quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Eleições... na Rússia e nos EUA

                        
A quase aclamação do Tsar Vladimir

       O anúncio de Vladimir Putin, a 24 de setembro último, de sua ‘candidatura’ à presidência de todas as Rússias não colheu exatamente de surpresa os observadores. No longo processo de confronto de Dmitri Medvedev com o rival Putin, as perspectivas de reeleição do delfim se evaporavam como o tímido orvalho matinal diante do astro-rei.
        O acerto anunciado pela dupla – ambos voltam às posições iniciais – poderá ter sido do agrado da diarquia, mas, pelo visto, esta se esqueceu de auscultar o sentir do povo russo.
        A reação popular foi mais do que de desencanto. Há uma difusa impressão de que a opinião pública está farta com tais procedimentos, em que a cúpula toma as decisões que lhe aprazem, enquanto consideram a massa eleitoral com menosprezo equivalente  àquele que votam  à oficialista bancada do partido situacionista ‘Russia Unida’, cuja única ideologia semelha ser a de ocupar o poder.
       O crescimento da corrupção, as disfunções nos serviços estatais, e a decorrente insatisfação com o Estado ineficiente e claudicante, o arrocho da mídia independente, e a chaga da repressão na Tchetchênia só podem refletir-se nos índices de aprovação dados a Putin. Com efeito, o atual nível de aceitação de 61% é considerado baixo, se o cotejarmos com os totais anteriores da máxima autoridade na Federação Russa.
       Dada a duração do predomínio de Vladimir Putin – direta ou indiretamente – de doze anos, é possível ver a inflexão na curva como fenômento que acompanha alentadas permanências no poder, mesmo em países nos quais a democracia não é apenas formal, como  na Rússia.  Dessarte, no fim de seus reinos, líderes ocidentais como o general Charles de Gaulle (fim dos anos sessenta), Margareth  Thatcher (fim dos oitenta), e Helmut Kohl, na virada do século, também arrostaram situações similares.
 

Os percalços republicanos de Obama ...

      Os pré-candidatos à designação do GOP dividem o seu tempo em uma série de debates intrapartidários e anúncios negativos na mídia contra o adversário comum, o presidente democrata.
      É exercício custoso, em que as acusações contra Barack Obama tem discutível compromisso com a verdade factual. Vejam, v.g., a propaganda de Mitt Romney, um dos competidores do pelotão da frente: ‘A maior crise de emprego desde a Grande Depressão.Recorde na perda das casas hipotecadas. Recorde na dívida pública. Obama prometeu dar um jeito na economia. Ele fracassou.’
       Com as velas infladas pela sentença da Suprema Corte ‘Cidadãos Unidos’ que permite às corporações gastar em propaganda política sem qualquer limite, os irmãos bilionários Koch despejam dólares em anúncios negativos contra Obama.
      A estratégia do GOP é a de tentar gravar no eleitor um perfil bastante desfavorável do Presidente. Esse antecipado negativismo, a quase um ano dos comícios de novembro, pode implicar em duplo desperdício de dinheiro – não só os montantes jogados fora com tão baixo escopo, senão no malogro do fim colimado - , na medida em que tais imagens acerbas e contrárias teriam a força relativa prejudicada, na natural deslembrança do americano comum. O que, diga-se de passagem, sob o aspecto ético não seria de lamentar pelo implícito castigo à mendaz deslealdade.
        Com a liberalidade da Suprema Corte, as estações de tevê devem lucrar com esse fluxo de propaganda eleitoreira, que passaria de US$ 2.1 bilhões (na eleição passada) a três bilhões na vindoura.
        Conquanto se antecipe que o Presidente disporá de montante superior ao do seu contendor  republicano, nesse longo espaço precedente à definição dos dois candidatos a vantagem está com o GOP, mormente através da publicidade negativa aberta para entidades direitistas.
        Nesse aspecto, o caráter a um tempo odioso, e de outro, de esmerado profissionalismo político, assinalam, v.g., os anúncios do GPS Encruzilhadas, que obedece à orientação de Karl Rove (quem inventou George Bush júnior). Assim, tais inserções extremamente críticas do Presidente são pontualmente colocadas na mídia estadual e local pertinente quando das viagens políticas de Obama a estados indecisos (swing states), como Colorado, Flórida, Ohio e Pennsylvania. Desse modo, os diligentes consultores republicanos procuram predispor o eleitor destes estados contra a insidiosa propaganda esquerdista de Barack Obama...


... e a gangorra dos pré-candidatos republicanos.   

        A ronda talvez fosse a imagem mais adequada para descrever as progressões dos pré-candidatos ultraconservadores, na sua perseguição do dourado objetivo de designação pela Convenção Republicana como candidato oficial, para buscar tornar realidade o fim tão ansiado pelo lider da minoria no Senado, Mitch McConnell – fazer que Barack Hussein Obama seja presidente de um só mandato.
       Nesse carrossel, a primazia de tais representantes tem sido efêmera. Na verdade, a partida se resume a encontrar uma saída em termos de candidatura que não seja a de Mitt Romney. O ex-governador do Massachusetts se mantém  com os seus 25% nas pesquisas, as suas previsíveis respostas, e o seu profissionalismo como o pré-candidato mais temível. Não obstante, a respectiva moderação inspira desconfiança nas bases republicanas, que prefeririam como campeão do partido em novembro de 2012 um aguerrido conservador, que reduzisse a presença do Estado na economia, e mantivesse a política libertária dos baixos impostos e altos déficits.
       Desafortunadamente, as opções anti-Romney têm tido desempenho decepcionante. Assim, como cometas no firmamento brilham com grandes esperanças, seguidas de acabrunhantes resultados. Foram os casos da deputada Michele Bachmann (Minnesota), ao empatar com Mitt nas prévias do Iowa, para mais adiante voltar ao pelotão traseiro; Rick Perry, governador do Texas, arrebatando o primeiro posto, para logo enrolar-se em desastrosas intervenções nos debates; e, por fim, Herman Cain, o empresário afro-americano, que virou o preferido nas pesquisas, só para atolar-se em acusações de acosso sexual e exceler em sólida ignorância no campo da política externa (talibãs na Líbia ?).
        A atual ressurreição de Newt Gingrich como pré-candidato prova duas coisas pelo menos: (a) o eleitor republicano busca desesperadamente  um candidato para novembro que preencha uma única e solitária condição: não ser o moderado Mitt Romney; (b) para tanto, o militante do GOP está mais do que propenso a relevar antecedentes vistos como negativos no passado, como disto Newt Gingrich é o melhor exemplo.  Derrotado por Bill Clinton ao tentar a chantagem do bloqueio do orçamento – a mesma, com diversos resultados, empregada pela presente liderança republicana na Casa dos Representantes – Newt Gingrich teria final melancólico como Speaker, de onde foi apeado por questões éticas. Consta também de seu currículo a consultoria fornecida a agência Freddie Mac (cerca de US$ 1.5 milhão). Dado o papel desempenhado por essa agência público-privada no escândalo das hipotecas subprime a tal questionável consultoria é mais um peso no currículo do esperançoso pré-candidato.
        Pelas fraquezas evidenciadas, a suposta posição dianteira de Newt tem sido vista como um contrassenso, uma autêntica bolha que se espera vá estourar em breve – para que os desalentados eleitores do GOP tenham de novo pela frente a detestada candidatura de Mitt Romney.



( Fonte:  International Herald Tribune )

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Notícias do Front (XXVI)

                               
O Affaire DSK – armadilha do partido de Sarkozy ?

    A conceituada revista The New York Review  publica artigo de Edward Epstein relativo à possibilidade de que o affaire célèbre envolvendo o Diretor-Geral do FMI Dominique Strauss-Kahn e a camareira africana, Nafissatou Diallo não haja sido exatamente obra do acaso.
     São conhecidas as consequências do escândalo nova-iorquino – tão bem simbolizado pela prepotência policiesca do notório perp walk[1] a que foi submetido DSK. O promotor Cyrus Vance jogou na prisão sob suspeita de estupro não só o diretor-geral do FMI, mas o principal pré-candidato da oposição à presidência da república francesa, que na época apresentava vantagem nas prévias sobre Nicolas Sarkozy.
      Levaria bastante tempo para que a peça acusatória montada pelo promotor público de New York (que é cargo eletivo) desmoronasse,diante das contradições da alegada vitima, a par de suas ligações com traficantes e diversas contas bancárias que davam margem à suspeita de sonegação.
     Existem várias elementos neste quebra-cabeça que induzem à suspicácia. As câmeras do hotel Sofitel registram dois empregados a comemorarem o que se presume seja a relação inapropriada de DSK com a camareira. Posto que a duração da comemoração seja questionada – três minutos ou oito segundos – ela de fato existiu (os empregados também negam que os festejos digam respeito ao incidente com DSK).
     Por outro lado, há fundadas suspeitas de que o BlackBerry usado por DSK tenha sido grampeado. A esse respeito, amiga de Dominique Strauss Kahn o advertiu de que um e-mail por ele enviado tinha sido lido nos escritórios da UMP (partido de Nicolas Sarkozy) em Paris.
     Nesse contexto, segundo a New York Review “ele tinha razão em suspeitar achar-se sob vigilância eletrônica em New York. Já tinha sido avisado  por um amigo da diplomacia francesa que tentativa seria realizada para embaraçá-lo com um escândalo. Assim, o aviso de que o seu BlackBerry tinha sido grampeado se tornava muito mais alarmante”.
     O comportamento sexual de DSK com os episódios extra-conjugais representava uma clara ameaça para a reputação do mais popular candidato da oposição socialista. A potencialidade de  brecha a ser instrumentalizada por uma das partes com maior interesse ou motivação  na matéria não poderia, por conseguinte, ser minimizada. No entanto, dada a delicadeza da questão, e as eventuais implicâncias, se há motivo para suspeitas, as bases para  possível comprovação tendem a ser assaz rarefeitas e de questionável utilização em juízo.
 

O que fiscaliza a ANP ?  

        A notícia de primeira página de O Globo de ontem – a ANP aplica em fiscalização o que a Petrobrás gasta com café – mostra sobejamente que algo de muito errado existe com as agências reguladoras.
        A tendência dos governos do PT – tanto os de Lula da Silva, quanto o de Dilma Rousseff – de transformar as agências reguladoras em cabides partidários, pode quiçá ajudar em votações no plenário do Congresso,mas  é  mais do que questionável sua valia se se pretende que elas tenham função fiscalizadora.
        Que impressão pode transmitir aos eventuais fiscalizados uma agência que dispendeu no corrente ano R$ 5,03 milhões para fiscalizar as atividades de exploração e produção de petróleo ? Dados os riscos envolvidos na atividade, que são amplamente conhecidos, uma despesa dessa ordem manda mensagem de benévola negligência para os possíveis infratores.
         Em um meio tão difícil quanto o da explotação submarina do petróleo, com o desastroso potencial já amplamente evidenciado, é irresponsável uma política de inspeção faz-de-conta, por induzir as companhias petrolíferas encarregadas a um comportamento menos prudente, visto que livre das peias de exigente fiscalização, que pela própria atuante presença deveriam ser inegável fator de dissuasão de excessos e de comportamentos no limite, como terá ocorrido no acidente com a Chevron.
 

A Votação no Egito 

        Pelo visto, o pleito para o congresso constituinte no Egito registrará grande acorrência de eleitores, o que é, dados os desafios em jogo,  extremamente positivo para a construção democrática naquele país.
        O crédito de confiança do afluxo eleitoral difere bastante das minguadas participações em passadas votações, para a formação de corpos eletivos com poder residual. Muitos são os obstáculos a serem enfrentados por um parlamento que seja realmente representativo e soberano.
         Há o pré-condicionamento, colocado pelo Exército, de que a autoridade civil não tenha vez na determinação dos fundos daquela corporação, habituada desde meados do século passado a decidir, sem qualquer contrapeso de um poder popular.
         Dentre as dúvidas que surgem sobre a composição da assembleia, não será das menores aquela relativa à força numérica do partido islamita, a Fraternidade Muçulmana. Especula-se que  seu silêncio e esquivanças no recente enfrentamento na Praça Tahrir entre manifestantes pró-democracia e o Grande Mudo, não terá repercutido favoravelmente para a Fraternidade Muçulmana, o que poderá causar baixas na sua bancada.
         Um reforço dos partidos liberais e não-religiosos, em detrimento da representação da Fraternidade, seria  bastante positivo, com claras implicações para o reforço das correntes democráticas no Congresso egípcio. Não pode ser,  no entanto, subestimado o paciente trabalho de arregimentação realizado pela Fraternidade, assim como  sua habilidade em entrelaçar o credo religioso com os aportes dirigidos para as faixas de menores recursos, aquelas mais suscetíveis a formarem a base de apoio de o que é o maior partido de massas naqueles país.



(Fontes: CNN, O Globo, International Herald Tribune).



[1] O Perp Walk foi inventado por Rudolph Giuliani. A intenção será exibir o suspeito algemado a caminhar perante as câmeras (daí perp walk – a caminhada do perpetrador ). A norma jurídica de que todos os acusados são presumidos inocentes até prova em contrário não semelha entrar nesta encenação.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A Faxina, apenas um Faz-de-Conta ?

                            
      A constrangedora permanência do Senhor Carlos Lupi na pasta do Trabalho não é apenas um acidente de percurso. Esse imprevisto hiato em uma suposta atitude ética da Presidente Dilma Rousseff coloca incômoda interrogação quanto à realidade da  política de faxina.  
      Pelos dividendos colhidos junto à opinião pública, farta com o deprimente espetáculo proporcionado pelos dois mandatos do Presidente Lula da Silva, em termos de respeito a mínimos critérios de exação, a chamada política ou orientação da faxina se demonstrara bastante rendosa para o atual governo , em especial, para o reforço da popularidade da nova Presidente da República.
       As cinco demissões de Ministros atingidos por escândalos ligados à corrupção - como se verifica pelos casos de Antonio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes), Wagner Rossi (Agricultura), Pedro Novais (Turismo) e Orlando Silva (Esportes) – corresponderam a injeção de ânimo, satisfação e apoio para a novel presidente, que, com discrição mas firmeza, se dissociava do comportamento do governo anterior.
         A consecução da faxina implicava decerto malabarismo político de Dilma, na medida em que se tratava de conciliar duas atitudes inconciliáveis ? Diante da favorável acolhida  pelo povo de que o governo viesse a adotar práticas que presidem o dia-a-dia do homem comum, o recurso a piruetas, envoltas em contorcidas e encabuladas escusas,  serviria apenas para contemporizar com os amuos petistas sobre a faxina, pelo que depunha contra a leniência da administração Lula da Silva, e engalanar o governo de Dilma Rousseff com as fitinhas de inimiga dos malfeitos ?
         O episódio Carlos Lupi viria a expor, de forma impiedosa, a antipolítica que, envergonhada das marolas da atual política corporativista e alienada, pretende tirar as castanhas do fogo sem queimar os dedos. Ou, em outras palavras, parecer uma coisa, que pensa desmentir com um discurso, enquanto tira da cartola o comportado coelho dos ‘malfeitos’, ou seja, daqueles políticos sensíveis ainda a  incômodas realidades  que, por conseguinte,  facilitariam o trabalho da Presidente.
         Das limitações dessa tosca convenção, o senhor Lupi encarregou-se de pôr a nu, pelo seu inusitado – mesmo no paradigma brasiliense – apego ao cargo. O desrespeito à Chefe de Estado, por declarações impróprias, pelas sucessivas contradições, que desvelavam as ‘inexatidões terminológicas’ a que Winston Churchill se vira constrangido a empregar para eludir o emprego do termo mentira, inaceitável nas vetustas regras da mãe de todos os Parlamentos, implicaria ao final em recusa à civilidade e ao dar-se por achado.
        Nesse sentido, talvez o maior expoente de o que resta do partido de Lionel Brizola, o Deputado Miro Teixeira asseverou: ‘o ministro fica porque ele quer ficar, e porque a presidente quer que ele fique.’
        Desta oportuna citação, que vem em epígrafe à coluna de Ricardo Noblat, importa retirar o essencial. Lupi se distingue dos demais ministros que entenderam chegada a hora de conformar-se à civilidade política, e prestar a devida homenagem ao exercício de uma determinada política. Para ele, essa oportunidade não surgirá, por suas intrínsecas características. Faz parte dos tipos refratários à exoneração. Se não são capazes de entender, não creio que se oponham à demissão.
      No entanto, para tal, careceria uma atitude pró-ativa da Presidente, com a consciência republicana de suas prerrogativas constitucionais.
      Pelo visto, no essencial, ela não consegue dissociar-se de seu autor, mentor e igualmente modelo. Pois, estranhamente, ‘a presidente quer que ele fique’.
      Para quê, não se sabe. Mas não se pode duvidar que, no futuro, em alguma frase inserida em parágrafo de algum discurso, ela dará os necessários elementos para que dedicados funcionários construam outra doutrina relativa à geringonça da presente governabilidade.  



( Fonte:  O Globo )

domingo, 27 de novembro de 2011

Colcha de Retalhos XCVII

                                     
A candidatura Mitt Romney

       Como já foi referido neste blog, Mitt Romney, o ex-governador de Massachusetts, é quem mais provávelmente baterá chapa contra o Presidente Barack Obama em 6 de novembro de 2012. Ao contrário do punhado de rivais, como o governador do Texas Rick Perry, o empresário afro-americano Herman Cain, o veterano Newt Gingrich, e a líder do Tea Party Michele Bachmann – todos eles tiveram os seus quinze minutos de notoriedade e chegaram a encabeçar o pelotão – Mitt Romney  logra manter um apoio médio de um quarto do total dos sufrágios. 
       O mais experiente dos concorrentes republicanos, não cometeu erros até agora (ao contrário de seus rivais), dispõe da melhor organização, e já recebeu apoios importantes, como o do governador de New Jersey, Chris Christie. Apesar de falado como possível representante da linha conservadora do GOP, Christie preferiu endossar a candidatura de Romney.
      Talvez característico do presente estado do Partido Republicano será a resistência de suas bases à postulação do ex-governador de Massachusetts. Mitt é mais contestado pelas alas à direita do partido republicano pelo seu suposto trânsito político, o que na opinião dos simpatizantes do Tea Party e dos ultra-conservadores deporia contra ele. Desconfiam de sua alegada moderação, que pode sinalizar futuras traições ao ideário do conservadorismo à outrance,[1] vale dizer que os radicais direitistas duvidam  da firmeza de suas convicções quanto à diminuição do Estado,  redução dos impostos (máxime os da camada afluente), e repulsa da reforma da saúde (que a direita pretende derrubar na Suprema Corte). 
       Mitt, que não mede esforços em agradar tais correntes, já renegou a reforma da saúde instituída no seu estado de Massachusetts e por ele negociada com a maioria democrata da assembleia estadual. No caminho de Damasco, terá sido fulminado pela conscientização do erro em sancionar a tal reforma – que é popular no seu estado – diante da virulenta negação nacional pelo Tea Party do que pejorativamente denominam o Obamacare, i.e., a reforma da saúde aprovada pelo Congresso democrata em 2010.
       A par desses alegados defeitos – se insanáveis, ou não, caberá às primárias determinar – existe um terceiro senão, que seria a de sua religião mórmon. Esta seita, fundada por Joseph Smith no século XIX, preconiza a poligamia, e se estabeleceu inicialmente no estado de Utah, no oeste estadunidense. O preconceito religioso que fora exorcizado pela candidatura do católico Jack Kennedy em 1960, não encontraria similar no mormonismo, dadas as menores dimensões do credo, mas representaria sempre uma certa barreira para o eventual candidato, posto que o relativo efeito se afigure marginal.
        O profissionalismo do candidato Mitt Romney, a sua maior experiência, além do suporte organizacional de uma campanha que tentara os primeiros passos na eleição de 2008 – quando os republicanos escolheram John McCain e, como vice, a incógnita Sarah Palin (que até o presente se tem mantido fora da disputa) – apontam para a probabilidade de que o ex-governador do Massachusetts venha a ser, mesmo que a contragosto da ala radical, o  candidato do Grand Old Party[2].
        No entanto, a estabilidade da candidatura de Mitt Romney não é um produto do acaso.  Mitt tem sabido contornar os arrecifes e as armadilhas da série de debates que vem expondo o grupo de pretendentes à designação partidária. Há erros ou omissões garrafais. Herman Cain, o bem-sucedido empresário negro, levantou o véu de sua considerável ignorância em termos de política externa, ao confundir a Líbia com a atuação dos talibãs (fora dos debates, Cain também coleciona acusações de acosso sexual, que lhe são lançadas por brancas e louras).
       Cain, contudo, não tem o monopólio das gafes. Rick Perry, que tivera um início esfuziante, tem sinalizada uma sólida ignorância nos encontros televisivos. A mais gritante de todas foi o silêncio de quase um minuto, em que não logrou citar as três agências governamentais que se propunha abolir. Por sua vez, a deputada Michele Bachmann, a querida do Tea Party, que fora uma das líderes nas prévias do Iowa, cometeu a calinada histórica de asseverar que os autores da celebrada Declaração de Independência (tão prezada pelas inclinações originalistas de seu Movimento) haviam procurado pôr fim à escravidão.
        Não se vá dizer que o Partido Republicano tem o monopólio das gafes. Malgrado a contribuição involuntária de George W. Bush nesse sentido, esses equívocos são comuns a ambos os dois grandes partidos (se bem que, no caso em tela, exista muito pouco interesse em reivindicar o espírito bipartidista). De qualquer forma, muitos democratas cometeram erros garrafais no passado – alguns dos quais sepultaram as respectivas campanhas – e nesse contexto não é inapropriado recordar que o Senador Barack Obama certa feita assegurou que já visitara 57 estados (a União americana tem cinquenta).
         Nos exercícios das prévias, Mitt Romney havia sido o único pré-candidato republicano que nas consultas aos eleitores  superara, por estreita margem, o único candidato democrata até o momento, que é o presidente em exercício. Se atualmente as inconstantes polls[3] apontam para ligeira vantagem de Obama, Mitt continua a ser havido como o provável representante do GOP.
         É bem verdade que em termos de popularidade Hillary Clinton (cujos índices de aprovação pairam no setenta por cento), se colocada pelas prévias como suposta candidata do Partido Democrata, venceria com folgada vantagem a qualquer rival republicano. Infelizmente, há um grande número de democratas arrependidos – sem falar dos independentes - do próprio erro em acreditar nas promessas de Change[4] de Barack Obama, mas em política, com em outras atividades, é inútil chorar sobre o leite derramado.   


A Exitosa Intervenção das Tropas Africanas na Somália

       A Somália constitui o maior exemplo do chamado estado-fracassado. A falta de um estado viável, decorrente do fracasso do governo de Siad Barre, se traduziu em verdadeira anarquia, que no caso não é conceito teórico defendido por doutrinadores da ausência estatal, como propugnada no século XIX por Pierre Joseph Proudhon, na França, e por Mikhail Bakunin, na Rússia czarista.
       Iniciada por Bush senior, intervenção sob a égide das Nações Unidas, foi continuada por Bill Clinton. Sem embargo, a presença de tropas americanas naquele país seria abortada pelo morte de fuzileiros – em 3 e 4 de outubro de 1993 pereceram  18 soldados americanos, com 78 feridos. A imagem do cadáver do Ranger americano arrastado pelas ruas empoeiradas de Mogadishu chocou a opinião pública americana, que exigiu a pronta saída das tropas, para evitar o incompreensível sacrifício de seus soldados em países como a Somália.
        O presidente Clinton atento ao sentir do povo americano não tardou em atender-lhe a exigência, pondo fim na prática ao “multilateralismo afirmativo”, que presidira à ação de duas administrações – a de Bush senior, e a de Clinton.
        Entende-se, por isso, que o desembarque em 2007 no decrépito aeroporto  de Mogadish dos primeiros pelotões da União Africana tenha sido saudado com ceticismo pelos observadores internacionais.
        Sem embargo o esforço africano, quatro anos depois, transmite uma outra impressão. Com um efetivo de cerca de dez mil soldados, o contingente parece estar ganhando a guerra.
        Há muito ainda por fazer. O surto de pirataria marítima que infesta as costas da Somália e o oceano índico só poderá ser extirpado se as bases terrestres dessa provecta expressão do banditismo internacional – com que já lidaram no Mediterrâneo os romanos e mais tarde os soberanos de França e Espanha – puderem ser efetivamente eliminadas.
       O principal inimigo seria o al-Shabab, que está ligado ao al-Qaida, e que tem alternado atividades de guerrilha com terrorismo citadino, dentro da brutal lógica da intimidação e do desrespeito às convenções estatais. Recente operação do Quênia invadiu a faixa sul da Somália, no intento de perseguir facções do al-Shabab especializadas em sequestros além-fronteira, como o da tetraplégica francesa Marie Dedieu,  que pensava viver em segurança dentro do Quênia. Por falta de medicação, seria uma das vítimas desses celerados,  mal-disfarçados pelo transplantado sectarismo do movimento terrorista da al-Qaida.
 

Interessante notícia em Suplemento da Folha

   
       Não é em geral o lugar para notícias que possam ser consideradas como controversas. Daí a estranheza provocada por matéria intitulada  Poupado’, assinada por Martin Fernandez, e publicada no Suplemento Esporte da Folha de S. Paulo, do dia 23 de novembro de 2011.
        Precedida pelos subtítulos “Corinthians tem mais uma vitória no STJD, que não puniu o time no Brasileiro”. E o artigo assim começa: “ O Corithians não tem do que reclamar do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) que tanto aparece nos momentos decisivos do Campeonato Brasileiro. O tribunal adiou o julgamento do atacante Emerson, que estava marcado para ontem (22 de novembro). Na prática, garantiu a escalação do corintiano no duelo contra o Figueirense, domingo, em Florianópolis.
         “Pode ser o jogo do título, caso o Corinthians (líder com 67 pontos) vença e o Vasco (vice, 65) não consiga ganhar do Fluminense (62).”
         Se a notícia em tela estivesse em um jornal carioca, como O Globo, se poderia insinuar influência regionalista. Mas como interpretar a assertiva pela Folha de S. Paulo, que é sediada na Paulicéia ?  Será que é infundado o temor de que existe favorecimento do Corinthians, se a própria Folha o afirma e de forma nada sutil ?




( Fontes: International Herald Tribune; O Globo; Estados Unidos: Visões Brasileiras, IPRI CAPES 2000; Folha de S. Paulo)



[1] ao extremo (francês).
[2] Grande e velho partido.
[3] consultas prévias (de candidatos).
[4] Mudança

sábado, 26 de novembro de 2011

Angela Merkel, a Chanceler de Ferro ?

                         
        Angela Dorothea Merkel, nascida em 1954, viveu na República Democrática Alemã até a queda do muro, em 1989. Foi a mais jovem Ministra no gabinete de Helmut Kohl, de cuja proteção se valeu no início. Kohl a chamava como ‘mein Mädchen’ (minha garota), o que não impediu que dele se distanciasse quando do escândalo do financiamento secreto, que provocaria a queda do primeiro Chanceler da Alemanha reunificada.
       Merkel representa no Bundestag (parlamento federal) o distrito de Mecklembourg-Vorpommen. Eleita presidente da CDU em substituição a Wolfgang Schäuble (abril de 2000), malgrado a sua popularidade, foi preterida por Edmund Stoiber (CSU), como candidata da frente conservadora. Diante da vitória do social-democrata Gerhard Schöder (SPD), ficaria na oposição até 2005.
       Sem embargo, a desastrosa campanha de Stoiber a conduziria à liderança da oposição, que ocupou até 2005. Apesar das resistências intrapartidárias – além de ser mulher, Angela Merkel provém do norte, da antiga DDR, e é protestante, dentro de grande aliança formada por CDU/CSU em que há  certo predomínio católico (o primeiro Chanceler da CDU, Konrad Adenauer, nos tempos da Alemanha Ocidental, era um político católico, que se distinguira no partido de Centro durante a república de Weimar).
        No pleito de 2005, nem a SPD, nem a CDU lograram maioria. A saída foi mais uma grande coalizão, com Merkel à frente (por ter a CDU/CSU maior número de deputados), por primeira vez uma mulher Chanceler.
       Nos comícios de 2009, a popularidade de Angela Merkel deu a vitória à aliança conservadora CDU/CSU. Com o apoio da FDP (liberal democrata) constituem a atual maioria.
      Na presente crise europeia, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, dentro da aliança franco-alemã que constitui o informal diretório da União Europeia, têm sido os líderes dos diversos acordos tornados necessários pela falência da Grécia e de similares ameaças de outros integrantes do mal-sinado acrônimo dos chamados piigs (portugal, itália, irlanda, grécia e espanha). Apesar das mesuras recíprocas, não subsistem dúvidas quanto às posições respectivas de Alemanha, a maior e mais sólida economia da zona do Euro, e de França (a segunda em importância, a despeito do respectivo alto endividamento). Em consequência, a preeminência de Merkel é decorrência dos relativos pesos nacionais, embora a Chanceler seja hábil o bastante para transmitir a impressão de uma diarquia que, na verdade, é um primado de Berlim, acolitado pelos orgulhosos gauleses de Paris.
       Um parêntese para a dúbia e marginal presença britânica. Excluído das reuniões dos membros da zona do Euro – de que o Reino Unido se dissociara, menos por motivação financeira, do que por idiossincrasia insular – é de intuir-se que, mesmo nas questões que envolvem os 27 membros da U.E. a participação do Primeiro Ministro David Cameron – que formou o gabinete em maio de 2010 – tende a ser  acessória, malgrado  seus esforços em dar  impressão contrária. Não é só uma vã preocupação com o prestígio da Albion no seio da Europa continental, eis que as tentativas de Cameron, por vezes um tanto canhestras, têm sobretudo a ver com a situação de Londres como centro financeiro, que se deseja manter, posto que não mais ostente a passada grandeza.
     Enquanto outros países – como a Grécia, por exemplo – não trepidaram em aderir ao euro, na certeza de adquirirem um passaporte para uma área financeira a que antes não tinham acesso, a Alemanha sabia muito bem que renunciava à duramente conquistada solidez do marco alemão. A entrada da Alemanha na área do euro implicava sobretudo em uma profissão de fé europeia, o que representava, de resto,uma opção coerente feita por Bonn , posteriormente Berlim, no espaço europeu, à luz dos desastrosos conflitos que tinham estigmatizado o Reich alemão.
     A crise financeira europeia – descendente da bancarrota helênica, mas na prática decorrência de um arcabouço de tratados que é singularmente omisso no instrumental para os tempos de crise. Se a atual situação da inchada União Europeia (27 membros) e da zona do Euro (17 membros), submetidos ao deficiente controle do Banco Central Europeu, é consequência de uma passada geração de líderes, cabe à atual leva de dirigentes – de que a Chanceler Angela Merkel é a primus inter pares – a tarefa nada invejável de remendar um mecanismo inadequado, eis que dependente da regra da unanimidade, decerto romanticamente democrática, mas por completo desajustada à  gestão de um grupo tão alentado de economias.
     A Chanceler Angela Merkel – que conta com a válida ajuda de seu Ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble – tem preferido exercer a própria influência no universo europeu sem prevalecer-se de indicações para cargos chaves, como o da presidência do Banco Central Europeu, após a longa – e hoje questionada – direção do francês Jean Claude Trichet. Acedeu, por  conseguinte, à recentíssima indicação do  tecnocrata italiano, Mario Draghi, ao invés de dispor em Frankfurt, como lhe caberia, de um banqueiro alemão.  
     Nesses tempos interessantes – no sentido chinês – afigura-se difícil contentar a todos. Por isso, costumam chover críticas sobre as alegadas falhas da Kanzler Angela Merkel, no que tange à crise financeira e às questões comunitárias. No entanto, por vivermos uma época de transição, se afigura deveras prematuro emitir juízos sobre alegadas tardanças e supostas indecisões da Chanceler.
     Partindo de estruturas já formadas, e com os vícios redibitórios das omissões dos próceres fundadores, a obra futura do diretório europeu, de que a Alemanha é a locomotiva, depende de muitos fatores imponderáveis, para que sejam possíveis gravar no mármore ático juízos com a pretensão da durabilidade.
    Como não é possível ao observador emitir pareceres sobre questões nas quais pende o equívoco parecer da caprichosa deusa Tuxe (Fortuna), creio ser de todo interesse não aventurar-se em comentários intempestivos. Por receber a dúbia mostra de tentar reajustar uma construção feita pela metade, Angela Merkel, ao contrário de apressadas censuras, faz por merecer um parêntese de tolerância, mesmo que tenha chegado um tanto tarde no cenário a que pretende pôr em ordem.



 

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A Revolução Árabe em Marcha

                  
         Para quem a pronunciara nos estertores, a revolução árabe democrática mostra sinais, parafraseando o dito de Mark Twain, que sublinham o exagero de sua morte anunciada.
        No Iemen, há uma enésima promessa do ditador Ali Abdullah Saleh de que deixará o poder. Conquanto esse tipo de aceno haja sido desmoralizado no passado por um sem-número de recuos, desta feita a coisa parece ser diferente.
        Em Ryadh, firmou ele um acordo pelo qual transfere de imediato o mando para o vice-presidente. Na presidência há trinta e três anos, o documento – que terá sido apadrinhado pela Arábia Saudita – lhe garante imunidade em termos processuais. Persistem ainda muitas suspicácias quanto à sua possibilidade de governar por interposta pessoa – tem filhos altamente colocados – e se estabelece prazo de três meses para as eleições.
       Até agora, Saleh negaceara por repetidas vezes a sua saída do poder – esteve inclusivamente longamente afastado, em tratamento na Arábia Saudita por grave atentado que sofrera – mas nunca  houvera assinado o compromisso, o que ocorreu desta vez.
        Dessarte, a oposição aguarda com as necessárias dúvidas a evolução no quadro.
        As multidões de manifestantes vem exigindo – com muitos mortos e feridos -  a saída do déspota, por incontáveis meses. Há razões sobejas para que, satisfeito em aparência o seu pleito, não logre ainda a maioria do povo iemenita desvencilhar-se da dúvida quanto ao real propósito do ardiloso ditador.
       Na Síria, prossegue o que semelha a prolongada agonia do homem doente no tirânico firmamento da nação árabe. Bashar al-Assad se defronta com o ultimatum da Liga árabe, no que tange à visita de observadores internacionais. O seu isolamento se acentua. Desde muito, o Líder Supremo do Irã, Ali Khamenei acenara com a respectiva dissociação do velho aliado. No passado, ambos buscavam nos inimigos comuns (Arábia Saudita, Israel) a tônica para a união.
       Chovem as sanções da União Europeia e dos Estados Unidos, manietando o intercâmbio e enfraquecendo as fontes de renda. Por outro lado, a atmosfera de incipiente guerra civil afeta as rendas tributárias, o que contribui para a ulterior debilidade do já combalido erário alauíta.
       Se se acentuarem as ações dos ‘bandidos estrangeiros’, na verdade soldados desertores do grosso da tropa de Bashar – excluída a divisão de elite do irmão Maher, os demais têm baixo soldo e pouca motivação -, as continuas manifestações e as contraposições armadas em várias cidades, as perspectivas de que o Presidente sírio adentre um cenário kadaffista tornam-se sempre mais prováveis.
       O afastamento da Turquia, com o inequívoco chamado do Primeiro Ministro Recip Erdogan à al-Assad para que renuncie sem mais tardança, se não deseja morrer pela mão de seus opositores, tende a compor uma constelação adversa que tudo indica represente o começo do fim do ditador sírio.
        Se a República Popular da China e a Federação Russa, esses dois bastiões do autoritarismo, que têm vetado resoluções no Conselho de Segurança, propondo sanções economicas contra o regime sírio, se afastarem nos próximos dias desse homem doente da nação árabe, valerá quase como um beijo da morte para o combalido tirano, que se veria abandonado e entregue à sorte reservada aos seus muitos antecessores nesse fim de caminho.    
          O Egito e a simbólica Praça Tahrir surpreendem uma vez mais, com o ressurgimento da revolução.  No caso, os surpreendidos foram sobretudo os militares, que julgaram chegado o momento de desvendar o próprio jogo, como se o levante de março, que derrubara a ditadura de Hosni Mubarak, fosse acontecimento já varrido pelos ventos da história.
          Assim, sob o comando do marechal Mohamed Hussein Tantawi, o exército manteria o primado, com o poder civil em posição subalterna. Continuaria na prática a tutela castrense, com as forças armadas regidas por si próprias, em virtual autarquia.
          Colocado diante da contestação civil, o poder militar tentara esmagar o protesto. Nesse contexto, a divisão na Fraternidade Muçulmana, de que parte substancial preferiu não apoiar as renovadas manifestações da Praça Tahrir, terá contribuído para aumentar as  baixas entre os civis.
           De qualquer forma, mesmo sem a necessária coesão, a resistência democrática persistiu, o que no final implicou em concessões dos militares, inclusive com o encurtamento de sua intervenção no processo.
          No entanto, a seleção do novo primeiro ministro não há de apaziguar os ânimos. A junta escolheu Kamal Ganzouri, de 78 anos, que já foi Premiê  de Mubarak entre 1996 e 1999, e que integra o círculo de poder da ditadura deposta, com as sólitas suspeitas de corrupção.
         Hoje, dia santo para os muçulmanos, a oposição conta reunir grande multidão na praça Tahrir, esperando demonstrar o quão viva está a chama democrática na sociedade civil. Esse gênero de nomeação desvela o descompasso entre os militares e o povo, pois tirar esse coelho da cartola é um gesto pelo menos anticlimático, e talvez mais apareça como uma provocação militar.
         Pelo menos 38 pessoas foram mortas até agora na tentativa de repressão das forças democráticas. Malgrado os pedidos de desculpa da junta, os ânimos estão tensos. Reeditando as tropelias policiais dos primeiros dias de março, quando Mubarak ainda julgava possível sufocar a rebelião vinda da Tunísia, o marechal Tantawi e o exército, mesmo a contragosto, cooperaram para reatiçar as chamas revolucionárias.
         Afinal, para quem já era pronunciada como morta, a revolução democrática egípcia continua a incomodar e a atrapalhar os planos do grande mudo, que deseja apenas cosméticos retoques no quadro institucional , para que tudo fique como sempre esteve.



( Fontes: International Herald Tribune, O Globo, Folha de S. Paulo )   

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Código Florestal - como reagir à pressão ruralista ?

                               
               
         Fantasma sabe para quem aparece. O relator do Código Florestal no Senado, o Senador Jorge Viana (PT/AC) resolveu atender a  demandas do setor ruralista. Cedendo a exigências da Confederação Nacional da Agricultura – de que a porta-voz é a Senadora Kátia Abreu, do Tocantins – o Senador Viana aguou o seu relatório, acatando  duas (em três) das ‘questões vitais’ apontadas pela CNA.
        Mais uma vez as cobranças dos ruralistas contaram com a anuência da área ambiental do governo, dentro da posição de fraqueza que caracteriza o tratamento dado pela administração petista (cf. as repetidas suspensões das multas para os desmatadores regularmente concedidas pelo Presidente Lula da Silva) concernente à matéria.
        A condescendência do relator foi  mais além. Enquanto o texto anterior de Viana autorizava o governo a perdoar as multas apenas para os pequenos produtores (para quem desmatara suas terras em locais passíveis de desmate, mas sem autorização  ou licença do órgão ambiental para fazê-lo), agora a versão revista de Viana liberou geral, incluindo todos os produtores, e portanto também os grandes. É difícil atinar com a desculpa no caso das grandes propriedades, em que a suposta falta de recursos não tem nenhum fundamento.
       Mas não param aí as consequências da pressão ruralista. Conseguiram também a retirada das áreas com inclinação de 25 a 45 graus do status de áreas de preservação permanente (APP). Viana pretendera  restringir a disposição do Código (versão da alfaiataria Rebelo) que não trata esses locais como intocáveis, mas somente veda o corte raso de áreas florestais, ao permitir a presença de atividades. A ofensiva das coortes ruralistas levaram a novo recuo do relator.
      A única batalha que o setor ruralista perdeu – no que tange ao relatório de Viana – foi a pretendida liberação, em certos casos, de o produtor  recuperar faixas mínimas de mata nativa em beira de rio. É evidente que mesmo o statu quo do antigo Código não é mantido – em que o produtor é hoje obrigado a reflorestar cem por cento, e não sómente uma parte – eis que o texto de Viana dispõe que todos terão de recuperar 15m  a 100m de mata, dependendo da largura do rio. Já é uma determinação que favorece o lado ruralista, ao admitir faixas tão tênues de proteção ambiental.
     Ao invés das pressões e das ameaças dos ruralistas e seus representantes – de que a Senadora Kátia Abreu é  exemplo – a parte ambientalista se pauta pelas concessões e pelos recuos, como o evidenciam tanto o Ministério do Meio Ambiente, quanto os seus partidários no Congresso.
    Dado o apoio que a sociedade civil, na sua grande maioria, presta à causa ambientalista, e a falta de condições no Congresso de traduzir tal posição de forma efetiva, cada vez mais se acentua a necessidade de que organizações que já atuaram  em questões de interesse geral assumam o desafio, e cuidem de realizar seja plebiscito, seja referendo, para determinar do verdadeiro sentir do Povo brasileiro. Tal valeria no caso em tela para defender-lhe o interesse e a necessidade de preservar os nossos recursos naturais, de que Suas Excelências os senhores deputados e senadores não semelham em condições de adequadamente refletirem a vontade livremente expressa da comunidade nacional.
     Se tal recurso foi empregado para a Alca, com o êxito conhecido, não surge no cenário brasileiro tema de importância tão urgente e determinante quanto a de uma decisão soberana da sociedade civil sobre o futuro de nossas florestas. A questão é demasiado relevante para que a deixemos ao arbítrio dos senhores legisladores, tanto mais que parecem surdos para a real vontade de nosso Povo.
     Que uma consulta, livre e adequadamente organizada, seja entregue à entidade pública da Sociedade Civil, como v.g. a CNBB, para que  se determine a posição da maioria do Povo brasileiro em  questão vital para esta e as próximas gerações.



( Fonte subsidiária:  O Globo )     

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

As Duas Caras de Erdogan

                                
Conselho para Bashar al-Assad

       O Primeiro Ministro da Turquia, Recip  Tayyip Erdogan, em uma reunião partidária, dirigiu ásperas palavras para o seu vizinho e antigo aliado, Bashar al-Assad.
       O Presidente sírio enfrenta um crescente isolamento internacional. Nesta terça-feira, o Comitê humanitário da Assembleia Geral das Nações Unidas votou resolução, condenando a violência na Siria, e apoiando a iniciativa da Liga Árabe, que suspendeu a Síria e exigiu o término da repressão. A votação contou  com 122 votos a favor, dentre os quais o Brasil, e treze contra (punhado de ditaduras e o grupo chavista-bolivariano), com 41 abstenções (Brics, excluído o Brasil).
       Al-Assad, no fim de semana, voltara a dizer que lutaria até a morte para resistir às forças estrangeiras. Como se sabe, o déspota sirio e a mídia sob seu controle reiteram a estória de que está sob ataque de bandidos armados, estipendiados por países estrangeiros.
       Para tais declarações, em sua alocução, Erdogan foi de brutal franqueza. “Pelo amor de Deus, contra quem você está lutando ?  Lutar contra o seu próprio povo até a morte não é heroismo, é covardia. Se você quer ver alguém que lutou até a morte  contra o seu povo, veja a Alemanha nazista, veja Hitler, ou então Mussolini, ou Nicolau Ceausescu na Romênia.
       Se não pode tirar lições desses últimos, então olhe para o lider líbico que voltou suas armas contra o seu povo, que empregou as mesmas palavras que você está usando, e que foi morto há 32 dias atrás de uma maneira que não era desejada por nenhum de nós.
      Assim, sem derramar mais sangue, renuncie”.
      A Turquia, que tem longa fronteira comum com a Síria, tinha até pouco tempo atrás estreitas relações de cooperação com Damasco. A deterioração da posição de Assad, o seu recurso à indiscriminada repressão, a recusa em negociar com a oposição e o número de vítimas (superior a 3500), a par dos extensos acampamentos de refugiados políticos sírios na área fronteiriça turca contribuíram para precipitar a ruptura do antigo aliado, que considera inclusive a hipótese de desconectar o fornecimento de energia.  
 

Erdogan e a liberdade de imprensa

        Também nesta terça-feira, a mídia pode entrever a outra face de Erdogan. Realizou-se ontem, em Istambul,  a primeira audiência de processo contra treze jornalistas, réus de suposta conspiração para depor o governo turco.
       Detidos há nove meses, entre os acusados há dois proeminentes jornalistas investigativos, Nedim Sener e Ahmet Sik, assim comos editores da TV Oda, um portal na internet de notícias com viés secularista, com linha crítica ao governo de Erdogan.
        Havia grande número de jornalistas, inclusive estrangeiros, além de parentes dos reús. O afluxo foi tal que teve de ser limitado o acesso ao tribunal, por falta de espaço. Dentre os presentes, estava Johann Bihr, chefe da Seção Europeia e da Ásia Central de Repórteres sem Fronteiras : “Esta é a terceira vez neste ano que viemos à Turquia. É muito raro ter de vir a um mesmo país tantas vezes. Desta feita estamos aqui para exprimir a nossa raiva”. Já Pavol Mudry, vice-presidente do Instituto da Imprensa Internacional afirmou: “não é aceitável que jornalistas sejam presos por causa de suas opiniões”. Nesse sentido, Mudry espera transmitir tal mensagem para as autoridades turcas nos encontros agendados para a semana corrente.
       No índice classificatório de liberdade de imprensa, a Turquia do suposto islamita light Recipe Erdogan está no pelotão de baixo, nos último quarenta países. Desde 2008 a Turquia baixou de 102 para 138, e sessenta e três jornalistas estão na cadeia.
      Um dos jornalistas atrás das grades é Ahmet Sik. Antes da sua detenção pelo ‘complô’, ele escrevia obra investigativa sob o título ‘O Exército do Imã’. Trata-se de um grupo religioso dirigido por Fethullah Gulen, pregador e educador, que é visto como opositor do secularismo (introduzido por Mustafá Kemal, o fundador da Turquia moderna). Hoje Gulen vive em auto-exilio no estado da Pensilvania.
      A polícia turca, ao invadir a casa de Sik, em março último, confiscou cópias do typescript. Violando a lei o texto foi divulgado pela internet. Na semana passada, em um ato de desobediência política, o livro foi publicado, assinado por 125 jornalistas e escritores.
      O Governo Erdogan afirma que nenhum dos réus está sendo acusado por causa de seu trabalho jornalístico. A imputação governamental seria pelo alegado estímulo e ajuda prestada de uma quadrilha ultra-secularista intitulada Ergenekon, que visaria a derrubar o governo pró-islamita de Erdogan.
      Por sua vez, Nedim Sener, companheiro de cela de Sik, é também crítico dos crimes cometidos pelos agentes estatais. Nesse contexto, Sener recebeu a comenda Herói da Liberdade Mundial de Imprensa, do Instituto da Imprensa Internacional pelo seu livro investigativo sobre o assassínio do diretor de jornal turco-armênio Hrant Dink e o suposto envolvimento de funcionários da segurança estatal.
      Contudo, a sessão do tribunal não foi longa. Os trabalhos serão retomados em 26 de dezembro, para que uma corte superior julgue sobre a moção que questiona a isenção do juiz presidente, Resul Cakir. Pede-se a sua substituição, eis que, sendo um dos autores de outra ação contra um dos réus, os advogados da defesa consideram que Cakir não seria a pessoa adequada para um juízo equânime dos acusados.      
      Não é por acaso, portanto, que paira sobre Recip Erdogan essa nuvem de suspicácia. Entretanto,  a colocação da Turquia no ranking da liberdade de imprensa, bem como o número absoluto de jornalistas presos representam indícios ainda mais inquietantes, por não mais corresponderem a vãs suposições, porém a decorrências de  postura algo fascistóide.
      Aliás, por falar em característicos fascistóides,  existe na legislação da Turquia do popular Erdogan um outro artigo que tem levantado não poucos questionamentos. É a famosa exigência da turquicidade (turkishness) que se cobra dos escritores, e de que o próprio Orhan Pamuk, o Prêmio Nobel de literatura, foi acusado de desrespeitar. Se os seus apparatchikes têm a inteligência que é própria dessa laboriosa grei, os hierarcas do atual regime terão logo acordado para a gafe, e a acusação, nunca formalizada, dissipou-se no ar. Não seria decerto muito inteligente envolver-se em tal querela com quem trouxera para a Turquia tão prestigioso galardão...
 

( Fonte subsidiária:  CNN )   

Meio Ambiente: vamos deixá-lo de Pernas pro Ar ?

                   
         Se alguém tivesse despertado de sono profundo, ou voltado de  longa ausência, não teria espanto maior diante da atual situação do ambientalismo no Brasil.
        Depois do chamado relatório Aldo Rebelo (PCdoB/SP), costurado espertamente em mais de setenta audiências ditas públicas, que passou ao largo de qualquer consulta a alguém com conhecimento científico na matéria, e  que acabou sendo aprovado pela Câmara, com anístias imorais para desmatadores contumazes, Poder-se-ia pensar que a temporada das desagradáveis surpresas estava encerrada.
       Ledo engano. Mas talvez as esperanças não coubessem, dada a atual situação de o que antes se denominava a Câmara Alta. Entregue ao Vice-Rei do Norte, a mais lídima expressão do imorredouro coronelismo no Brasil, o representante do Amapá – que, na verdade, o é igualmente o campeão da Bolsa Família e da Miséria, i.e. o Maranhão de Roseana Sarney- o ínclito e intemerato José Sarney, presidente do Senado enquanto representante do  grupo de Renan Calheiros, o que mais se poderia esperar do velho Senado Federal, aquele mesmo que foi salvo in extremis pelo Presidente Lula da Silva, quando em meio a uma gravíssima crise, sacudido pelo escândalo dos atos secretos ?
      Se o Brasil pode ser apodado de país-teflon, eis que aqui as farras (como a das passagens) e os escândalos ,cada vez mais estéreis parecem, em termos de punições e de restituições ? No passado, ainda havia cassações, por mais anêmico que fosse o respectivo número. Era a tíbia e minguada homenagem que o vício, apanhado em flagrante, prestava à virtude. Que fosse hipocrisia, era pelo menos o substrato de algum reconhecimento. Hoje, encastelados no estulto corporativismo e na virtual impunidade, suas excelências se lixam para a opinião pública e, como paga, são reeleitos !
      Um parêntese. Novel colunista da Folha se animou outro dia a investir contra a lei da Ficha Limpa, dizendo preferir a melhor informação do eleitor do que a regra da lei complementar nr. 135. Na verdade, a argumentação é tão indigente que para responder basta alinhar os nomes dos eleitos apanhados na rede dessa nova legislação. Essa galeria seria barrada para um singelo concurso público. E não é que a eventual aparente discrepância, o fato de que João e Janete Capiberibe se possam valer da vacatio legis imposta (esperemos temporariamente) pelo Supremo, constitui na verdade a exceção que confirma a validade da regra ?[1]
      Vendo tais exemplos, não causa estranhável assombro a postura da musa inspiradora do ruralismo, a Senadora Kátia Abreu, que era DEM e que ora arribou no PSD do Senhor Kassab, esse estranhíssimo partido, que sem concorrer a nenhuma eleição, surge impoluto com imponentes bancadas ! Terá alguém visto por aí o instituto da Fidelidade Partidária ?
         Tomando ares de quem manda no campinho, a presidente da Confederação Nacional da Agricultura disse ‘estar decepcionada e indignada com o relatório de Viana’. E no mesmo fôlego, aponta três ítens do novo texto que são graves para o setor produtivo: (a) a anulação das multas não é mais automática quando o produtor adere ao Programa de Regularização e só vale para os pequenos agricultores; (b) o fato  de  quetodos terão de recuperar faixas mínimas para manterem suas atividades em Áreas de Preservação Permanente (APP), e (c) a inclusão de restrições para áreas produtivas em encostas com 25º  de inclinação.
            A empáfia e a suposta segurança da Senadora vai ao ponto de pinçar três alíneas do parecer de Senador Jorge Vianna cuja validade é incontestável. Como admitir o perdão das multas incorridas pelos desmatadores, ignorar o papel das APPs, que o texto aprovado na Câmara cinicamente desvirtuava, e declarar no papel a invalidade dos condicionamentos físicos do terreno ?
            A manada de lemingues, que a senhora Senadora encabeça, semelha muito segura de si. Vejam com que confiança correm !  É pena que a sua irracionalidade vá levar o rebanho para o penhasco que  será o ponto final dessas loucas correrias.
           Por ora, ainda ostentamos o recurso natural que nos legaram nossos maiores.  No seu afã de agradar aos apressados ruralistas, a senadora Kátia Abreu acena com várias ameaças.
          Para quê ? para nada. Ou antes, para os desertos da vasta coleção dos países desmatados, como China, Índia, Malásia e um vastíssimo etc. Quando isso ocorrer, ela dirá que foi  um lamentável equívoco.
          Tudo indica que a maioria do povo brasileiro não está de acordo com o ruralismo e as suas consequências. Sabemos da importância da floresta como recurso natural, fonte de biodiversidade e de riqueza, se a respeitarmos e soubermos explotá-la de forma sustentada.
           Sabemos também que outras insanidades – como, por exemplo, a Alca – foram derrotadas e anuladas pela consulta ao povo brasileiro.
          Se os senhores congressistas assentirem na aprovação do aleijume que representa o Código Florestal da alfaiataria do Sr. Rebelo, é mais do que hora que uma grande instituição da sociedade civil assuma o encargo de submeter esse erro ao crivo do Povo, seja através de plebiscito, seja por referendo.
          O Povo – por ser soberano – não é bobo. Ele não aceitará conviver com instrumentos que são receita de desastre ecológico.
 

( Fonte subsidiária: O Globo )      



[1] Por sobejamente conhecido, recordemos que João Capiberibe fora cassado em decisão do STJ por alegada compra de dois solitários votos por R$ 26,00, de  que as testemunhas posteriormente reconheceram a falsidade da declaração.