Dos velhos galeões nos ficou a
imagem do canhão solto, que por isso poderia atirar em qualquer direção. Daí o
terror com a arma imprevisível, capaz
até de atingir a própria nave.
Se há um
canhão solto no governo estadunidense, a Casa de Representantes será o
candidato perene que nos virá à mente. De maioria republicana desde a
derrota nas eleições intermediárias de
2010 – que castigaram a errática e um tanto autista Administração Obama no seu
primeiro biênio – com a avalanche do Tea
Party, movimento da Direita raivosa, esse ramo do Legislativo continua sob
domínio republicano, posto que com maioria diminuída. Terá sido o guerrymandering interveniente, assim como eventuais peculiaridades sociais, que lograram contrariar na Câmara os índices das eleições gerais de 2014. Posto que favoráveis nacionalmente a Obama e ao Partido Democrata, com o controle da Câmara baixa ficou assegurada a paralisia legislativa, assim como a crise anunciada quando da renovação da autorização ao Tesouro, ao ser atingido o teto fiscal.
Pouco importa que no passado essa autorização sequer repontaria na primeira página da imprensa, eis os tempos eram outros. Com a responsabilidade advinda da coesão sócio-política de tempos não tão distantes, uma vez alcançado o teto fiscal – vale dizer, a quantia máxima autorizada para o montante da dívida – a concessão do reajuste se procederia dentro dos parâmetros responsáveis de normalidade entre os dois partidos, o que o tornava uma data burocrática, com a correspondente elevação ajustada de modo consensual.
Sem embargo, no ambiente atual, essa data virou o pretexto para a tentativa de chantagem política promovida pelos radicais da Câmara. Em 2011, por fraqueza de Obama, que consentiu em negociar o inegociável, a dupla de John Boehner (Speaker) e Eric Cantor (líder da maioria) pôde exibir um dúbio sucesso, que levou até ao rebaixamento por uma das agências avaliadoras da máxima cotação da economia americana.
Agora, a parca maioria republicana nos deputados ameaça com nova extorsão. Desta feita, o perigo da vez reside na detestada (pela direita colérica) Lei da Reforma Sanitária Custeável (ACA), que está sendo implementada, aprovada pelas duas Casas (no tempo da maioria democrata em Câmara e Senado), e o que não é pouco, julgada constitucional pela Corte Suprema (que tem maioria republicana). Para que se tenha idéia da visceral oposição do GOP ao Obamacare (o apelido dado à reforma pela direita), a Câmara já a ‘revogou’ cerca de 40 vezes. Como essas derrogações (repeal) não acarretam qualquer efeito jurídico, eis que o Senado sequer as considera, se tem a demonstração de que essa negação à reforma da saúde é um ato irracional e alienado.
De forma atrevida e sobretudo irresponsável, o ‘canhão solto’ da Casa de Representantes ameaça virar-se contra a Reforma da Saúde. Levando a sua dissociação da realidade ao cúmulo, a dupla Boehner-Cantor se proporia valer-se da renovação do teto da dívida fiscal para tentar estropiar o abominado Obamacare.
Se bem que, por causa de vacilos anteriores, os democratas temam por eventual fraqueza do Presidente, desta feita – inclusive por declarações de Obama que não negociará a respeito – há motivo para que a irresponsabilidade do GOP venha a prejudicá-lo na próxima eleição intermediária, prevista para novembro de 2014. Se os republicanos agirem de forma cega e despropositada – e isto, pelos precedentes, não está excluído – haveria a possibilidade e quiçá a probabilidade de serem castigados nos ditos comícios, a ponto de perderem a maioria na Câmara de Representantes.
Se tal vier a ocorrer, de intentado grande mal sairia uma benesse – vale dizer, um governo com maioria legislativa nas duas Casas. A avaliação pela opinião pública da presente Câmara baixa não é das melhores. Se a leviandade da direita ensandecida extravasar os limites – e as indicações abundam nesse sentido – poderá repetir-se o que aconteceu no governo de Bill Clinton, quando os erros do Speaker Newt Gingrich (GOP) foram tantos, que a maioria do chamado Contrato com a América se dissipou, com o retorno dos democratas à maioria entre os deputados.
( Fonte subsidiária:
International Herald Tribune )
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