O documento, a
que deram seu aval Estados Unidos e Federação Russa, se determina a devolução
de prédios públicos ucranianos às autoridades de Kiev, também se assinala por gritantes
omissões. Nenhuma referência é feita à anexação ilegal da Crimeia, nem se faz
menção à necessidade de a Rússia retirar os quarenta mil militares concentrados
nas fronteiras da Ucrânia. Outro marcante silêncio do papel foi a falta de
qualquer referência a eventuais conversações entre Moscou e Kiev.
Nesse sentido,
nos seus comentários acerca do acordo, o Presidente Barack Obama tratou de
dar parecer reservado, em que é bastante cético quanto aos efeitos do
entendimento. Dessarte, se houver outras
transgressões, estão sendo preparadas listas de pessoas ligadas com o Kremlin, assim como de setores
determinados, que seriam objeto de novas sanções tópicas pelos Estados Unidos.
A sua abrangência, no entanto, está condicionada pela dependência da Europa da
energia (gás) provinda da Rússia. Tal contingente moderação europeia não é dos
menores entraves a imposição de sanções
porventura mais pesadas.
Na sua populista
sessão de respostas a perguntas de cidadãos russos, Vladimir V. Putin não deixou de exprimir posturas que
destoam do viés pacífico de mais este acordo de Genebra. Assim, voltou a
referir reivindicações russas sobre o território leste da Ucrânia, assim como ao
alegado direito de mandar tropas. No que pareceu montagem, foi transmitida
questão televisada do espião Edward
Snowden sobre espionagem, ao que gospodin
Putin respondeu que a Rússia não tinha condições tecnológicas de emular a
atuação dos órgãos de segurança americanos.
Os ‘voluntários’
pró-Russia não se manifestaram concordes com a disposição do acordo genebrino
de que devam ceder os edifícios governamentais de que ultimamente se apossaram
em Donetsk e outras cidades do leste
ucraniano.
Sem embargo, por
primeira vez, na cidade de Mariupol as forças pró-Rússia experimentaram revés
inequívoco. Com o exército de Kiev, e a participação de manifestantes da praça Maidan, três ativistas filo-russos foram mortos, 13
feridos e 63 capturados na sua malograda tentativa de apossar-se de prédio da
administração central.
A dicotomia na
atitude russa, – ‘compreensiva’ vindo
do Ministro Sergei Lavrov, posto que
nunca omita a necessidade de a Ucrânia ‘federalizar’ o seu território, dando
mais autonomia para as regiões do Leste (os objetivos desagregadores vêm
envolvidos em sedas diplomáticas, mas não deixam de valer pelo que efetivamente
são) – e agressiva-imperialista de parte
do conquistador Vladimir V. Putin,
com as reivindicações de territórios na Ucrânia (um distinto eco das exigências
de Benito Mussolini quanto às províncias irredentas – na França e na então
Iugoslávia). No mesmo diapasão, também o
cabo austríaco Adolf Hitler não se
negou a assinar papéis como o da crise dos Sudetos
(que despedaçaria a então Tchecoslováquia) para depois acintosamente
ignorá-los.
Por outro lado, o
belicismo de Putin tem afetado às nervosas finanças russas, que não possuem a
solidez dos propósitos do ex-agente da KGB.
A sofreguidão no que tange à península da Crimeia, com os dispêndios embutidos
pela anexação acarretarão para as finanças da ‘potência regional’ do principado de Moscou vultosos encargos
em termos de adequação dos pagamentos aos habitantes da Crimeia, com vistas a
dar-lhes igualdade de tratamento previdenciário (entre outros) aqueles devidos
à população russa.
Portanto, o
crescimento do império não sairá de graça para Putin. Depois de cessados os
últimos aplausos e o suposto júbilo ao cabo do referendo manipulado (e considerado por muitos
ilegal, a começar pela sua redação capciosa) ver-se-á que a conta será salgada.
Estima-se que a Crimeia venha a precisar de investimentos de 3 a 5
bilhões de dólares por ano para obter benefícios sociais, compensar
déficit orçamentário (nos últimos anos, a península recebera do governo de Kiev
regularmente mais de o que contribuíra, para cobrir benefícios sociais, déficit
orçamentário e despesas com infraestrutura). Tudo isso sem contar a eventual
construção da grande ponte no Estreito
de Kerch ligando a Crimeia à Rússia
metropolitana.
Como se vê, o imperialismo é de início
saudado com flores pela população metropolitana. Mais tarde, passadas as transitórias
ovações e o júbilo patriótico, com os consequentes altos índices de aprovação,
é que os espinhos se farão sentir de forma permanente.
(Fontes: The New York
Times, Folha de S. Paulo, Suplemento Rússia da Folha)
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