A França defende tenazmente a própria produção de filmes contra a concorrência americana. Com alguma proteção do Estado, a cinematografia gaulesa mantém na prática uma certa reserva de mercado.
Se no momento a safra de grandes diretores franceses se afigura um tanto diminuta, comparada com as passadas gerações, ainda se podem assistir bons filmes como o presente, em que o célebre neurologista francês, Charcot (Vincent Lindon) – com que o jovem Freud praticou como estagiário – encontra paciente especialmente promissora.
Em termos de ambientação e de tratamento temático, a diretora Alice Winocour nos transporta a 1885, ao hospital La Salpetrière. Semelha difícil que encontrássemos em Hollywood uma produção similar, e é ainda mais árduo imaginar um filme americano com tal roteiro.
O filme começa com um lauto banquete da alta burguesia de quem a jovem empregada Augustine (Soko) serve a mesa. Na cozinha, ela contempla o que vai levar para os convidados – caranguejos cozidos vivos na panela.Dada a tensão nervosa que nela se percebe, acompanhamos seu trabalho com apreensão de que algo está para ocorrer.
Os convidados escapam do primeiro incidente, mas quando Augustine regressa à mesa para servir o vinho,sua crispação a faz derramar a bebida.Em seguida, ela tem uma convulsão que a faz cair, trazendo junto a toalha. A empregada jaz no chão, sob os olhos atônitos dos convivas.
O quadro seguinte se passa já na Salpetrière, para onde Augustine fora conduzida, na companhia de uma serviçal sua amiga. Como sequela da convulsão, ela tem o lado direito paralisado.Seu olho permanece coberto pela pálpebra, como se estivesse cosido de forma permanente. Sem a costumeira brutalidade de tais hospícios, a enfermeira avisa a nova interna que não pense em fugir, porque será trazida de novo.
O personagem de Charcot aparece, de início, como uma figura distante, de acesso difícil. No entanto, Augustine ouve que se quer curar-se tem de interessá-lo no respectivo tratamento.
Charcot é um médico de nomeada, que procura inteirar a Academia de seu trabalho. Uma primeira tentativa, obtida pela influência de sua esposa, interpretada por Chiara Mastroianni, não funcionara a contento. Instada pelo marido, ela promete tentar de novo viabilizar a sessão.
Ao examinar Augustine, o interesse profissional de Charcot pressente, neste caso , a potencialidade para confirmar as suas teses sobre a origem histérica dos problemas neurológicos. A empregada, que é analfabeta, demonstra inteligência e de forma um pouco tosca procurar interessar o médico no seu caso.
Com o passar do tempo, Charcot vai concentrando a sua atenção em Augustine, a quem dedica um tempo progressivamente maior. Sem ser grosseiro, ele a trata de modo ríspido, até que um dia desilude a empregada, interrompendo uma sessão. Augustine, irritada com a brusquidão do médico, tem um ataque na cama. Depois, verá que não tem mais o olho tapado pela pálpebra, mas se dá conta de estar com o braço e a mão esquerda contorcidos, de forma permanente.
Em uma primeira sessão com a Academia, o procedimento é bem sucedido na medida em que após as convulsões induzidas pela hipnose, os senhores membros ficam bastante envolvidos na observação das contorções sexuais de Augustine.
A atitude de Charcot para com a sua paciente alterna uma equívoca, por vezes paternal cercania com cortes abruptos. São jorros de água fria na jovem que se apega em acreditar ser objeto de interesse afetivo do médico.
Sentindo-se repelida, ela sai correndo do hospital, e cai de uma escada. Trazida de volta, cresce nela a impressão de que está sendo usada como cobaia.
Na nova sessão da academia, Augustine ouve as instruções de Charcot para Conti, o médico auxiliar que se ocupa do hipnotismo. Sentindo-se a um tempo usada e rejeitada, a empregada não entra em convulsões, como os médicos esperam. Com a intervenção de Charcot, Augustine já curada, encena o que se esperava dela em termos de contorções sexuais ad usum da Academia. Em certo ponto, Charcot termina com a hipnose e pede que Conti transmita aos acadêmicos os dados sobre a recuperação da paciente.
Curada das manifestações de histeria, Augustine vai a sala de Charcot, onde a química entre os dois personagens, e as respectivas fantasias, leva à natural expressão da libido entre a figura senhorial do médico e a jovem de dezoito anos.
Nas cenas finais, os planos dos personagens voltam ao que a sociedade lhes terá determinado, com Charcot sob as atenções dos acadêmicos e colegas, e dos olhares equívocos – o da esposa e o de Conti, auxiliar direto; e a bela mas solitária Augustine, despojada de suas histerias, mergulhando nas dobras do tecido social que a circunda, e a relega ao anonimato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário