quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Larry Summers para o Fed ?

                                        
       Mesmo para os não-especialistas em questões financeiras nos Estados Unidos, a menção de que a Administração Obama estaria considerando Lawrence H. Summers para suceder a Ben  Bernamke como próximo Presidente do Federal Reserve Bank induzirá a um momento de dúvida.
       Não há negar que Larry Summers tem respeitável curriculum vitae. Na administração Bill Clinton, ele foi Secretário do Tesouro. Em seguida, tornou-se presidente da Universidade de Harvard, uma das mais prestigiosas dos EUA.  Com o retorno dos democratas ao poder, após o interregno republicano de George W.Bush, foi escolhido como o principal assessor econômico do novel presidente Barack Obama, preterindo nomes como o do respeitadíssimo Paul Volcker, que presidira o Fed no passado. Na cercania do 44º presidente permaneceu apenas no primeiro biênio, que teria a sua conclusão política nas desastrosas eleições intermediárias de 2010 (o chamado shellacking – tunda).
       A presidência do Fed é um dos postos mais importantes no governo americano. Lá o Banco Central – como é a prática nos principais países da economia mundial – é autônomo. O seu presidente comparece aos comitês do Legislativo para prestar contas e informá-lo da situação da economia e das perspectivas, o que é acompanhado de perto pelo mercado financeiro. Pode ser reeleito para mandatos de quatro anos. Ben Bernamke, o atual presidente, estudioso da Grande Depressão (da década de trinta),  é uma personalidade respeitada, inclusive pela sua orientação de manter a taxa de juros próxima de zero, dada a longa recessão da economia americana,e a consequente conveniência de um dólar barato para reativar a economia. Bernamke deixará o Fed com o prestígio que tinha ao assumir-lhe a presidência, ao cabo de dois mandatos. O fato de receber críticas da franja republicana mais exaltada redunda em um elogio contrariu sensu.
       Até pouco tempo, dentre os possíveis candidatos constava o nome de Janet Yellen, atual vice-presidente da junta de governadores do Federal Reserve Bank. Pelos seus títulos, experiência na direção e indubitável merecimento, a senhora Yellen dispõe de sobejos títulos para o cargo, tendo inclusive o apoio de destacados economistas como o Premio Nobel Paul Krugman.
       A oposição à sua indicação – capitaneada na imprensa pelo Wall Street Journal – não podendo brandir como razão bastante a circunstância de pertencer ao gênero feminino, alega que ela carece de gravitas para o exercício do cargo. Ora, como mostra Krugman, diante de sua fé de ofício, essa tentativa de exclusão só se baseia no acidente do gênero : assinalados trabalhos acadêmicos, líder do Conselho de Assessores Econômicos, histórico de um eficaz trabalho conjunto com os colegas na Junta de Governadores (do Fed).
      Por isso, não obstante a folha de serviço e os cargos exercidos por Larry Summers, seria dupla a surpresa no caso de eventual confirmação de sua indicação para a presidência da Federal Reserve.
      De início, durante a sua gestão na Secretaria do Tesouro, o seu papel na derrogação da lei Glass-Steagall – sancionada por FDR durante a Grande Depressão, e que determinara a oportuna separação entre bancos de investimento e bancos comerciais (para pôr termo às falências de bancos, por causa de eventual endividamento de bancos de depósitos de correntistas em atividades financeiras de escopo especulativo).  Por causa da euforia dos mercados – de que o presidente do Fed Alan Greenspan seria o ícone – muitos observadores econômicos reputam que a revogação da Glass-Steagall foi um dos fatores que contribuíu para a grande crise, iniciada pela falência do Lehman-Brothers em setembro de 2008.
       Por outro lado, ainda no contexto de sua colaboração com administrações democratas, como demonstra o livro de Ron Suskind “Homens de Confiança”, a influência de Larry Summers como principal assessor econômico de Obama daria um caráter acadêmico às discussões de política econômica na Casa Branca, a ponto de  o jovem Presidente concordar que suas intervenções fossem niveladas às de Summers em muitos casos, o que muita vez resultaria na postergação e até arquivamento de resoluções e iniciativas, que deveriam ser postas em prática e não re-submetidas a infindáveis debates.
      O primeiro biênio presidencial se saldaria com a aprovação do ACA (a lei da reforma da saúde),  da lei Dodd-Frank – para regular os mercados financeiros, e igualmente do tão denegrido TARP (Troubled Asset Relief Program - Programa de Recuperação de Ativos Problemáticos), e que tantos benefícios trouxe para a revitalização da economia. Não obstante, pairou sobre a Casa Branca um certo autismo em relação ao diálogo com a opinião pública e maior divulgação dos trabalhos da Administração e do Congresso. A eleição intermediária de 2010 foi um desastre, porque instalou o gridlock (paralisia) em Washington. Com a perda da maioria democrata na Casa de Representantes, foram criadas as condições, primeiro para a tentativa (malograda) de transformar Obama em presidente de um só mandato, e segundo (e a fortiori) para tornar impossível qualquer legislação de interesse nacional, que redundasse em maior prestígio para o 44º Presidente americano.
      Não foi possível na eleição geral de 2012 reconquistar o controle da Câmara de Representantes.  Símbolo dessa permanência, consolidada pelo guerrymandering[1] determinado pelas assembleias estaduais sob o domínio do GOP, o Partido Republicano continuou com maioria (posto que mais reduzida) na Câmara, o que tem servido para inviabilizar a aprovação de legislações do interesse da União americana pelo Congresso (como, v.g., o projeto de lei da Imigração, aprovado pelo Senado), a par do recurso sectário das autorizações antes burocráticas para a elevação do teto da Dívida do Tesouro, com o objeto de instrumentalizá-las para a extorsão de regras draconianas de corte de verbas, de preferência das camadas mais necessitadas da população, que não costumam, e por bom motivo, votar em candidatos do GOP.
       Voltemos ao tema de uma possível indicação por Obama de Larry Summers para o Fed. A esse propósito, artigo do New York Times, divulgado pelo Herald Tribune desta segunda feira, relaciona uma série de eventuais problemas que encontraria Summers para obter sua eventual confirmação pelo Senado. Muitos deles dizem respeito à sua atuação em Wall Street, com possíveis conflitos de interesse.
       Nesse contexto, a observação do Senador Jeff Merkley, Democrata do Oregon, semelha bastante indicativa dos óbices que enfrentará Summers: “Começo de uma posição de ser extraordinariamente cético que Larry Summers seja a pessoa apropriada para presidir o Fed. Tenho sérias dúvidas de que Summers, que como um convicto desregulador coordenou políticas que prepararam a grande Recessão, seja a pessoa indicada para uma posição-chave para a regulamentação.”
       Se não cabe aqui referir outros aspectos relacionados com a eventual candidatura Summers para o Fed, por estarem de certo modo implícitos no considerável trânsito de  Summers com Wall Street, cabe, no entanto, mencionar o particular apreço da Administração Barack Obama com personagens estreitamente ligados com aquela rua. Exemplo disso é Timothy Geithner, que foi até há pouco Secretário do Tesouro. Agora, a dar fé na imprensa, Obama estaria inclinado a reapresentar  o seu ex-Assessor chefe para assuntos econômicos para um posto chave nas finanças estadunidenses.

 

(Fontes:  Confidence Men, de Ron Suskind,Harper-Collins, 2011; International Herald Tribune)




[1] Prática de redesenho dos distritos eleitorais, de forma a conceder a um partido  vantagens indevidas no que tange ao corpo eleitoral

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