilidade de tal gesto – que poderia tornar írritas as cláusulas arduamente negociadas – Papandreou seria a imagem de um líder sem apoio nem respaldo. Não lhe passara pela mente que tal lance superava de muito a sua capacidade individual de jogador. Por não ter confiado a ninguém o respectivo segredo, se pilhava atado a enorme pedra, em situação típica de condenado por alguma velha sociedade criminosa.
    Dessarte, o referendo, esse espantalho que pusera em revoada as aturdidas bolsas, não perduraria por muitos dias, mesmo se com a data antecipada e os termos encolhidos para a permanência ou não na Zona do Euro.
   O desabafo do Presidente Sarkozy quanto ao erro de ter a Grécia como membro neste clube exclusivo é a expressão da impotência do diretório europeu em limitar o número dos estados de o que constitui a moeda em circulação.
     Aqui cabe a sabedoria popular. Nada a fazer com o leite derramado. Se se permitiu, a seu tempo, o ingresso grego, mesmo com conhecimento dos seus déficits orçamentários, superiores ao 3% relativos ao PIB, agora é tarde.
    Os tratados da UE são tão lacunosos que, a menos da decisão soberana do povo helênico optando pelo velha dracma e não mais pelo clube do euro, a Grécia permaneceria na Zona do Euro, quisessem ou não os seus líderes e demais autoridades comunitárias.
    Ontem, quatro de novembro,  uma página foi virada no dramalhão da República Helênica. Uma vez mais, contra muitas expectativas, o Parlamento votou a confiança no seu Primeiro Ministro, com três votos de apertada maioria (um dos quais de deputada expulsa do Pasok, ora independente).
    Como nos enredos do antigo parlamentarismo dos conciliábulos e dos acordos-surpresa, não se pode excluir que, ou Papandreou continue à testa do gabinete, ou ceda o posto a personalidade com trânsito junto ao Pasok e a Nova Democracia (direita), cujo líder, Antonis Samaras, possa aceitar.
     Salvo reviravolta, o referendo está marcado para as calendas gregas (aquelas inexistentes, o equivalente do dia de São Nunca).
     Antes de concluir, registre-se o fracasso do G-20 em trazer o aporte de qualquer ajuda financeira, mesmo a entregue ao vetor do FMI. Enquanto Barack Obama, em uma atualizada versão da presente capacidade estadunidense em intervir em campo financeiro, espargiu conselhos aos europeus, cobrando medidas para que a atual crise financeira não contagie outros países, a China de Hu Jintao sentou-se sobre os seus três trilhões de reservas, sem parecer escutar a cacofonia dos reclamos de outros membros do G-20, incluído o Brasil, insatisfeitos com os malabarismos cambiais do Império do Meio, que mantém o renmimbi subvalorizado.
     Como nas peças teatrais da Commedia dell’Arte, do Mambembe e de todo gênero o pano aqui descerá rápido. Conquanto não se exclua, pelos antigos precedentes, que volte a reabrir-se, expondo o pandemônio de sempre.



( Fontes:  O Globo, Folha de S.Paulo, International Herald Tribune )   

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