sábado, 12 de abril de 2014

Putin e a Ucrânia (III)

                                                        

             Menos do que um castigo, Vladimir V. Putin se tem servido da vitória dos manifestantes da Praça da Independência e a consequente derrocada de Viktor Yanukovych, que saiu corrido do Palácio Presidencial, em desabalada fuga para o regaço de Mãe-Rússia, como oportunidade para virar o jogo, logrando obter benefícios antes impensáveis enquanto o seu suposto protegido detinha as rédeas do poder em Kiev.

              Bem sabemos – e tal foi oportunamente referido por meu modesto blog – do menosprezo que nutria gospodin Putin por Yanukovych, a quem humilhava ao infligir-lhe longas, intermináveis esperas nos salões do Kremlin. Ele próprio terá dito que o único homem dos políticos ucranianos com quem tratara fora Yulia Timoshenko, na época Primeiro-Ministro.

              Não que esse apreço tenha valido de muito à Timoshenko, a quem Yanukovych não hesitou em consignar a juízo politicamente motivado, com a consequente aplicação de iniqua sentença. E foi decerto por isso que Yulia, tão logo liberada do lazareto de Kharkov, correu à praça Maidan, para em cadeira de rodas discursar da plataforma ao pé do monumento, a fim de agradecer ao povo insurgente que, pela própria determinação, lograra abater o aprendiz de Tirano.  

              A frase do polímata argentino José  Ingenieros[1] de que os medíocres podem ter valor se aplica como uma luva a Viktor Yanukovych. Ao contrariar a maioria do povo ucraniano, enjeitando a via europeia que lhe abria o Acordo com a U.E., cresceu no conceito de Vladimir Putin, a ponto de dignar-se este recebê-lo aos olhos da mídia, como se o então presidente da Ucrânia fora seu igual. Lamentavelmente para Yanukovych, por não fazer a sua parte – i.e., manter-se no poder – ele voltou à condição de sombra. Recordaria, na sua patética condição, aquelas potestades de estados clientes de Roma que acorriam aos pórticos do centro imperial na vã esperança de recobrar o antigo mando.

              Para o oportunista Putin, foi ironicamente benfazejo o vácuo político-institucional que surgiu na capital ucraniana. Sem a representatividade, seja da eleição, seja a de assunção do poder pelo prélio das armas, tanto o presidente interino, o pastor Olexandre Turchinov, quanto o Primeiro Ministro Arseniy Yatseniuk, não dispõem da natural liderança de políticos com a unção da capacidade de forjar alianças e motivar resistências a ameaças externas à ordem constitucional que representam. Se a interinidade descolore o político, ambos, apesar dos respectivos esforços, não lograram a identificação com a causa, que só costuma transfigurar políticos provados pela exposição ao desafio.

              Na política não funciona o virtual – vale dizer o que poderia acontecer se – mas não se resiste a especular do porquê Vitali Klitschko, um dos líderes da revolução da praça Maidan com maior representatividade popular, haja declinado, tanto a candidatura a presidente, quanto maior presença neste interregno.

             As eleições gerais de 25 de maio p.f. ensejam a gospodin Putin um largo hiato ou fosso, em que se lhe deparam, como convidativa imagem, as muralhas do Palácio guarnecidas por rostos e personagens quase ignotos.

             Na data dos comícios, competirão, entre outros, pela presidência, o oligarca bilionário Petro Poroshenko, industrial do chocolate, que defende a via europeia; Mikhail Dobkin, designado candidato pelo Partido das Regiões, aquele de Yanukovych; também outro aliado do deposto presidente, Sergei Tigipko, se apresenta como independente; e, por fim, Yulia Timoshenko, pelo Partido Pátria, marcada pelo sofrimento de dois anos e meio de cárcere, o serviço anterior como Primeiro-Ministro (por duas vezes), valendo-se do carisma e de notável capacidade oratória. A moça da trança camponesa tem, no entanto, pela frente o repto de alcançar a presidência (já postulada e perdida em 2010 para Yanukovych) negociando o próprio rumo entre os formidáveis Silas e Caríbdes, aqui símbolos da inelutável mancha da corrupção política. A despeito do notório sacrifício, que lhe minou a saúde em esquálido lazareto de Kharkov, carecerá de explicar-se para lograr fugir das pechas, que costumam recair sobre os políticos de hoje, que tem de purgar-se dos maus eflúvios de longo convívio em aras do poder.

            Há muitas interrogações no porvir da Ucrânia. Dificilmente hão de repetir-se as condições para o golpe da tomada da Criméia, com uma população em que a influência russa é muito grande – os tártaros com o seu sacrifício têm pela frente um ponderável segmento de ex-combatentes russos – e a facilidade na aprovação do referendo (que é juridicamente ilegal pela própria enganosa redação).

            Copiando do nazismo (a quinta-coluna) e do comunismo (com as infiltrações plurais), os desígnios anexionistas (ou fragmentaristas) do Kremlin não terão vida tão fácil quanto a tiveram até agora. Por outro lado, o tamanho da Ucrânia, se atrai a cobiça de gospodin Putin, pode apresentar surpresas inesperadas, com lutas encarniçadas de parte das forças armadas ucranianas, e os decorrentes efeitos colaterais de tombar um número excessivo de jovens russos, em conflito artificial e provocado todos sabem por quem. Isso poderia implicar em desgaste político para Moscou, que tenderá a não ser do gosto do atual governo moscovita.     

            Atualmente, um terço das exportações da Ucrânia se dirigem para Moscou. Se a opção pela União Aduaneira, aceita de supetão por Yanukovych, é inteligível nesse contexto, a que se soma a dependência energética das exportações de gás russas, o futuro das relações russo-ucranianas terá de negociar o próprio caminho defronte desses pesados dados econômicos.

           Sem querer repetir a imagem americana do cherry-picking [2], se a Ucrânia não precisa ficar atrelada à senda russa, que não brilha com a força e a variedade da europeia (e a Polônia é o exemplo disto), uma composição terá de ser encontrada, em que a presença do estólido gigante russo possa ser pacificamente absorvida com um intercâmbio comercial e intelectual mais intenso com a via europeia de Bruxelas.

            Parece, outrossim, que a Ucrânia é demasiado grande para que solução tipo Finlândia – a chamada finlandização, até hoje um dos princípios cardeais da política de Helsinque – possa ser implementada. A guerra da URSS estalinista contra a Finlândia se ultimada com perda territorial, mostrou um heroico exército finlandês em melhores condições de enfrentar o rigor climático da região, além de expor os defeitos das divisões russas, defeitos esses que Moscou em breve pagaria, na fase da blitzkrieg alemã.  Ainda não está aferido o nível da ajuda prestada pelo inepto gênio militar de Hitler para retardar o avanço das divisões nazistas e o posterior contra-ataque do general Inverno. Dentre essas decisões militarmente desastrosas e debalde contestadas pelo OKW[3]– mas que felizmente colaboraram para a  consecução de um bom fim, i.e., a derrota da Alemanha nazista  – está a campanha pela conquista da Ucrânia, que muito contribuíu para salvar Moscou (ao fazer com que os exércitos alemães chegassem aos arrabaldes de Moscou já no início do inverno russo). A avidez e o despreparo militar do cabo austríaco seriam fatores básicos para a ulterior derrota do Reich e a vitória dos exércitos aliados. Por fortuna, assim, para a Humanidade o nazismo foi derrotado, e forçado a capitular incondicionalmente.         

              Bem fará gospodin Putin se evitar ulteriores aventuras imperialistas na vizinha Ucrânia. É difícil determinar até que ponto a fraqueza da resposta ocidental – de que Barack Obama poderia ser a epítome – na reação ao golpe de força do presidente russo tenderá a ser interpretada como facilitante da ação russa na Criméia, cujo desrespeito do direito internacional nos conduz aos páramos e desertos do brutal direito do mais forte, simbolizado pela apropriação indébita de península, resguardada por todos os lados pelo princípio pacta sunt servanda. Também no tempo de George W. Bush, além dos protestos, pouco foi feito para proteger nações menores e militarmente fracas, mas teoricamente com iguais direitos de representação.

              O imperialismo russo não é fenômeno que assole apenas a Tchetchênia. Como um mal pandêmico, afeta a todo o tecido do império moscovita, numa série de atentados – de que a proverbial incompetência dos serviços especializados naquele país assegura desfechos sangrentos – que não se restringem tão só a nacionais das repúblicas sublevadas. Com efeito, alcançam  também a jornalistas e escritores corajosos, como Anna Politovskaya – que se opunha à guerra na Tchetchênia e à ‘liderança sangrenta’ de Putin. O seu assassínio em sombrio hall de elevador em prédio residencial de Moscou, no dia aniversário de Vladimir Putin, a 7 de outubro de 2006, foi acertado alhures, mas com coniventes silêncios  até hoje permanece impune.

             Ainda há muito chão a ser percorrido pela Rússia e todas as Ucrânias[4]. Pela própria designação geográfica, este país enfrenta inarredável desafio, i.e., a cercania do império. Por isso, a rigor, não é denominação própria, mas tão somente relativa. E será com essa relatividade que a Ucrânia buscará reinventar-se nas várias encruzilhadas que terá pela frente, entre as quais, decerto, simbolizada pelo claro enigma de um gesto impassível, avulta a figura um tanto soturna e enigmática de Vladimir Vladimirovich Putin.

 

 

(Fontes:  The New York Times; Economist )           



[1] José Ingenieros (1877-1925), escritor, ensaísta, filósofo, médico e psiquiatra, nascido na Itália (Palermo).
[2] Coleta de cerejas. Imagem, em geral pejorativa, de quem procura escolher boas soluções em um panorama difícil ou complexo.
[3] O Estado Maior da Wehrmacht.
[4] Como se sabe, a palavra ucrânia designa um distrito próximo, vizinho.

Um comentário:

mensagensnanett disse...

O problema... está no facto dos boys e girls da cidadania de Roma da NATO:
---> NÃO ESTAREM INTERESSADOS NA SEGURANÇA DE AMBAS AS PARTES... nomeadamente, não estarem mesmo nada interessados na segurança dos povos que não estão interessados em vender as suas riquezas a multinacionais.
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Falar em Putin para desviar as atenções; não obrigado!
Sim: OS BOYS E GIRLS DO SISTEMA DEVEM DUAS MENSAGENS DE PAZ:
-> não só ao povo da Russia, como também, a todos os povos que não estão interessados em vender as suas riquezas a multinacionais!
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Mensagem de paz 1:
-> A TAXA TOBIN
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Uma mensagem (para o povo da Russia, e não só):
- "Urge a implementação da Taxa Tobin"!
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A implementação da Taxa Tobin vai permitir o desenvolvimento dos mais variados povos
... nomeadamente...
vai permitir que os mais variados povos possam desenvolver as suas mais variadas empresas, consequência:
- vão ser empresas autóctones a explorar as suas riquezas naturais... e não... multinacionais Ocidentais.
[[[uma mudança de paradigma civilizacional na qual o hipócrita Ocidental não está interessado]]]
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Mensagem de paz 2:
-> O MAIS ELEMENTAR DOS TRATADOS DE PAZ
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Isto é:
---> um tratado de paz que recuse o MAIS VELHO DISCURSO DE ÓDIO DA HISTÓRIA -> o ódio tiques-dos-impérios: o ódio a povos autóctones Identitários.
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[nota: o cidadão de Roma da NATO está ao 'nível' do cidadão de Roma de há 2000 anos atrás: partilham o ódio tiques-dos-impérios -> ódio a povos autóctones que aspiram à Liberdade de ter o seu espaço e prosperar ao seu ritmo]
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O parasita do cidadão de Roma da NATO:
- não gosta de trabalhar para a sustentabilidade (projecta a existência de outros como fornecedores de mão-de-obra servil, de demografia)...
- vai vendendo tudo aquilo que herdou (do nacionalismo) a multinacionais... e... está em conluio com as mais diversas negociatas...
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De facto:
- nas mais variadas regiões do planeta, sempre que não está instalado um «governo amigo»... o hipócrita Ocidental fomenta guerras/revoluções para que... a exploração de riquezas caia nas mãos de multinacionais Ocidentais.
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Mais:
- o hipócrita Ocidental bloqueia a investigação à forma como chegam armas a 'grupos rebeldes', que não possuem fábricas de armamento... e cujas guerras/revoluções são usadas para destituir «governos não-amigos» (não interessados em vender)
Mais:
-> O hipócrita Ocidental está preocupado é em acusar/ silenciar (com a acusação de serem racistas/xenófobos) os Identitários que dizem o óbvio:
- «os países que fazem chegar armas a 'grupos rebeldes' é que têm de pagar a ajuda aos refugiados».
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[em conluio com as negociatas da máfia do armamento, o hipócrita Ocidental tem provocado milhares/milhões de vítimas mortais]
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O CIDADÃO DE ROMA DA NATO ESTEVE MAFIOSAMENTE EM SILÊNCIO perante as afirmações dos 'gurus-das-ameaças':
-> secretário geral da NATO: «a Russia vai ter cada vez mais NATO nas suas fronteiras».
-> outros 'gurus' Ocidentais proclamam: «a globalização vai entrar pela Russia a dentro» (multinacionais a adquirir as riquezas da Russia).
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Pois é:
- a NATO, ao serviço do seu cidadão de Roma, pretende cercar a Russia (um território imenso no planeta, com apenas 140 milhões de habitantes) com países da NATO.
[o Ocidente anda a aguçar o dente às riquezas da Russia]
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RUSSIA LÍDER DO MUNDO LIVRE.
A Russia pode vir a ser a líder do MUNDO LIVRE:
- povos que não estão interessados em vender as suas riquezas a multinacionais!
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P.S.
SEPARATISMO IDENTITÁRIO; sim, óbvio!!!
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A Europa dos vendidos a interesses económicos de índole esclavagista/colonialista...
versus...
a Europa do Ideal de Liberdade que esteve na origem da nacionalidade.
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Sim:
-> NA ORIGEM DA NACIONALIDADE ESTEVE O IDEAL DE LIBERDADE IDENTITÁRIO: "ter o seu espaço, prosperar ao seu ritmo".
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SEPARATISMO 50-50:
-> os globalization-lovers, UE-lovers, etc, que fiquem na sua... desde que respeitem os Direitos dos outros... e vice-versa.
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-» blog http://separatismo--50--50.blogspot.com