sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Dilma e a Economia

                                           
        Quis a Deusa Fortuna que o soberano Lula da Silva, não querendo afrontar a Constituição, optou por tirar da algibeira sua sucessora. Escolheu, por sobre os candidatos naturais do Partido dos Trabalhadores, a sua chefa de gabinete, inexperiente em politica,sem  ter,antes, concorrido a qualquer eleição.
         Segundo elementos proporcionados por colunista, em geral bem-informado, várias pessoas de relevo tentaram convencer Nosso Guia  a apontar alguém que estivesse mais preparado para o desafio.
          Lula preferiu desconhecer tais advertências e ater-se à opção por Dilma Rousseff. A interpretação desse gesto pende para motivações pessoais de Lula. Sabia que poderia contar com a candidata se eleita. Seja por falta de autonomia, seja por lealdade, estava o presidente certo de que poderia recandidatar-se em 2014, caso fosse de seu interesse ou do  partido.
          Esta seria a principal censura  ao comportamento de Lula. Ao invés do interesse partidário e mesmo nacional, priorizou a própria escolha, a quem mimoseou com muitos elogios, nem todos corroborados pela experiência posterior. Entrava-se, dessarte, na prática dos ‘postes’, vale dizer as indicações para postos-chave na administração, fundadas não nos atributos do candidato(a), mas na palavra da maior figura do PT.
           Seja dito, en passant, que esse procedimento depõe,sobretudo, contra o eleitorado nacional. Os candidatos devem ser eleitos, não pelo prestígio de quem os indica, mas sim de acordo com o próprio currículo do indicado, portanto, por sua experiência em cargos de responsabilidade e  sua proposta de governo. Eleger alguém inexperiente em política, unicamente ou precipuamente porque sinalizada pelo carismático chefe, é sério indício de subdesenvolvimento do corpo eleitoral.
           Malgrado as traições sofridas pelo candidato José Serra, e a maneira um tanto errática com que conduziu a própria campanha, mesmo assim parece difícil visualizar em país desenvolvido não só econômica mas politicamente, que ele possa ter sido derrotado em segundo turno por alguém que jamais concorrera a cargo político, nem tinha qualquer experiência que se pudesse contrapor à longa carreira do adversário, iniciada na presidência da UNE (quando essa entidade não era chapa-branca), passando pela prefeitura de São Paulo, pelo governo do Estado, e como o mais assinalado ministro da Saúde no Brasil (apesar de não ser médico).
           Na linguagem peculiar do eleitorado nordestino, quem se elegeu foi a ‘Mulher do Lula’ como muitos dos consultados nas pesquisas a ela então se referiam. Esse rudimentar apelativo a associava a candidata ao programa assistencialista “Bolsa Família” que Lula herdara (e incrementara) de FHC, e no seu tosco formato significava o compromisso da manutenção do suporte monetário (como se ele estivesse a perigo, no caso de sufragar-se o nome da oposição).
           Se nos ativermos à hipótese de Ricardo Noblat  de que Lula da Silva fechou com Dilma, não por sua alegada capacidade de gestora, mas pela sua confiabilidade em ceder o posto caso solicitada , as coisas ficam mais fáceis de entender, embora diante do comportamento errático da Presidenta, a inexperiência política se projeta não só no difícil relacionamento com o Congresso (a despeito de lá ter esmagadora maioria no papel), mas também nos seguidos erros políticos, evidenciados pela maneira atabalhoada e confusa de sua reação ao magno evento dos movimentos de rua iniciados em junho último.
            Nesse quadro, a frase de efeito dada a Monica Bérgamo de que Lula não vai voltar porque nunca saíu do poder,  na verdade vai muito além do estreito entendimento a que Dilma pretenderia aludir.
            Reportei-me  –  faz tempo – ao maximato mexicano de Plutarco Elias Calles, em que esse líder manteve como  virtuais peleles (fantoches) a dois presidentes. Só o terceiro (Lázaro Cardenas), após dois anos de mandato,logrou colocar o antigo chefe político em um avião para transportà-lo para fora do país. Não se configurara ainda ,em toda a sua extensão, a dependência política de nossa Presidenta para com seu criador.
            No entanto, se a presença informal de Lula na administração de Dilma se afigura maior do que o previsto, esse esdrúxulo sistema  só tende a funcionar quando prevalece o tal maximato mexicano. Dada a importância da figura presidencial, um esquema híbrido como esse representado pela ascendência de Lula da Silva não poderá funcionar a contento, pela simples razão de que o ex-presidente só pode ser ‘responsabilizado’ pelas questões em que for ouvido e tenha a última palavra.  Se não há maximato pela metade, faltará coerência às decisões do governo Dilma, na medida em que uma orientação coerente não puder ser mantida, pelos motivos acima.
            Não se elege presidenta da república para  chegar a depender do conselho que lhe venha a ser dispensado, ao cabo de uma viagem a São Paulo para conseguir a desejada orientação do seu chefe político. Presidente da República é eleito para ter a última palavra sobre questões do interesse nacional. Como a opinião pública reagirá à sua resolução é outra estória.
             Se o processo de formação da vontade presidencial pode ser longo e até tortuoso, tal não prejudica a eventual conclusão. Dado o sistema presidencialista, a Chefe da Nação disporá do tempo necessário para chegar a conclusões sobre medidas e resoluções. Nesse processo, o (a) presidente pode consultar a quem quiser. O que não pode, em princípio, fazer é subverter o processo, vale dizer, subordinar a quem quer que seja a sua responsabilidade constitucional em chegar a uma decisão. Se o Povo Soberano pode formar outra opinião, que repute mais apropriada ao interesse nacional, isso é outra estória.      
              Infelizmente, muitos desses elementos só vieram a ser conhecidos mais tarde. Contudo, no aspecto econômico, que é vertente de importância equivalente à anterior, se a Presidenta tem denotado maior autonomia, tampouco se pode asseverar que as suas opções tenham sido as melhores.
             Se a responsabilidade de Dilma Rousseff no retorno da inflação semelha bem caracterizada, outras posturas da presidenta na seara econômica carecem de ser aprofundadas.
              Também nessa área, a atuação do governo tem deixado a desejar. Quiçá o principal erro da presidenta tenha sido transformar o ministério da Fazenda em uma coalizão de feudos. Nesse contexto, Arno Augustin, no Tesouro, é um dos favoritos de Dilma, e a ele se deveria a introdução de vários artifícios fiscais que não correspondem a uma gestão ortodoxa e confiável da economia.
              Decerto, os erros na Fazenda decorrem de dois dados principais: Dilma preferiu manter o Ministro Guido Mantega (ou foi induzida por Lula a tanto, o que dá no mesmo).  Como Mantega tem tido uma atuação débil naquele posto, e apesar disso, continua no cargo, a conclusão lógica é que Dilma pretende ser, na prática, a Ministra, e par isso optar por manter um ministro fraco.
              O bom gestor econômico – como o foi no início do mandato de Lula da Silva Antonio Palocci  - se caracteriza pela previsibilidade de sua atuação. Como há uma cartilha para tanto – a ortodoxia econômico-financeira – se tiver firme a resolução, e o apoio do chefe, no caso o Presidente, as suas perspectivas de êxito são muito grandes.
              O problema com a Presidenta se deve à sua tendência para a heterodoxia econômico-financeira. Malgrado não tenha saído do Brasil, Dilma parece ter guardado aquela visceral oposição do PT ao Plano Real. Se a oposição do PT (e de Lula) naquela época se prendia a fatores circunstanciais – o PT não podia acreditar em um plano que livrasse o pais do flagelo da inflação, pelo próprio fato eleitoral que catapultaria FHC à presidência pela óbvia estabilização econômico-financeira.
               Se seguirmos essa linha de raciocínio, fica mais fácil entender a postura nada responsável de Dilma em matéria de combate à inflação. Pelo seu ceticismo quanto à importância da estabilidade dos preços, ela não aquilatou a bomba de retardamento que acionava se a sua política negligenciasse o controle inflacionário. Se o dragão voltou – e por quanto tempo ele ainda ficará entre nós – é uma circunstância não de somenos, e que o Povo sabe a quem atribuir a responsabilidade. De uns tempos para cá, ela permitiu que o Banco Central e o Copom exercam as próprias funções quanto à elevação da taxa Selic.  Resta saber nesse campo se tal política é para valer.
                No entanto, em termos de aprendizado de preceitos macro-econômicos, dona Dilma ainda tem muito dever de casa pela frente para convencer mercado e público de que aprendeu – com grave perda nas pesquisas – a elementar lição que com inflação não se brinca.
                Há muitos aspectos, todavia, na práxis presidencial, que me induzem a deixar essa questão em suspenso.     
                Dentre as características da atuação da gestora econômica Dilma Rousseff,  o traço do voluntarismo é marcante. Ao invés de um enfoque geral, de que certas deduções lógicas (e portanto previsíveis para os operadores econômicos) possam ser tiradas, a presidente semelha favorecer um ataque pontilhista, como no passado a tese de Che Guevara para a luta revolucionária (com a criação de multiplicidade de focos). Em termos de guerrilha, essa estratégia visava a surpreender o inimigo, dada a imprevisibilidade dos citados focos.
                 Já no caso presente, esse voluntarismo também surpreende, mas o resultado é negativo, porque é importante que o operador econômico (seja produtor, seja investidor, seja o mercado em geral) possua uma idéia provável da finalidade da medida presidencial.   
                  As desonerações fiscais, iniciadas por Lula e Mântega, se propunham reativar a economia ameaçada pela dita marolinha (os efeitos da crise econômica mundial provocada pela especulação e os CDOs[1] avalizados pelas hipotecas subprime, a que as agências de avaliação de risco deram o selo irresponsável da garantia AAA). Com a presidenta Dilma, certos setores da economia tiverem os seus produtos de consumo incentivado, com as ditas reduções dos impostos (notadamente, as feitorias montadoras de carros e produtos eletro-domésticos). Um dos efeitos desse voluntarismo é a imprevisibilidade, como Mailson da Nobrega assinalou (o agente produtor não pode saber que setores disporão dessa vantagem. Em resultado, há a paralisia nos investimentos).
                Outro aspecto desse voluntarismo pude ler ontem na manchete de primeira página do Estado de S. Paulo: “ Dilma decide tirar transporte urbano do  cálculo de dívidas  - Gastos de Estados e municípios em projetos não serão contabilizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal”.
                 Com isso, a Chefe de Estado aumenta a anomia relativa. Armada de uma boa intenção, como na fábula Dilma está contribuindo para enfraquecer esta Lei, possibilitando um possível alívio para estados e municípios em um aspecto determinado.  Com essa tática varejista, se criam opções para debilitar o combate à irresponsabilidade fiscal. Como o voluntarismo que favorece determinados produtos com desonerações fiscais, mas não o geral do mercado, o resultado será necessariamente equivalente àquelas exceções e isenções que desfiguravam no passado a atuação da norma que deve ser geral (para ter efeito e credibilidade).
                   Não será, assim, por meio do unilateralismo e do voluntarismo que vamos pôr ordem na economia. O resultado dessa tendência varejista se reflete igualmente  no déficit recorde na nossa balança comercial, que está próximo de US$ 5 bilhões, e é maior em vinte anos de estatísticas.
                    Como somos até hoje exportadores de matérias primas, o Brasil depende muito desta balança para contrabalançar o déficit estrutural nas transações correntes. A que se deve tal  saldo negativo ? 
                     Apesar de termos atingido a suposta autonomia em matéria de produção de petróleo, a Petrobrás – cuja situação financeira tem sido prejudicada pela política de Dilma de manter preço da gasolina que não corresponde ao do mercado (a Petrobrás tem que comprar,por deficiência de refino, a gasolina do exterior a um preço mais caro daquele que é forçada, pelo governo dílmico, a repassar ao consumidor. Por conseguinte, esse malabarismo só aumenta a dívida da nossa maior empresa, além de pesar na balança comercial.  Se a Petrobrás tivesse mais fundos, ela poderia investir mais em refinarias, e assim poderia refinar do petróleo nacional a necessária gasolina, sem que isso pesasse nas nossas contas externas – e internas).
                       Aí vemos aparecer mais uma política anti-econômica de Dilma Rousseff: o congelamento dos preços de certas matérias primas básicas para a economia. Qualquer professor elementar de economia mostrará que essa política de congelamento de preços é ruinosa, a médio e longo prazos.
                      Não se combate inflação dessa maneira. Na verdade, o voluntarismo e o controle de preços são medidas de fôlego curto, que só tendem a agravar a situação macro-econômica.
                       Fora da ortodoxia econômica, pode haver muito fogo de artifício e algum (curto) alívio.  Mas não há salvação a médio prazo, além de induzir uma deterioração ainda maior em termos econômicos e financeiros.
                       Como diria Bill Clinton – e por isso ganhou a eleição – É a economia, estúpido !

 

( Fontes:  O  Globo,Coluna de R. Noblat, Folha de S. Paulo,  O Estado de S. Paulo,  Michael Lewis: The Big Short).      



[1] CDO – iniciais em inglês dos certificados de ‘obrigação de dívida colaterizada’.

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