quarta-feira, 23 de novembro de 2011

As Duas Caras de Erdogan

                                
Conselho para Bashar al-Assad

       O Primeiro Ministro da Turquia, Recip  Tayyip Erdogan, em uma reunião partidária, dirigiu ásperas palavras para o seu vizinho e antigo aliado, Bashar al-Assad.
       O Presidente sírio enfrenta um crescente isolamento internacional. Nesta terça-feira, o Comitê humanitário da Assembleia Geral das Nações Unidas votou resolução, condenando a violência na Siria, e apoiando a iniciativa da Liga Árabe, que suspendeu a Síria e exigiu o término da repressão. A votação contou  com 122 votos a favor, dentre os quais o Brasil, e treze contra (punhado de ditaduras e o grupo chavista-bolivariano), com 41 abstenções (Brics, excluído o Brasil).
       Al-Assad, no fim de semana, voltara a dizer que lutaria até a morte para resistir às forças estrangeiras. Como se sabe, o déspota sirio e a mídia sob seu controle reiteram a estória de que está sob ataque de bandidos armados, estipendiados por países estrangeiros.
       Para tais declarações, em sua alocução, Erdogan foi de brutal franqueza. “Pelo amor de Deus, contra quem você está lutando ?  Lutar contra o seu próprio povo até a morte não é heroismo, é covardia. Se você quer ver alguém que lutou até a morte  contra o seu povo, veja a Alemanha nazista, veja Hitler, ou então Mussolini, ou Nicolau Ceausescu na Romênia.
       Se não pode tirar lições desses últimos, então olhe para o lider líbico que voltou suas armas contra o seu povo, que empregou as mesmas palavras que você está usando, e que foi morto há 32 dias atrás de uma maneira que não era desejada por nenhum de nós.
      Assim, sem derramar mais sangue, renuncie”.
      A Turquia, que tem longa fronteira comum com a Síria, tinha até pouco tempo atrás estreitas relações de cooperação com Damasco. A deterioração da posição de Assad, o seu recurso à indiscriminada repressão, a recusa em negociar com a oposição e o número de vítimas (superior a 3500), a par dos extensos acampamentos de refugiados políticos sírios na área fronteiriça turca contribuíram para precipitar a ruptura do antigo aliado, que considera inclusive a hipótese de desconectar o fornecimento de energia.  
 

Erdogan e a liberdade de imprensa

        Também nesta terça-feira, a mídia pode entrever a outra face de Erdogan. Realizou-se ontem, em Istambul,  a primeira audiência de processo contra treze jornalistas, réus de suposta conspiração para depor o governo turco.
       Detidos há nove meses, entre os acusados há dois proeminentes jornalistas investigativos, Nedim Sener e Ahmet Sik, assim comos editores da TV Oda, um portal na internet de notícias com viés secularista, com linha crítica ao governo de Erdogan.
        Havia grande número de jornalistas, inclusive estrangeiros, além de parentes dos reús. O afluxo foi tal que teve de ser limitado o acesso ao tribunal, por falta de espaço. Dentre os presentes, estava Johann Bihr, chefe da Seção Europeia e da Ásia Central de Repórteres sem Fronteiras : “Esta é a terceira vez neste ano que viemos à Turquia. É muito raro ter de vir a um mesmo país tantas vezes. Desta feita estamos aqui para exprimir a nossa raiva”. Já Pavol Mudry, vice-presidente do Instituto da Imprensa Internacional afirmou: “não é aceitável que jornalistas sejam presos por causa de suas opiniões”. Nesse sentido, Mudry espera transmitir tal mensagem para as autoridades turcas nos encontros agendados para a semana corrente.
       No índice classificatório de liberdade de imprensa, a Turquia do suposto islamita light Recipe Erdogan está no pelotão de baixo, nos último quarenta países. Desde 2008 a Turquia baixou de 102 para 138, e sessenta e três jornalistas estão na cadeia.
      Um dos jornalistas atrás das grades é Ahmet Sik. Antes da sua detenção pelo ‘complô’, ele escrevia obra investigativa sob o título ‘O Exército do Imã’. Trata-se de um grupo religioso dirigido por Fethullah Gulen, pregador e educador, que é visto como opositor do secularismo (introduzido por Mustafá Kemal, o fundador da Turquia moderna). Hoje Gulen vive em auto-exilio no estado da Pensilvania.
      A polícia turca, ao invadir a casa de Sik, em março último, confiscou cópias do typescript. Violando a lei o texto foi divulgado pela internet. Na semana passada, em um ato de desobediência política, o livro foi publicado, assinado por 125 jornalistas e escritores.
      O Governo Erdogan afirma que nenhum dos réus está sendo acusado por causa de seu trabalho jornalístico. A imputação governamental seria pelo alegado estímulo e ajuda prestada de uma quadrilha ultra-secularista intitulada Ergenekon, que visaria a derrubar o governo pró-islamita de Erdogan.
      Por sua vez, Nedim Sener, companheiro de cela de Sik, é também crítico dos crimes cometidos pelos agentes estatais. Nesse contexto, Sener recebeu a comenda Herói da Liberdade Mundial de Imprensa, do Instituto da Imprensa Internacional pelo seu livro investigativo sobre o assassínio do diretor de jornal turco-armênio Hrant Dink e o suposto envolvimento de funcionários da segurança estatal.
      Contudo, a sessão do tribunal não foi longa. Os trabalhos serão retomados em 26 de dezembro, para que uma corte superior julgue sobre a moção que questiona a isenção do juiz presidente, Resul Cakir. Pede-se a sua substituição, eis que, sendo um dos autores de outra ação contra um dos réus, os advogados da defesa consideram que Cakir não seria a pessoa adequada para um juízo equânime dos acusados.      
      Não é por acaso, portanto, que paira sobre Recip Erdogan essa nuvem de suspicácia. Entretanto,  a colocação da Turquia no ranking da liberdade de imprensa, bem como o número absoluto de jornalistas presos representam indícios ainda mais inquietantes, por não mais corresponderem a vãs suposições, porém a decorrências de  postura algo fascistóide.
      Aliás, por falar em característicos fascistóides,  existe na legislação da Turquia do popular Erdogan um outro artigo que tem levantado não poucos questionamentos. É a famosa exigência da turquicidade (turkishness) que se cobra dos escritores, e de que o próprio Orhan Pamuk, o Prêmio Nobel de literatura, foi acusado de desrespeitar. Se os seus apparatchikes têm a inteligência que é própria dessa laboriosa grei, os hierarcas do atual regime terão logo acordado para a gafe, e a acusação, nunca formalizada, dissipou-se no ar. Não seria decerto muito inteligente envolver-se em tal querela com quem trouxera para a Turquia tão prestigioso galardão...
 

( Fonte subsidiária:  CNN )   

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