quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O Presente Grego de Lula

                                    
         Estamos já no terceiro ano do mandato da candidata tirada da algibeira de Lula, e já passou a hora de chorar sobre o leite derramado.
         Nada que se decide a portas fechadas ficará oculto por muito tempo, qualquer que seja o acerto ou o erro cometido. Colocado diante da pedra do terceiro mandato constitucional, o presidente adotou resposta que não lhe pesará na fé de ofício. Respeitou a Constituição e bem o fez.
         Sem embargo, como o vezo dos partidos é de aferrar-se ao poder, imaginou consegui-lo por interposta pessoa.
         Se se pode discordar de suas posições, o Partido dos Trabalhadores tinha então lista de possíveis candidatos, homens experientes, tarimbados na política, alguns até merecedores da grande oportunidade que a tão poucos é concedida pela deusa Fortuna.
         Segundo a hipótese desenvolvida e apurada por jornalista de nomeada, muitas pessoas de sua confiança intentaram dissuadir-lhe do nome a que chegara. Pensariam acaso que o P.T. dispunha de reservas com mais condições de enfrentar o desafio.
         Luiz Inacio Lula da Silva sabia, no entanto, o que queria. Desde a queda de José Dirceu, o tinham encantado os dotes de gestora e de chefe de seu gabinete ministerial da pupila, que trouxera do Ministério de Minas e Energia. No estreito convívio do Palácio do Planalto, ninguém poderia melhor julgar das características da nova Chefa da Casa Civil.
          Como se sabe, Lula da Silva que é formado pelas ruas, praças, antecâmeras e auditórios da política, carece um tanto de estudo e formação doutrinal. Por isso, o companheiro Dirceu, ao despedir-se do Planalto, sob os maus agouros de próxima cassação, não hesitou em encher a boca para falar de “meu governo”, como se tivesse sido um primeiro ministro de fato, senão de direito.  
          Quem tomou do telefone, ou foi procurar “Nosso Guia” para buscar dissuadi-lo da indicação de Dilma Rousseff como sua sucessora, não semelha difícil conjeturar o que terá dito. Após os elogios que cabem e acolchoam a lâmina que a cortaria da chapa, o que disseram será o óbvio: que não tinha a experiência da política colhida na disputa, eleição e exercício dos diversos cargos executivos e autônomos. Alguns mais, quem sabe, terão questionado equalizar chefe de gabinete com chefe do governo e da nação.
          Não subestimemos o apedeuta Lula. Cultura não se colhe só em livros e cartapácios. Esta aí a aludida universidade das ruas, de que nos diz Máximo Gorki. E o torneiro mecânico, com o próprio carisma, ascendeu todos os seus degraus, assustando a militares e a seus lacaios, e impressionando a letrados e doutores e toda a fauna civil, a ponto de traçar a respectiva trilha, saída das praças de trabalhadores, para as salas dos partidos.
          Não se vá, portanto, incidir no erro de quem julgou trazer algo de novo nas  palavras a tentar dissuadi-lo do gravoso erro na indicação. Nesse ponto, cresce a dúvida de muitos. Lula sabia, mas ao indicar aquele primeiro poste prezava mais a vantagem do controle sobre a candidata, que mais provavelmente estaria pronta a ceder-lhe o posto mais adiante.
         São suposições, é verdade, mas elas têm a carga da verossimilhança, a par do comportamente da titular, que as corrobora nas horas de aperto e crise, com a sua busca, por vezes explícita, de conselhos e determinações do padrinho tutelar.
        Adiantados que estamos nessa transposição cabocla do maximato mexicano para Pindorama, pesa-me admitir que a Presidenta Dilma Rousseff, tão temida pelos seus pequenos ministros, avança à sua maneira por um verdadeiro caminho de rato para o quarto e final ano de seu mandato.
        O pior não é a administração desastrada que, com suas proverbiais boas intenções, vai semeando e plantando erros, que deixam um legado maldito para o seu infeliz sucessor.
         O seu desconhecimento da política não é mais da classe do pitoresco de quem diz para uma militante perplexa, ao sair das Alagoas: ‘então vamos para o Brasil?’. Se a vitória da “mulher do Lula” foi possível no Nordeste e alhures, e se ela se deve a um conjunto de fatores que resumiremos na competência do padrinho e na incompetência da oposição de José Serra (que até cristianizado[1] foi) em mostrar ao eleitorado o abismo entre o respectivo tirocínio e a experiência de sua concorrente.
         Que uma mulher atualmente sem partido, e que luta para montar o seu, e que como programa representa o sopro alentador da esperança, ainda que não fundado em realizações sólidas, além de não dispor de quadros, nem de propostas concretas, que esta mulher cresça nas pequisas – e não por inércia, na confusa crítica de colunista – tal fenômeno retrata o vazio do quadro que nos projeta a candidatura à reeleição de Dilma Rousseff.
         Dizem que os grandes políticos têm o dedo mágico – e nós, para nosso desconforto temos de relembrar-nos dos tempos heroicos dos cinquenta anos em cinco de JK, malgrado os sons dissonantes de Carlos Lacerda e da banda dos golpistas da UDN ... 
         Já a aprendiz de feiticeira irresponsavelmente desarrolhou a garrafa da inflação, e eis-nos de novo a lidar com o gênio mau que a geração do Plano Real, sob a oposição do PT, incansável no erro, aprofundava com a sua alienação, o próprio fosso com a opinião pública.
         Lula teve o bom senso de respeitar o Plano Real, que o PT enxovalhara. E no primeiro mandato, graças a Antônio Palocci, continuamos navegando nas finanças em mar de almirante. Com a vinda de Guido Mantega, por causa do escândalo do caseiro, a fazenda foi ficando um tanto órfã. As capitalizações foram aparecendo – essa forma burra de captar recursos através do BNDES e do truque de aumentar a dívida bruta.
         Nada disso, no entanto – nem a inflação dita sazonal pelo referido Mantega – nos prepararia para o que vinha por aí. Já escrevi muito sobre as linhas tortas de D. Dilma, suas bombásticas e retóricas promessas de não permitir que volte a inflação. Ao ouvir tais palavras, eu me recordava de frases similares de ministros do tempo da hiper-inflação, dos salvadores planos heterodoxos, e das visitas regulares dos fiscais do F.M.I.,  a que os ministros da fazendo não se negavam a assinar compromissos que não cumpririam.
            Embaídos por um confuso desenvolvimentismo, adentramos no atoleiro da carestia. A capacidade de Dilma Rousseff para lidar com a inflação me pareceu bem-emoldurada em um almoço no planalto, em que a presidenta convidou para aconselhá-la, no combate ao dragão, e Luiz Gonzaga Belluzzo, a par do favorito Arno Augustin, secretário  do Tesouro. Com toda a devida vênia, que títulos tinham esses senhores para orientar Dilma, eles – que ao contrário dos técnicos que idearam o Plano Real – nada tinham feito para vencer a carestia ?
           Estamos em meio a um cipoal de subsídios de todo gênero, nesse combate pontilhista e varejista contra a inflação. A colunista Miriam Leitão nos relata essa triste estória de boas intenções que dão maus resultados. Vejam as contas da Petrobrás, forçada a comprar cada vez mais gasolina a um preço superior daquele que vende para o consumidor. Vejam a autossuficiência energética gloriosamente alcançada pelo Brasil desmentida nos déficits crescentes da balança comercial, pelas importações de combustível de que não dispomos de parque suficiente para refinar .
           Tudo o governo de D. Dilma pensa resolver pelo subsídio. Não se dará conta que qual macaco em loja de louças, tudo começa a ser subvertido e quebrado, pela tendência de maquiar os preços, sem respeitar as forças do mercado. Incentiva-se a perder de vista – para favorecer as feitorias produtoras de veículos (logramos acabar com o Aero-Willys e toda a industrial automotiva nacional). Assim, mais carros entopem as ruas – carros esses que não respeitam os padrões desenvolvidos de controle das descargas de gás carbônico – e que por sua vez aumentam o dispêndio de combustível...
            Em seu discurso de posse, Dilma refugou oportunidade única, diante do desafio de propor reformas fiscal e política. Preferiu a senda tortuosa do amadorismo fiscal, com a sua carga de tributos, a mais alta do mundo subdesenvolvido.  Como propostas de mudança, a conformidade à terra do impostômetro, e a sua contrapartida, o ralo imenso da corrupção e da ineficiência. Mais empreguismo, mais carga inútil para os recursos de um estado patrimonial que arrecada demasiado, mas não converte os suados reais subtraídos, a cada transação,  em saúde, educação e segurança.
            Na terra dos elefantes brancos dos estádios padrão-Fifa, o que sobra para o cidadão, cercado de administrações corruptas ?
             Pois, agora, como cereja em cima desse bolo maldito, temos a solução: não é que os senhores congressistas, homens dedicados à causa pública, lá em Brasília, lograram afinal ter gordas dotações em caráter impositivo, vale dizer, discricionário, que será decidido a cada vez pelos próprios interessados .
             E quanto à finalidade desses recursos, que pesarão e muito no orçamento da União, e que tornarão mais escassas as dotações para os investimentos que não são feitos, para as estradas que não são construídas, e um vastíssimo etcetera ?  Será prerrogativa dos senhores congressistas com vistas a pavimentar a estrada das próprias ambições.
           E se, ao final, o cidadão comum se perguntar por que surgiu nas noites do Planalto Central tal despautério ?
           Proponho uma resposta: pela incompetência política da Presidenta, indicada por Lula, para ter uma relação construtiva e civil com os senhores parlamentares. Tenha-se presente que o deputado Henrique Alves, Presidente da Câmara dos Deputados não inventou isso do nada, mas sim de um mau relacionamento, de permanente  arrogância  – imitada pelas diligentes subordinadas – que logrou nos trazer esse monstro.
           Agora não serão os gastos correntes, com os trinta e nove ministérios, o empreguismo desvairado, os trens bala da vida, e tantos outros projetos inúteis – azeitados por muitos e muitos subsídios, que semelham ser bons eleitoralmente, mas que tudo distorcem, e que deixam um legado maldito, que nos prejudica a todos, e  põe  pés de chumbo no grande país do futuro.

 

(Fontes :  O Globo, Folha de S. Paulo ; Colunas de R. Noblat  e Miriam Leitão)   



[1] A cristianização foi a orientação, em 1950, dos chefes do PSD aos correligionários de votarem em Getúlio Vargas e não no seu candidato, Cristiano Machado.  A prática, então, começou em Minas, mas espalhou-se pelos brasis.

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