quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Povo e a Lei da Ficha Limpa

                      
        O  Povo Soberano não se deve fazer ilusões sobre as simpatias da elite dominante quanto à Lei da Ficha Limpa.
        Iniciativa saída do povo, o MCCE (movimento contra a corrupção eleitoral) coletou cerca de dois milhões de firmas de eleitores para a tramitação do projeto de lei de iniciativa popular. Recebido pelo então Presidente da Câmara Michel Temer, com muxoxos de enfado, a boa escolha da data – um ano antes das eleições gerais – e a continuada pressão de entidades representativas fizeram que o projeto, de início engavetado pelas lideranças partidárias, fosse afinal aprovado em redação satisfatória e por unanimidade ! Nem na Câmara, nem no Senado, nenhuma excelência ousou afrontar a vontade de milhões de eleitores, que desejavam limpar o Congresso dessas patibulares figuras que o achincalham e  desvirtuam.
       A Lei Complementar nr. 135 talvez tenha sido a medida mais relevante da última legislatura. Aprovada e sancionada pelo Executivo – que cuidara, com o lenço no nariz, de não imiscuir-se na sua tramitação – ela viria a arrostar  novo desafio. A oligarquia e seus representantes mais verazes, através dos longos braços dos facundos e industriosos causídicos, estavam aí para colaborar para a fim de afastar – ou mandar para as calendas – a insólita e inquietante ameaça provinda de instrumento até então desdenhado.
      A primeira votação no Supremo Tribunal Federal teve a virtude de revelar quem defende a regeneração do corpo político nacional. Separando o joio do trigo, a votação acerca de  recurso do político brasiliense Joaquim Roriz terminaria empatada, pela usual benévola displicência do Presidente da República em prover esse importante cargo – a última instância judicial – a que se dá ao norte do Rio Grande a necessária relevância. Aqui, os selecionados para Ministros (ou Ministras) do STF são indicados sem o devido escrutínio e  pessoal, mas elevado interesse do Chefe da Nação. Semelharia tratarem de  nomeação de algum dignitário sem maior peso. Ao invés, tais senhores e senhoras decidirão sobre a constitucionalidade das leis, e não carecem de pedir licença a ninguém para votarem desta ou daquela maneira.
     Que fique bem claro que não me oponho à independência dos senhores ministros, dentro dos parâmetros da Constituição. O escândalo reside no modus faciendi de sua escolha e designação, eis que o  referendo respectivo pelo Senado quase não passa de  farsa, feita às carreiras, em procedimento consentâneo com os horários de trabalho de Suas Excelências os Senadores. 
     Nesse contexto, se pode entender e situar melhor o voto de Minerva proferido pelo novel Ministro Luiz Fux. Num relance, o membro júnior do egrégio colégiado mandou para o limbo uma conquista do povo, devida e unanimemente sacramentada pelo Congresso.
    A votação de ontem, há muito esperada, foi iniciada pela relatoria e o voto subsequente do Ministro Luiz Fux. Se provoca certa espécie que se designe relator quem antes se pronunciara contra a plena validade da lei complementar nr. 135, não creio que seja o caso de adentrar-me nesses meandros juridico-forenses. Assinalo, no entanto, que o Ministro Fux não parece morrer de simpatia por esta importante legislação, uma cadeia de nomeada na longa luta contra a corrupção. Se lhe admitiu a constitucionalidade, o Ministro Fux nela contesta fundamental disposição e, por conseguinte, dá a impressão de  intentar esvaziá-la em cláusula capital. Se acolhida por maioria dos demais ministros,  na prática a disposição do relator liberaria futuras candidaturas de políticos que renunciaram para fugir de processos de cassação por quebra de decoro, a exemplo do ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, o deputado Valdemar Costa Neto, e os ex-parlamentares Jader Barbalho e Paulo Rocha.
       Das simpatias pró e contra a lei da Ficha Limpa, dizem talvez mais as fotos, do que o verbo. No Estadão de hoje, vemos o instantâneo de quatro ministros. De uma parte, o senhor relator Fux e pairante sobre ele, o risonho Ministro Gilmar Mendes; de outra, a Ministra Carmen Lúcia cobre a fronte com a mão e, de pé, o Ministro Joaquim Barbosa semelha meditar.
       Para que não se repita o empate havido na votação sobre o recurso  de Jáder Barbalho, em boa hora o Ministro Barbosa pediu vista do processo, um expediente usual nos tribunais colegiados. Através de tal iniciativa, se tenta evitar o pior e se prepara o futuro.
       Com que base e segurança, nos será forçoso reconhecer que, em temas de tal impacto e pertinência para a defesa da democracia, nos entregamos aos caprichos da deusa Túxe, a imprevisível divindade helênica da fortuna.
      Dirigentes responsáveis cuidariam de velar para que os membros de tão alto colégio sejam selecionados com critério, e não sem ele, como se se abandonasse às volúveis entidades da sorte o destino de nossas assembleias. Ou será que a razão é bem diversa, e que se delega, por astúcia rasteira, ao léu dos ventos e correntes o destino de um instituto capital para a consolidação de autêntica democracia representativa no Brasil.



( Fontes: Estado de S.Paulo, O Globo )

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