terça-feira, 1 de novembro de 2011

Ficção e Realidade

                             
No governo de D. Dilma

       A posse do novo Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, que sucede a Orlando Silva, forçado a demitir-se do cargo pela série de denúncias de ‘malfeitos’, foi o incongruente palco de um suposto desagravo ao PCdoB.
      A cerimônia, realizada como é de praxe no Palácio do Planalto, presidida pela Chefe da Nação, provoca mais de uma pergunta.
      Com que lágrimas Dilma Rousseff disse lamentar a perda de mais um colaborador? Sob a enxurrada de acusações que permanecem, a despeito das negativas, e o inquietante molde das transferências para ONGs, sem a adequada fiscalização, a posição de Orlando Silva se tornou insustentável.
      Nesse contexto, será realmente o caso de celebrar a manutenção do PCdoB na frente partidária situacionista, e dizer alto e bom som da própria satisfação: “preservo o apoio de um partido cuja presença no meu governo considero fundamental” ?
      Fundamental, senhora presidenta ?  Data venia, seria oportuno saber do critério que informa  caráter básico, indispensável desse partido ? Não será acaso o seu número de parlamentares, não é verdade ? Tampouco parece ser o caráter ético que presidiu à atuação do ministro do PCdoB, que inclusive motivara a aceitação pelo Supremo Tribunal Federal de ação de iniciativa do Ministério Público, não é mesmo?
     Até personagem que é a epítome da credulidade,a  Velhinha de Taubaté, imaginada pelo simpatizante Luiz Fernando Veríssimo,  hesitaria em manter esse militante, sob o peso de tantas suspeitas, e às vésperas de magnos eventos, com o consequente desafio para a capacidade organizativa dos governos do Brasil que presidirem a tais certamens?
      Há um outro aspecto, Senhora Presidente, que semelha oportuno tratar. Reporto-me ao cerimonial do evento. Já antecipo um risinho de sobranceiro menosprezo de Vossa Excelência. Tenha presente, no entanto, o humilde conselho de quem teve ex officio alguma vivência nesse campo. Podemos comparar o cerimonial à roupagem de um ato oficial. Creio que concordará na conveniência de que seja digna e adequada. Decerto não me cabe adentrar na dignidade do evento, que presumo haja sido excelsa.
     Não obstante, terá sido adequada ?  Que o PCdoB, esse pequeno partido que se jacta da herança do PCB do Cavaleiro da Esperança, instrumentalize cerimonia no seu Palácio do Planalto, não lhe infundirá porventura a impressão de que algo esteja fora do seu lugar ?
      Orlando Silva discursou em tom de desafronta. Como entender a frase: ‘Fico feliz de, depois de atravessar essa turbulência, olhar nos olhos de minha mãe, da minha mulher, e da senhora (a Presidenta), e dizer “eu sou inocente”.’ ?  Aplaudido de pé pela assistência oficial, como interpretar a assertiva e o aplauso ?
     Nesse contexto, em que dubiedade e subentendidos oficiais se entrelaçam, fica mais inteligível o dito do sucessor, Aldo Rebelo, segundo o qual a ‘luta política’ derrubara o antecessor. E acrescentou: ‘talvez, mais do que inocente, o senhor seja vítima’. Essa fraseologia pode ser reminiscente dos movimentos de que procedem, e da prática do então reverenciado comum modelo.
      No entanto, Senhora Presidenta, resta nisso tudo um ressaibo de contradições. A que público o Senhor Aldo Rebelo dá essa barretada ? Malgrado a sua concordância em avalizar essa transferência de poder dentro do fundamental PCdoB, a senhora acaba de suspender repasses a ONGs e a ordenar devassa nesse campo minado. Ainda que os ‘malfeitos’ relativos a essas organizações não-governamentais que semelham tão simbioticamente ligadas a estrutura governamental não datem da administração Orlando Silva – está aí Pedro Novais para não desmenti-lo -, a suspensão, por trinta dias, dos repasses de verbas federais para essas instituições foi decreta neste fim de semana por Vossa Excelência. E há outras disposições mais severas, se as irregularidades continuarem.
    Será importante, por conseguinte, Senhora Presidenta, que o Cerimonial do Planalto venha a ser a expressão de seu governo e dos respectivos propósitos. Ou será que o contraditório deva ser tolerado, dentro da tática de que a faxina persista no imaginário popular, não obstante as incontroláveis contradições, nelas incluídas algumas da assertivas presidenciais ?



No Governo do Senhor Cabral

     Não sei se a vergonha é estadual ou federal no caso do heróico e honesto deputado Marcelo Freixo (PSOL). Por causa de sua íntegra luta, à frente da CPI das milícias, Freixo vem recebendo ameaças de morte: “São 27 até o momento, sendo que sete vieram à tona (no mês de outubro). Todas foram reunidas num dossiê enviado (...) à Secretaria de Segurança, ao Ministério Público, à Polícia Federal e ao Ministério da Justiça.”
    O trabalho sério e corajoso de Freixo contra os bandidos da milícias já ultrapassou de muito as estreitas fronteiras do Estado do Rio de Janeiro. Sua atuação e  sua bravura recordam as da juíza Patrícia Acioli (liquidada por um pelotão em frente de sua casa).
     A verbosa resposta do Secretário de Segurança  José Mariano Beltrame deve ser um prolongamento da burocracia securitária da organização a que preside. Nisso muito se assemelha com o procedimento dos altos escalões do judiciário estadual, que chegaram a retirar a proteção policial da juíza. Embora tentem negá-lo, aí estão os arquivos para infirmar as muitas desculpas dos responsáveis pela proteção a uma juíza que a mídia chamou de linha dura, estranha designação para quem se empenha em fazer cumprir a lei e punir os eventuais culpados. Assacar de linha dura a um magistrado (ou a um deputado) será por acaso uma tíbia, sub rosa, censura ao seu procedimento, que seria qualificado dessa forma de demasiado enérgico ?
    Quanto ao Deputado Marcelo Freixo, um dos pouquíssimos que honram o mandato na sua desassombrada assunção dos respectivos encargos e na serena disposição de enfrentar o crime organizado, a ‘proteção’ que lhe é outorgada pela Secretaria de Segurança o força a um asilo que esperamos temporário no exterior, a convite da Anístia Internacional.
       Tal situação, diante do crescimento do poder das milícias no Estado do Rio de Janeiro, e na repetição das ameaças de morte de parte desses grupos, deveria deflagrar uma resposta firme da Secretaria de Segurança. Nas palavras de Marcelo Freixo “não adianta apenas prender. É preciso tirar o braço econômico e territorial desses grupos”.
       Se é verdade que os principais chefes das milícias foram presos, nas palavras de Freixo, ‘elas continuando ganhando espaço nas zonas Oeste e Norte, onde faturam alto com a venda de proteção, expoloração do ‘gatonet’ (tevê a cabo clandestina), cobrança de ágio na venda de gás e de pedágio ao transporte alternativo’.
      O asilo, mesmo temporário, do deputado Marcelo Freixo, com a família, no exterior, é um brado forte, estridente e incômodo, contra a hipocrisia, o abandono dos honestos funcionários judiciários e representantes do povo (que respeitam o próprio mandato), e o poder onipresente da corrupção ? Até quando se permitirá que as longas desculpas escritas se substituam ao empenho pela verdade e a lei ?



( Fontes:  O Globo e Folha de S. Paulo )

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