quarta-feira, 7 de agosto de 2013

No Leste, nada de novo ?

                                       
Eleição em Moscou

 
       O atual prefeito, Sergei S. Sobyanin, é um apparatchik do sistema Putin.  Seu último posto, antes da designação para a prefeitura moscovita, foi como chefe da administração de Vladimir Putin. Depois de abolir as eleições nas principais cidades russas para o executivo municipal, por causa das contestações na sua recente reeleição, Moscou voltou a ser incluída pelo Presidente entre os centros que terão prefeitos eleitos pelo povo.
       Salta aos olhos a importância do posto, dada a sua localização. Logo após a condenação – no  processo na interiorana Kirov, manipulado pelo Kremlin – de  Alexei A. Navalvny, o que não foi surpreendente, não por causa da acusação, claramente forjada, mas pela circunstância de que o domínio de Putin sobre a magistratura é tal, que os vereditos dos juízes se pautam em geral pelas pretensões da promotoria.
       No juízo de Kirov, o espanto foi duplo: ao invés dos seis anos (o máximo legal previsto), o juiz sentenciou Navalny por cinco; e, um dia depois,  relaxou a prisão do opositor, enquanto o respectivo recurso foi  julgado por instância superior.
       Se confirmada a condenação, além do cárcere por cinco anos, Alexei Navalny não poderá candidatar-se ao pleito para a prefeitura de Moscou.
       Todas essas variantes têm provocado  perplexidade no eleitorado da capital, diante da candidatura de Navalny. Já conhecido, ele se apresenta com o nome e a idade (37 anos), a oposição a Putin e o combate contra a corrupção. Fala também de seu apartamento em Moscou, onde vive há 17 anos – o que o diferencia de Sobyanin, a criatura de Putin, com base na Sibéria, de que veio a mando do poder atual.
        Dada a coragem e magnetismo pessoal – o seu slogan é ‘Mude a Rússia, começando por Moscou’ – o que torna pouco críveis as acusações de malfeitos pelos adversários, Alexei Navalny, na sua empresa contra o sistema Putin, enfrenta enormes desafios, a começar pela fraude na apuração generalizada, e as incógnitas com que joga o Kremlin, a começar pela data (ainda não divulgada) da decisão do recurso, que o mandaria de volta para a masmorra de Kirov, para cumprir os cinco anos de prisão. Alguém acaso espera que a própria demanda de anulação do juízo seja acolhida ? A par disso, será que Putin vai esperar até oito de setembro (data do pleito para a prefeitura), e correr o risco de que Navalny obtenha maciço apoio dos eleitores ?   
          É por causa deste evidente desequilíbrio – entre a ousada carga de Navalny contra a fortaleza do sucessor dos tzares – que o intento do principal opositor do regime é taxado de quixotesco por boa parte da opinião pública. Dará Putin a ele a oportunidade de virar o jogo, e de crescer no apoio do povo moscovita contra o apparatchik Sobyanin?
          Custa crer, mas a história das batalhas pela liberdade não é feita pelos que têm fraco o ânimo, no respeito timorato dos que estão por trás das arrogantes muralhas do poder.

 

O processo de Erdogan contra os militares kemalistas

 
            A própria circunstância de sua realização diz muito sobre a atual situação política na Turquia. Ao cabo de longa permanência no poder, o Primeiro Ministro Recip T. Erdogan se sentiu com força suficiente para afrontar o estamento militar e os respectivos aliados civis.
            O seu partido islâmico dito moderado instalou o processo, motivado por  alegada tentativa de golpe de estado. E não investiu contra os usuais suspeitos, nem contra militares de baixa hierarquia. O principal réu, o general Ilker Basbug, chefe do Estado Maior, foi condenado à prisão perpétua. Muitos outros oficiais militares foram sentenciado a longas penas de prisão, assim como três membros do Parlamento.  Esse processo – que pelo anterior respeito prestado ao estamento castrense de guardiães do regime legado pelo pai da pátria, o general Mustafá Kemal, o Ata-turk – impressionou pela ousadia na virtual reversão da ordem precedente, com a enfática asserção do islamismo contra o secularismo do fundador da república.
           Este mega-processo, que se estendeu por longo tempo, incluíu também jornalistas, o que foi visto por muitos como acerto de contas, além de enrijecimento do regime.
           O anúncio do veredito em local afastado dos grandes centros – em Silivri, cidade costeira a oeste de Istambul – não dispensou as bombas de gás lacrimogêneo, jogadas contra os manifestantes que, apesar das dificuldades, conseguiram chegar às cercanias do tribunal, a protestarem contra a sentida arbitrariedade do procedimento judicial.
           Há mais de uma década no poder, Recip Erdogan, em junho último, no que lhe parecia obstáculo de somenos, tropeçou no seu menosprezo à vontade popular, no projeto de arrasar a remanescente praça em Istambul, a pretexto de aí construir um shopping mall.  Pela própria persistência, a disposição dos manifestantes terá surpreendido o Primeiro Ministro, que se julgava próximo de emenda constitucional que lhe ensejasse transformar o regime de parlamentarista em presidencialista.
            Expressão, sem dúvida, da húbris de Erdogan o processo-monstro (trezentos acusados entre militares, jornalistas, parlamentares e outros !) logo vestiu os seus sombrios trajes de intimidação à opinião  (muitos indiciados por desrespeito ao princípio da turquicidade, um conceito fascistóide de que fora antes increpado ao Prêmio Nobel de literatura Orhan Pamuk ).  As sentenças contra jornalistas – que vão de seis meses a 22 anos de prisão – mostram que a pretensa democracia islâmica de Erdogan, como todo oxímoro[1], representa maneira canhestra de valer-se da justiça para viabilizar a caça às feiticeiras[2]. No contexto, o caso presente apenas contribui para mostrar o que vale a democracia na terra de Erdogan, que a organização  ‘repórteres sem  fronteiras’, com base em Paris, denominou “a maior prisão mundial para jornalistas”.  No índice da liberdade de imprensa, a Turquia está em 154º (dentre 179 países).
             Recip Erdogan não terá doravante a vida fácil, dada a discrepância entre as suas pretensões a estadista e a tirânica realidade prevalente sob o diáfano véu de uma muito adjetivada democracia. Compreende-se, dessarte, a resistência – e não só da Grécia, mas também da Alemanha de Frau Merkel – ao projeto turco de ingressar na União Europeia.
               Em boa hora, os fundadores da Europa unida estabeleceram como premissa da adesão o respeito à democracia como traço de união entre seus membros.

 

(Fonte:  International Herald Tribune )



[1] Na definição do Houaiss: figura de retórica em que se combinam palavras de sentido oposto, que parecem excluir-se mutuamente, mas que no contexto reforçam a expressão (v.g. obscura claridade)
[2] Na surrada estória da chasse aux sorcières,em que tantas infelizes feiticeiras  pararam na fogueira, tanto na Salem da América Colonial, quanto no sul da França...

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