Ainda há incerteza no
horizonte, mas nos grandes centros urbanos mais atingidos pela crise do novo
coronavírus, tanto no Rio, quanto em
São Paulo, o número de casos por morte nas duas capitais acena
estabilizar-se. Não sendo ainda possível
assinalar uma queda, há fundamento de que essa situação seja um dos primeiros
sinais alvissareiros de que se atingiu o pico da epidemia nessas duas capitais.
Entretanto, o açodamento em
querer transformar tal incerteza quanto à circunstância de que o pico da
epidemia teria sido por fim atingido deve ser evitado. Dadas as características
do contágio dessa epidemia, essa situação ainda não constitui premissa para justificar a abertura da economia nesses
grandes centros.
Assim, o número de óbitos no Rio de Janeiro há dez dias se
estabilizou, oscilando dentro de uma taxa cotidiana de aproximadamente 120
mortes per diem. Já em São Paulo,
a taxa transcorreu em todo o mês de maio
em torno dos cem óbitos. Por sua vez,
em Fortaleza, registrou-se a maior
média semanal há 20 dias, e agora dá indicações de que caia lentamente.
Por sua vez, em Manaus
outro centro bastante fustigado, após brusca escalada no mês passado, o número
de óbitos cotidiano entrou numa tendência relativamente estável, ainda que haja
voltado para um ritmo mais intenso nos últimos dias. Já no município do Rio a mostra mais
evidente da desaceleração está no sistema privado de saúde. Houve queda
sensível de pacientes da Covid-19 em toda a Rede D'Or. Dessarte, o Copa Star - que já teve oito de suas dez alas de UTI destinadas a
pacientes da Covid, reduziu para cinco alas.
E desde o dia 18 três dessas estão fechadas.
Dessarte, a ocupação das UTIs
privadas no Rio de Janeiro caíu, entre 90% a 95%, e para entre 80% e 85% no
município. Esse alívio relativo levou a uma negociação de contratação de leitos
priva-dos SUS. Por sua vez a prefeitura
do Rio de Janeiro, apesar das sólitas filas para atendimento, também registra
diminuição de demanda. Assim, a média
diária de atendimento caíu de 932 para 496 do meio de abril a meados de maio.
Nesse contexto, o sistema Infogripe, da Fiocruz cita estabilidade no número de
casos de síndrome respiratória aguda
grave (Srag), diagnóstico por sintomas que tem sido usado para estimar
a prevalência da epidemia diante da falta de testes disponíveis.
Não obstante tais dados, é
uma outra estória quando especialistas são questionados para "cravar" o pico da epidemia nas
diversas regiões, as respostas são necessariamente mais complexas.
Plateau Seletivo.
Assim, o chefe do laboratório de
pesquisa do Instituto Carlos Chagas, Fernando Bozza, acredita
que o 'plateau' está sendo
efetivamente atingido nas capitais, mas como seria de prever-se especificamente
no segmento da população mais rica.
Segundo Bozza "precisamos
de mais dados sobre as regiões mais pobres, uma vez que temos evidências de que
é onde a doença está prevalente e a subnotificação é maior."
Esse mesmo fator se
revela na diferença geográfica, porque as capitais que tiveram a chegada da Covid 19 mais cedo estão agora em um
nível de transmissão menor. O interior,
no entanto, contribui de forma quase homogênea
para que as médias estaduais de casos diários não baixem.
Isso não significa que na capital tudo esteja
sob controle, pois no sistema público as filas estão longe de zerar. No Estado do Rio, hospitais de
campanha não foram entregues ou operaram
com poucos leitos e falta de materiais e profissionais (decerto consequência de
aparente corrupção na implantação do sistema extraordinário para atender ao
flagelo do coronavirus).
No total,
incluindo outras unidades da rede, a capital dispõe de 944 leitos (221 de CTI)
em operação, quando a previsão era
chegar a 1.364.
Por outro lado, em São Paulo, a aparente
estabilização na aceleração da epidemia tampouco chega a ser de grande
alento. A média semanal de casos diários
subiu um tanto, para 1.800, depois de passar 25 dias oscilando entre 1000 e
1400. É sem dúvida uma curva de inclinação menor que a de muitos outros estados brasileiros,
mas ainda é preocupante para um estado
onde a epidemia atingiu dimensão maior. A taxa de ocupação de leitos nas UTIs na região metropolitana, ainda
assim, caíu de 88% para 83% na última
semana.
Ocupação
de Leitos.
Entre as capitais mais atingidas pela
Covid-19, a única que já é mencionada
por especialistas como relativamente pronta para uma reabertura controlada é Manaus, que passou por um momento de colapso do
sistema de saúde há poucas semanas atrás.
- Abrir o Rio nesta semana, por exemplo, seria precoce - declara Alberto
Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Fortaleza, que passou por
momentos difíceis e também teve colapso no sistema de saúde, ainda tem mais de
80% da capacidade de UTIs em uso.
Chebabo explica que um
parâmetro fundamental para avaliar a reabertura é o número de reprodução básica
(conhecido entre cientistas pela variável
RO ), que indica quantas pessoas cada vítima da Covid-19 está reinfectando.
- O ideal é abrir quando você
tem o RO em torno de 1 e tem menos de 80% dos leitos de terapia intensiva
ocupados. Nenhuma dessas duas premissas
aconteceu aqui no Rio, nem em São Paulo - afirma Chebabo.
Raquel Stucchi, professora
de infectologia na Unicamp , diz que alguns estados tentam
seguir um modelo adotado com cautela em outros países, mas sem cumprir as condições necessárias.
- A Europa está começando a
reabrir agora, mas eles aguardaram uma
estabilidade muito maior do que aquilo que já vivemos no Brasil. As pessoas já me perguntaram se vai ter uma
segunda onda de Covid-19 aqui, mas
nem consigo enxergar que a gente já tenha superado a primeira - assevera a
professora.
Guilherme Travassos, da Coppe-UFRJ faz uma estimativa de pico no Rio, mas sob
uma declaração condicional.
- Acreditamos que o
estado chegará ao pico entre 5 e 10 de
junho, com 55 mil casos no estado e 35 mil na capital.
Devemos ficar uma semana no pico. Para descer, é preciso adotar o lockdown. Sem medidas de
proteção, a curva não desce - avalia
Travassos.
Já o
epidemiologista Paulo Lotufo, da
USP, é menos otimista, e diz que é difícil prever quando se
chegará ao pico, até porque isso depende das ações locais.
"Na situação
que se via no início da pandemia, era uma previsão. Depois, com o boicote do
Bolsonaro e de alguns governadores às medidas de isolamento, é outra
história."
(
Fonte: O Globo )
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