segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O Problema Cartorial não é só de Marina

                                     
         A burocracia dos cartórios continua a dar as cartas no Brasil. E essa repetição, caro leitor, não aparece por acaso. Herdada da península ibérica, reino de escrivães e tabeliães, o legado dos excessos cartoriais – com as suas exigências de esperteza mofina, atrasada e burra – a América Latina se enleia em regras e regrinhas notariais, que são uma espécie de maldição transmitida pelos reinos de Espanha e Portugal.
        Na vanguarda do atraso – de que as ordenações filipinas e a inquisição foram o símbolo e os grilhões – até hoje esse miasma cartorial pesa sobre nós, na sua analógica arrogância. A farra da firma reconhecida e das cópias autenticadas chegou a merecer pastas ministeriais, que a esperteza de amorfa, mas determinada resistência soube transformar em quixotescas tentativas, como se o subemprego do atraso e da enquistada burrice fosse tão inarredável quanto as forças da natureza.
       O espelho de tal retrocesso – a cultura dos cartórios é o inço do progresso. Ostentamos na bandeira parte do lema de filosofia ultrapassada, e a sua permanência nos assegura quão pouco eles são observados.
      Repetir pelos séculos afora uma palavra – ou duas – não passa, em verdade, de folha de parreira que mais desvela do que esconde. Será o país da ordem aquele que sequer respeita um minuto de silêncio? Ou quiçá tenhamos banalizado tais homenagens, a ponto de torná-las sem significado?
      E que progresso traz a firma reconhecida?
      Sem embargo, esta triste cultura dos trópicos continua muito viva, seja nas formais requisições do dédalo cartorial, seja na túrgida linguagem dos juristas. E não se trata de meras remanescências culturais que estariam, lenta mas inexoravelmente, saindo de cena.
      O atraso, tanto na sua empolada vanguarda, quanto na rasteirice da raia-miúda, vai muito bem obrigado! Pois basta deparar-lhe as jóias – como a tão decantada Ação Penal  470, a do mensalão – para que se verifique como a cultura da duplicação e da triplicação está não só bem viva, mas estuante de vigor.
     O artigo de Pompeu de Toledo na Veja é tristemente apropriado : “vá explicar a um estrangeiro que um processo se arrasta por seis anos, enfim chega ao fim, mas o fim não é o fim, só prenuncia um recomeço, e o recomeço sabe-se lá quando terá fim”.
     Essa cultura do recurso, no seu paroxismo de embargos, é mais do que uma caricatura da justiça. Pois as caricaturas costumam fazer rir. Como rir, no entanto, se o recurso vira recursismo, vale dizer, torna-se a deformação que nega a justiça. São criminosos confessos à solta, são assassinos com problemas mentais que se devolve à liberdade como se não fossem matar de novo. O que há de verdade nesta justiça se nem as penas impostas são para valer ?
     Então, como surpreender-se que no país dos partidos políticos, dos verdadeiros – que são poucos -, dos históricos e das legendas de aluguel que nos atenazam na tevê, se uma candidata que cresce nas pesquisas possa ficar sem partido, por causa de  problema de reconhecimento de firmas?
     Se Marina não puder concorrer pela falta dos cartórios, não se vá depois dizer que essa abominável cultura careça do sentido da ironia.  

       

(Fontes: Folha de S.Paulo, VEJA)

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