Como todo imperialista, o
presidente Vladimir Putin não convive bem com países soberanos à sua
volta. Entende-se melhor por que o então presidente ucraniano Viktor Yanukovich resolvera, na undécima hora, rejeitar o acordo comercial
longamente negociado com a União Europeia,
e ‘escolher’ ao invés, o beco sem saída de União Aduaneira promovida por
Moscou.
O futuro
divulgará as pressões exercidas pelo Kremlin
para que Yanukovich fosse forçado a dar marcha a ré, saltando para a velha
composição moscovita. Saído do leste pró-Moscou, ele não tinha escolha.
Arriscou contrariar as aspirações da maioria ucraniana, voltada para o Ocidente
e seus acenos de progresso. Por isso, caíu. Se optasse por Bruxelas, também
cairia, em processo similar ao atual.
Gospodin Putin, ex-espião da KGB, representou cruel reviravolta para
a nascente democracia russa, recém-saída do sufocante abraço de mais de setenta
anos de ditadura comunista. Um grupo de amigos de Boris Ieltsin, nas agônicas vascas de inquietante falta de
popularidade, pensaram encontrar no homo
novus, saído de Leningrado, a conveniente tábua de salvação.
Para os alegres
e milionários candidatos a mentor, o logro anunciado. Foi-se a democracia, mal
saída dos cueiros, e ganhou a Rússia mais um autocrata.
O regime russo
atual mostra a camaleônica força das ditaduras. A receita é construir mecanismo
parlamentar e as aparências de sistema de legalidade, com o contraponto da
fraude para inchar as maiorias de apoio, enquanto judiciário dócil e um esquema
corrupto lida com os eventuais desafios de arrivistas democratas, despojados
por graça de Deus da virtude da cautela, e prontos a arrostar as forças e os cães do poder, na luta aziaga pelo sonho
democrático. Sem esquecer o universo das prisões – mudando sempre para
continuar as mesmas, como dos tempos da Casa
dos Mortos de Feodor Dostoievski.
Manter calma a
população é estória complicada, porém. Como assinala George Packer, (Putin)
precisa de atmosfera de reclamos e crise contínua para manter o apoio na
própria casa, e assim desviar as atenções do público da corrupção, estagnação,
e repressão que são a sua real marca como líder.
Por outro lado,
em regimes como o russo atual, o imperialismo é a fuga para frente. Com os arreganhos patrióticos, em
ambiente internacional não suficientemente preparado para visitar com pesadas
sanções a insolente truculência do Kremlin, e vizinho que mal sai de
longa crise e cujo tecido social lhe oferece a preciosa dádiva de populações a
leste que têm língua e ascendência russa, Vladimir Putin pensa – como passados modelos
seus, a exemplo do Duce Benito Mussolini – que dispõe de larga avenida pela frente.
Até um
amálgama ideológico ele já montou, que reúne as peculiaridades de ser geográfico
e de direita, com o escopo precípuo de confrontar o Ocidente, de que o atual
campeão é o paladino Obama. Se este,
com as suas indecisões, por vezes lhe facilita o trabalho, tanto melhor.
Não há dúvida
que até agora tudo – ou quase tudo – foram flores para o jardim de Vladimir Vladimirovich Putin. A tomada
da Criméia – uma triste recaída na política internacional às cínicas anexações
do século XVIII, com a partilha da Polônia, pelos reinos da Rússia, Prússia e
Áustria - teve na ilegalidade referendária
o crisma de sua turbulenta aceitação pela maioria aí residente. Agora, disporão
de todo tempo para julgar da própria sensatez, diante da ineficiência geral dos
serviços, que é férrea distinção do sagrado império de Putin.
O Ocidente,
com o Secretário John Kerry se está
prestando às prestidigitações do Ministro do Exterior russo, Sergei Lavrov. O esquema não é
imaginoso, mas tem longos antecedentes: as promessas se fazem nos largos salões
genebrinos da antiga Liga da Nações, mas a realidade costuma ser
servida de forma bem diversa nos campos e nas glebas dos países expostos à
agressão.
E vejam bem:
se a outra parte ousar tomar ao pé da letra os compromissos assumidos pelo
velho urso de Moscou, até o tarimbado negociador Lavrov pode mostrar os dentes,
dentro do papel desempenhado à risca de fiel mensageiro do Senhor do Kremlin.
(a
continuar)
(Fontes: The New Yorker, The New York Review, O
Globo, Folha de S. Paulo, e O Homem sem Face, de Masha Gessen)
Nenhum comentário:
Postar um comentário