domingo, 4 de agosto de 2013

Colcha de Retalhos A 28

                                   
Exéquias políticas para Berlusconi?

           É matéria para reflexão que um político como Silvio Berlusconi – o Primeiro Ministro com mais tempo no cargo em todo o período do pós-guerra, mas também o que  enfrentou mais processos (50 pela sua conta) – somente agora haja sofrido um revés, sem volta, na Justiça -sua  condenação a quatro anos de cadeia pela Corte de Cassação, o tribunal supremo na Itália, e portanto sem direito a recurso (Berlusconi estuda, no entanto, a possibilidade de recorrer à União Europeia).
          Essa condenação decerto abala o gabinete de Enrico Letta, do Partido Democrata, que resultara do empenho pessoal do Presidente da República, Giorgio Napolitano, de 87 anos (que aceitou a reconvocação a um segundo setenato, pela crise no Parlamento ).  Dada a situação italiana, após uma eleição que não deu tanto ao P.D., quanto ao Povo da Liberdade, o partido do Cavaliere Berlusconi, a maioria necessária para formar um governo (atendida a presença em Montecittorio (Camara) e Palazzo Madama (Senado) do partido de Beppo Grillo, que se recusa a apoiar qualquer outro partido que não o próprio), a costura do gabinete Letta deu muito trabalho. Com a condenação de Berlusconi, e a ojeriza que tem boa parte do P.D. por ele, será difícil para o jovem E.Letta manter de pé o governo.
          Berlusconi é o exemplo mais ambíguo do selfmade man[1] que a democracia italiana tenha proporcionado aos anais da política europeia. A partir do império televisivo que montou nos anos 70 e 80, em que a tevê era dominada pelas três grandes redes estatais, a sua habilidade e inventiva forjou um esquema com que lograva fraudar o espírito do legislador (que favorecia as emissoras públicas), ao conseguir respeitar-lhe, sabe-se lá por que arsenal de truques, a letra da lei.
          Na sua trajetória como empresário e político – jamais se atendo aos limites de um e outro mundo – e valendo-se da fraqueza de seus adversários (especialmente os da Frente das Esquerdas, Massimo D’Alema e Romano Prodi), o Cavaliere seria o mais longo inquilino de Palazzo Chigi (a sede da Presidência do Conselho), depois do Duce, o ditador Benito Mussolini (que aliás tinha seu gabinete em PalazzoVenezia), e que nos seus vinte e tantos anos de fascismo, esteve perto de derrubar o rei Vitor-Emanuel III, até acabar no aramado de Piazzale Loreto, fuzilado pelos partigiani, junto com a amante Clara Petacci.
             Enquanto figura política e sobretudo sociológica, Silvio Berlusconi é  tema muito convidativo pelos próprios desafios para os estudiosos dos costumes do povo italiano. Como então não condoer-se de seus exegetas presentes e futuros? Tal missão implica adentrar-se no pântano da política itálica com os seus miasmas, e intentar compreender e explicar-lhe a personalidade que une os seus dotes empresariais a uma vocação do imperador Tibério pelas suas festas e orgias mediterrâneas, tenha podido sobreviver por tanto tempo e colher o apoio de tantas multidões dentre a direita republicana e os órfãos do antigo MSI (o partido neofascista).
          Dada a inaudita capacidade do Cavaliere em termos de sobrevivência política que só encontra parâmetros comparativos na do monge Rasputin, na sua longa noite em Petersburgo, sob o assédio dos conjurados  do príncipe Jussupov, não me atreveria em pronunciar-lhe desde já a partida da política (com p maiúsculo ou minúsculo) a caminho desse inferno particular da prisão domiciliar ou de outra cruel sinecura, forçado a conviver com a amarga taça da desimportância.
 

‘Democracia’ Venezuelana

             Nicolás Maduro, o caminhoneiro que sucedeu a Hugo Chávez, não pretende decerto mudar as características do regime venezuelano que, sob o diáfano véu de uma pretensa democracia, promove o acosso da  imprensa que não entra na ordem unida.
              O Ministério Público da Venezuela – que é chapa branca e não tem autonomia – confirmou ontem a prisão de Leocenis Garcia, do grupo editorial “6º Poder” que, não por acaso, faz oposição ao governo chavista.
              Em nota, o M.P. afirma que García foi preso por não explicar “altos montantes do dinheiro que maneja em suas contas, os quais não declarou” ao fisco.  Também ontem, o presidente do jornal “El Nacional”, Miguel Otero, confirmou que teve contas pessoais bloqueadas pela justiça.
             Não por coincidência, esses dois órgãos da mídia fazem oposição a Maduro.
             A SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) divulgou nota em que manifesta preocupação com as medidas contra Otero e o grupo ‘6to Poder’, e cobra transparência da Administração Maduro.
             Outra medida repressiva – que se insere na crise econômica e na ‘criminalização da dissidência’ – foi a suspensão da imunidade parlamentar do deputado da oposição, Richard Mardo, pela Assembléia Nacional (por força dos votos da maioria simples dos chavistas). O líder da oposição, e ex-candidato à Presidência, Henrique Capriles, convocou para este fim de semana marcha em apoio a Mardo.

 
Aprovação de nomeações a conta-gotas  

            A minoria republicana no Senado continua com o seu acosso às nomeações de Obama para o seu gabinete e para a Justiça. Favorecida pelas hesitações do líder da maioria democrata, Harry Reid (Dem/Nev) em não modificar o regimento, que exige sessenta votos para quebrar as intermináveis filibusters, o que o GOP está logrando é, sem outro motivo do que serem liberais os indicados, o preenchimento dos cargos pela nova Administração.
           Assim, até hoje não foi confirmado o diretor da nova Agência para defesa do consumidor (o que é, pelo visto, anátema para o Partido Republicano). Por outro lado, a aprovação pelo Senado de Gina McCarthy como Administradora da EPA (Agência de Proteção Ambiental) a 18 de julho (59 a favor, 40 contra) exigiu uma luta de 136 dias (uma das mais longas na lista de designações para posições de importância do 44º presidente). A senhora McCarthy teve de responder a mais de mil perguntas dos republicanos ! A sua inteireza terá impressionado a bancada do GOP, eis que seis republicanos votaram pela confirmação. Dentre os democratas, o Senador Joe Manchin III, da Virgínia Ocidental (um estado líder na mineração de carvão) votou contra a  sua nomeação, o que justificou dizendo que a EPA está fazendo ‘uma guerra contra o carvão’. 
       A Administração Obama, preocupada em seu atraso nas medidas contra o aquecimento global, está decidida a estabelecer controles para as emissões de carvão por geradoras de energia.  O ‘efeito estufa’ é causado no país em quarenta por cento por causa de tais emissões.
        A primeira dessa nova série pró-ambientalista, no segundo mandato do Presidente se refere a novas usinas movidas por combustível fóssil, a qual entrará em vigor a 20 de setembro p.f. O seguinte compromisso, válido para junho de 2014, é bem mais complexo, pois se refere a usinas já existentes. A maneira de implementar essa transformação será ou pela mudança da geração por carvão para um gás natural mais limpo, ou pelo desenvolvimento de sistema de capturar e armazenar as emissões de dióxido de gás carbônico, com economia de gastos (cost-effective).
       Por outro lado, estão pendentes as confirmações dos juízes de segundo grau do Tribunal de Washington, confirmações presas porque a bancada republicana só gosta de magistrados conservadores...  Se as indecisões do líder Harry Reid persistirem, o GOP – que se opõe às nomeações, apenas por motivação sectária – agradecerá à falta de pulso do Senador pelo estado de Nevada.

 
Snowden recebe asilo temporário

 
        Edward J.Snowden, por cuja extradição a Administração Obama se empenhou deveras, recebeu asilo temporário (por um ano) do governo de Vladimir Putin. É mais um desacordo entre Washington e Moscou.
       Pela decisão, que dá trânsito livre a Snowden na Federação Russa – e o tempo necessário para negociar o asilo permanente, dentre os países oferentes (Venezuela, Equador e Nicarágua) – ele deixou a área de trânsito do aeroporto de Sheremetyevo e rumou para destino ignorado.
     Diante da próxima reunião do G-8, a recusa pelo Kremlin de assentir ao pedido de extradição de Washington não é de molde a tornar mais risonhas as perspectivas nas relações entre os dois países, assinaladas nos últimos meses por diversas questões (escudo anti-balístico europeu, dissidente russo morto na prisão por falta de cuidados médicos e homenageado por lei do Congresso americano, que proíbe vistos para infratores russos de direitos humanos; retaliação da Duma, com proibição de adoções por americanos de órfãos russos, etc.)
        Estava prevista, antes da procela Snowden, visita do Presidente estadunidense a Moscou. Até o momento, está pendente a decisão de Barack Obama, confirmando ou não o encontro com Putin.

 

(Fontes:  International Herald Tribune, O Globo, Folha de S. Paulo )



[1] Homem feito por si mesmo.

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