Coisas muito estranhas estão
acontecendo na Ucrânia oriental. Os bandos pró-Rússia aparecem em todo lugar
daquela vasta parte do país em que o russo é, na prática, a língua franca.
Mas não é só isso. São aguerridos e, se
porventura expulsos das sedes regionais, voltam revigorados, envergando
macacões e uniformes que, malgrado descaracterizados, apresentam interessantes semelhanças com aqueles
empregados na invasão da península da Crimeia.
A sua
coordenação é igualmente louvável. Esses súbitos patriotas russos vem
concentrando as respectivas operações na área de Donetsk, que é um polo industrial no leste ucraniano. Assim, os
comandos da autodenominada ‘República
Popular de Donetsk’ mostram o seu
sentido geoestratégico e geopolítico, o que, se nos ativermos à hipótese de
movimento espontâneo, semelha realmente digno de profusos elogios.
Agora eles
dominam, além do edifício da sede regional de Donetsk – de que os assim
chamados ativistas pró-Rússia se apoderaram no domingo – meticulosos como se
têm mostrado, igualmente invadiram e se apossaram da sede regional do
Ministério do Interior.
Os
secessionistas igualmente investiram e dominaram – a falta de resistência, com
uma ou outra exceção, constitui a regra de parte dos funcionários ucranianos – três
delegacias em cidades dessa região oriental : Krasni Liman, Druzhkovka
e Slaviansk.
É de
notar-se, outrossim, que são singularizados os órgãos estatais de segurança. As
armas dessas repartições são distribuídas entre os supostos voluntários, ou
mantidas em depósitos, sob o controle dos grupos pró-russos.
Há generosa cobertura da mídia russa, em que se relata
a ação dos ‘voluntários’, e se busca passar a imagem de desagregação do poder
central de Kiev sobre esses distritos.
Quanto à
reação do governo ucraniano, ela se
afigura por ora desencontrada e pouco eficaz. Ainda que observadores - que devem
saber o que dizem - discordem de que exista na população da Ucrânia oriental um
alegado frenesi patriótico e pró-Rússia que explicaria o surgimento dos grupos
de voluntários, o problema é que tais associações de delinquentes patriotas (de
um país que não existe e que nunca deverá existir) não param de formar-se e de
tomar de assalto os símbolos da administração central ucraniana.
Como na
velha anedota do português, se tais bandos – com uniformes descaracterizados e
surpreendente orientação tático-operacional – não param de constituir-se, surge
a necessidade imperiosa de saber quem os arma (e os veste), além de orientá-los
aonde devam extravasar o respectivo ardor pró-Russia.
Diante
desse claro enigma, a atitude de Kiev surpreende pela ineficácia e
descoordenação. Além de limitar-se a reações administrativas que pouco ou nada
significam face aos brutais métodos operacionais que fazem parte da estratégia
imperialista do Kremlin, por outro
lado o governo central toma outras medidas que são acabrunhantes e até patéticas
pela sua indigência tática.
Falando
dessas últimas, de início, a Ucrânia pleiteia das Nações Unidas o envio de
contingentes de forças operacionais de manutenção
da paz. Seria a primeira vez que as operações de paz da ONU teriam mandato
que é de difícil, senão impossível, implementação. Com a desagregação do poder
estatal de Kiev na região oriental, a quem o comandante eventual das forças
supranacionais deveria reprimir ? O caráter inapropriado dessa solicitação revela
a atarantada perplexidade do governo central. Por outro lado, sucedem-se
decisões que refletem a desorganização desse poder. Assim, as agências anunciam
que o presidente interino da Ucrânia, Oleksander Turchinov destituíu o chefe do
Serviço de Segurança da Ucrânia para a região de Donetsk, Valeri Ivanov.
Em parágrafos
acima, já se descreveu a metódica tomada pelos voluntários pro-Rússia – ou
poderíamos chamá-los Voluntários de Putin – de vários centros localizados em
Donetsk.
Por isso, a
impressão que se tem é que o governo de Kiev se descobre impotente para lidar
com essa revolta propositalmente fragmentária. Dá a impressão de um
estado-maior sem tropas, que multiplica instâncias em que se evidencia a
respectiva incapacidade diante da crise, que é sem dúvida artificial, mas se
apresenta com superior organização, nessa portentosa campanha, planejada e
manipulada pelos serviços de Vladimir Putin, com objetivos por ora pontuais,
mas que delineiam a estratégia de poder imperial: pilhar as sedes regionais,
desmoralizar os seus defensores e apossar-se com a possível rapidez de vastas
áreas da antiga Ucrânia oriental.
Que se
assista hoje este tipo de operação, com que estariam confortáveis os poderes
imperialistas do passado, não promete boas notas para o século XXI.
Entrementes, a potência regional[2] da Federação Russa age como se nada fosse,
sob a batuta de um novo Duce, gospodin
Vladimir Putin. E se lograr tudo o que cobiça, estará desmoralizando a
muita gente, além de anunciar enorme e inquietante retrocesso nas relações
internacionais.
( Fontes:
Folha de S. Paulo; The New York
Times )
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