sábado, 31 de agosto de 2013

A Situação do Senador Pinto Molina

                      

        Em alguns comentários na imprensa, se verifica que há dois alvos a serem atingidos na questão da retirada do asilado da Embaixada do Brasil. Não é só o Senador Pinto Molina que se deseja atingir. Em certos comentários, ressalta especial má-fé contra o Encarregado de Negócios do Brasil, Ministro Eduardo Paes Saboia.
        Os 455 dias da longa estada na Chancelaria brasileira, resultante da omissão do governo Evo Morales de emitir o salvo-conduto, uma vez reconhecida a condição de asilado na embaixada, têm uma justificativa: a indiferença do governo brasileiro, que não mostrou vontade política para levar o governo boliviano a cumprir com sua obrigação.
         Não sei se as autoridades brasileiras que ora censuram o Encarregado de Negócios, além de colunistas que pensam desmenti-lo, se terão dado conta do longo isolamento a que a própria displicência submeteu o diplomata, e da conjunta ameaça da pressão psíquica sobre o asilado. Com a sua coragem, Saboia ao invés de criar um problema, o resolveu, fazendo jus a elogios pela sua motivação humanitária.
         Desse episódio, a Presidente Dilma Rousseff se serviu para demitir o Ministro Antonio Patriota. Se as fotografias não mentem, desde muito se observava a contrariedade da Presidenta com o alto assessor.
         O entrevero também a levou a bater boca com o Ministro Saboia, seu subordinado. Não é usual que tal ocorra, e para a extraordinariedade do fato existem sobejos motivos de diferença hierárquica e a natural compostura a ser observada pela nossa mais alta magistrada.
         Não é só o fato de entrar em contraditório direto com funcionário diplomático de escalão intermediário. Além do bom senso recomendar-lhe o silêncio, deixando a autoridades menores o encargo de ocupar-se diretamente do litígio, há outro aspecto a ser considerado. Com efeito, ao exprobar o Ministro Eduardo Saboia, a quem o próprio ministério deseja submeter a uma comissão de inquérito, que condições de isenção e imparcialidade pensa a Senhora Presidenta se estarem criando para o funcionário ?
         Será que junto com o água do banho, também se jogará fora o bebê da presumida inocência do servidor ?
         Depois do longo sono da indiferença, semelha pelo menos esdrúxulo o dito por Dilma que ‘repudia a ação da retirada de Molina sem autorização, o que, segundo ela, atentou  contra a vida e a segurança de um cidadão que contava com o asilo diplomático do Brasil’.
         Por sua vez, sem mencionar a circunstância de que deixara apodrecer o assunto, o Presidente Evo Morales estaria cobrando a volta do ‘delinquente comum’. É mais do que estranho que o presidente boliviano se julgue em condições de pedir de volta a cobiçada presa.
         Mas apesar de sua pouco diplomática e perigosa impetuosidade, ainda prefiro não acreditar que Dilma Rousseff cogite seriamente meter-se em tal escorregadela.  De resto, ela conta agora com o Embaixador Luiz Alberto Figueiredo, chanceler de sua estrita confiança, e a quem tem prestigiado por mais de uma vez.

 

(Fonte:  O  Globo )  

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Decisões Erradas

                                       

Não cassação de deputado presidiário

 
       Ainda mais depressa que o previsto, o plenário da Câmara de Deputados negou o quorum necessário para a cassação do deputado Natan Donadon (sem partido-RO). Conforme a velha regra, tudo que pode dar errado, acontece. Houve uma série de erros jurídicos, políticos e de avaliação, sem falar do total desrespeito à vontade popular.
      Erro jurídico: Os votos dos novos Ministros, Roberto Barroso e Teori Zavascki mudaram a jurisprudência do STF quanto à cassação de mandatos no julgamento do caso do senador Ivo Cassol, fazendo com que a decisão final passasse a ser do Congresso. Assinala a coluna de Merval Pereira que no julgamento do Mensalão, a Corte decidira pela perda dos direitos políticos dos condenados, o que levaria automaticamente à cassação do mandato de acordo com o parágrafo IV do art. 55 da Constituição.
      Como as penas, por força da nova maioria, nos dois casos fora do Mensalão, não se referiam à perda dos direitos políticos, abriu-se uma brecha para que fosse usado o parágrafo VI do mesmo art. 55, em que a decisão depende de votação secreta do plenário.
     Ao criar uma espécie de terra de ninguém, partilhando a decisão da cassação, a nova maioria não parece ter levado em conta a manifesta inconstitucionalidade de manter o mandato de um condenado (que perde, ipso jure, os direitos políticos).
      Erro de avaliação:  O Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Henrique Alves (PMDB/RN), colocou em pauta, sem a preparação adequada, a votação sigilosa para decidir da cassação ou não do mandato do deputado-presidiário Natan Donadon.
      Ao contrário do que se afirma, nada é inacreditável no Brasil, e muito menos na Câmara dos Deputados, que já obviamente se esqueceu das manifestações do povo nas ruas a partir de junho.
       Por isso, o presidente Alves – que à vista do caso em tela (tratava-se de um homem condenado pelo Supremo, por roubo e formação de quadrilha, a treze anos de prisão) não acreditava possível a negação da cassação do mandato – não cercou a matéria a ser votada por sufrágio secreto com as possíveis precauções. Depois do desastre, com a incrível negativa do plenário, o presidente da Câmara afiançou que só recolocará em votação o assunto após tornado aberto o voto para as cassações.
      Erro Político.  O antigo partido da ética, o PT, engrossou com os ausentes da votação (apesar de registrarem presença), os que não participaram da decisão e, assim não permitiram que os sufrágios a favor da cassação (233) chegassem à maioria regimental (257 votos). Além disso, a lista dos ausentes montou a 108 (de que o PT teve o maior número de ausentes: 21 deputados !). Dentro do usual absenteísmo do Congresso, os outros partidos não ficaram muito atrás:o PMDB, com 14 ausentes, o PP, com catorze; o PSD com doze e o PR, também com doze.
       Tampouco votaram  o notório Paulo Maluf (PP-SP), e deputados que escaparam de serem cassados: Jacqueline Roriz (PNM-DF), Renan Filho (este por duas vezes( (PMDB-AL), e todos os mensaleiros já condenados pelo Supremo:  João Paulo Cunha (PT/SP), Valdemar Costa Neto (PR/SP), Pedro Henry (PP/MT).
       O Deputado José Genoino (PT/SP) está com licença médica, e Jandira Feghali (PCdoB/RJ) por estar com pneumonia, não pôde votar. Além disso, várias ausências de evangélicos (Natan Donadon tem o mesmo credo), entre eles, o pastor Marco Feliciano (PSC/SP). Por fim, três líderes de partidos não apareceram : Beto Albuquerque (PSB), Iovair Arantes (PTB) e Eduardo Sciarra (PSD).

 
A  Reação da  Presidenta      

 
        A atitude do Ministro Eduardo Saboia, Encarregado de Negócios a.i. em La Paz, excluída a oposição, não tem recebido boa imprensa, como se verifica, v.g., na coluna de Janio de Freitas e com ressalvas, por Eliane Cantanhêde.
        O experiente jornalista hoje na Folha considera a demissão sumária do ministro Antonio Patriota, por Dilma Rousseff, por causa emocional, o que é julgado incabível em presidente da república.
       A par disso, parecendo menina que decora um texto, a Presidenta veio a público para rebater a comparação que o Ministro Saboia teria ousado fazer com relação à militante Dilma, colhida pelo famigerado DOI-Codi.
       Por sua vez, Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB) tomaram o partido do Ministro Saboia, de quem elogiaram a ação e a coragem.
       Com efeito, o Ministro Eduardo Saboia tem sido tratado como se tivesse criado um problema. Na verdade, ao tomar a iniciativa – cousa que o Ministério não fez, e nem a própria Presidenta, deixando apodrecer esse asilo por 455 dias, sob pesado manto de indiferença, que nem lograram sacudir as inadmissíveis intromissões de agentes de Evo Morales em aviões da FAB, como se buscassem o Senador Roger Pinto Molina – Saboia resolveu tal problema, ao trazer para o Brasil o asilado na chancelaria da Embaixada.
       Embora a Bolívia não seja signatária da convenção que se seguiu ao asilo na embaixada da Colômbia do peruano Haya de la Torre – e que obriga os estados a darem salvo-conduto aos asilados – após ser informado da concessão do asilo na Embaixada, o Governo boliviano estaria condicionado a dar salvo-conduto ao asilado, para que tivesse asilo territorial no Brasil. A indiferença do Itamaraty e do Palácio do Planalto, permitiu a Evo Morales que continuasse a não realizar o que se esperava do Governo boliviano, vale dizer a pronta concessão do salvo-conduto, sem ulteriores tardanças. Na raiz do apodrecimento da questão, estava a falta de vontade política do Planalto em fazer com que a praxe internacional fosse cumprida.
        Nesse aspecto, dada a tendência da Presidenta a ter  visão muito peculiar da prática diplomática, é importante que ela tenha presente que uma eventual extradição do senador Molina – conforme o Presidente Morales, ao sentir fraqueza, resolveu solicitar ao Brasil  -  implicaria em gravoso erro diplomático, que mancharia a tradição humanitária da diplomacia do Itamaraty. Tal recuo – que nada teria a ver com a tradicional diplomacia brasileira – representaria um desastre não só diplomático, mas também político.
         Se a nossa vocação diplomática em termos de defesa de direitos humanos saíu chamuscada pela covarde entrega dos dois pugilistas cubanos à ditadura dos Irmãos Castro, o que dizer então de entregar o Senador Molina ao seu desafeto ?
         Estaríamos diante de colossal retrocesso em política que sempre se pautou pelo respeito dos tratados e pela defesa dos perseguidos políticos. 
         Se a Presidenta Dilma, a crer no colunista J. de Freitas, agiu de forma emocional na recente queda ministerial, uma decisão intempestiva em eventual concessão de extradição, mais do que falha, seria um erro de dimensões imprevisíveis, daqueles que comprometem de forma irremediável um governo.

 

 
(Fontes: Rede Globo, O  Globo, Folha de S. Paulo )  

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Que Câmara é esta ?

                                       

        Engana-se quem define o que ocorreu ontem na Câmara de Deputados como episódio lamentável.  Decerto que é deplorável, mas não se trata de episódio.  O Houaiss define episódio como fato acessório, mais ou menos ligado a um conjunto.
        Portanto, a inominável recusa do plenário da Câmara, oportunamente oculto pelo mui conveniente voto secreto, não é um fato meramente acessório.
        A não-cassação pela Câmara do deputado por Rondônia Natan Donadon, ao cabo de longuíssimo processo, em que teve direito a todos os recursos, e a todas as prorrogações obtidas pelos advogados, a ponto de esgotar do réu não só os seus direitos legais, mas também a paciência dos ministros do Supremo, diante da descaradas repetições de apelações, sem outro óbvio propósito que o de ganhar tempo, essa não-cassação, repito, deveria ser lição para os senhores parlamentares que, se nos abstrairmos de uma única cláusula, a cassação do mandato, nestes casos, deveria decorrer da própria decisão do Supremo Tribunal Federal.
        Os senhores deputados e senadores levantaram os seus broquéis, por trás das ameias dos castelos legislativos, para fazer valer a interpretação pro domo sua de que cabe a Câmara ou ao Senado em todos os casos autorizar a cassação do parlamentar respectivo.  
        Completado o longuíssimo processo – como é em Pindorama o usual -, não há desdouro algum em aceitar a decisão do Supremo. Se o caso desse deputado Donadon para algo servirá, será para evidenciar a insustentabilidade de refugiar-se atrás dessas folhas de parreira, que não ocultam seja o corporativismo, seja sobretudo o privilégio.
         Alguém acaso acha estranho que nos Estados Unidos, a prisão de um congressista pode ser determinada por um juiz singular? E por que os deputados e senadores estadunidenses não dispõem do conveniente escudo da autorização do Congresso ? Porque a Constituição americana, que é do século XVIII, e não pode ser modificada por dá cá aquela palha, e tampouco atribui privilégios especiais aos representantes do Povo.
        O Senhor Presidente Henrique Alves, envergonhado pela votação da Câmara, declarou que não colocará em pauta nenhuma outra cassação de mandato antes da derrogação do voto secreto, máscara muito conveniente em que se esconde o privilégio e que serve para o perdão corporativo. Debaixo deste pano sujo se escondem receptadores, estelionatários e criminosos comuns.
        A memória parece curta na Terra da Santa Cruz. Sob o impacto do movimento do passe livre e do Brasil jovem que descia às ruas, o Congresso mostrou que anotara a lição e o que o Povo queria.  Pena que parece ter sido por pouco tempo.
         Para quem tem juízo, é rematada loucura esse outro tipo de manifestação, que se esconde covardemente atrás do sigilo do voto, sem enfrentar balas de borracha, “bombas de efeito moral” e quejandas violências das ditas forças da ordem. 
         Assim como as novas lideranças repelem as tentativas repulsivas de partidos corruptos se declaram “fichas limpas”,  como hão de entender que o Congresso se atreva a levantar bandeira tão esfarrapada, de uma causa de criminoso comum, que já se valera de todos os recursos do arsenal dos leguleios, para tentar afastar as consequências de suas múltiplas infrações ao Código Penal ?
        Como dizia um defensor célebre da Justiça – aquela com letra maiúscula – ‘será que o Senhor não tem vergonha nem qualquer limite?’

 

(Fonte:  O Globo )

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Diário da Mídia (V)

                               
   Não às balas de borracha

 
           Em  enésima manifestação, a P.M. do Rio de Janeiro apelou para as balas de borracha. Dada a hipocrisia que lhe cerca a utilização, e o mal que essas balas já fizeram, deveria ser proibido o seu emprego pela polícia.
           Em São Paulo, no início dos protestos do movimento pelo passe livre, polícia militar mal-preparada atingiu repórter da Folha de S. Paulo com bala de borracha, afetando gravemente a visão da jornalista.

           Trata-se de uma balela dizer que balas de borracha sejam instrumento não-letal. Ao contrário, podem causar a morte da pessoa atingida, além de outras graves lesões, como no exemplo acima.
           Por tudo o que já causaram, as ditas balas de borracha devem ser interditadas pela legislação federal, e quanto mais cedo, melhor. Não é aleijando pessoas, ou matando manifestantes que a ordem pública será mantida.

 
A erradicação da poliomielite

 
        Segundo assinala o Herald Tribune, o esforço global para a erradicação da paralisia infantil – em muitas regiões  sem nenhum caso há muitos anos – encontra enorme pedra no meio do caminho. Com efeito, a campanha mundial se vê fragilizada em duas áreas em que claudica o poder estatal.
       Assim, na Somália, um estado fracassado desde a queda de Siad Barre em 1991, com a fragmentação do país surgiria não só núcleo terrorista da al-Qaida (ali denominada al-shabaab), além de base territorial para ações de pirataria marítima no Índico e adjacências, mas também a calamidade clínica de 121 casos de pólio na região (abrangendo também o Quênia).

      Por outro lado, em país no qual o poder estatal enfrenta obstáculos graves, na região do Waziristan, no norte do Paquistão, um senhor da guerra proibiu as campanhas de vacinação.  Nesse particular, a CIA, ao procurar instrumentalizar uma ação contra a hepatite na tentativa de determinar a localização de Osama ben  Laden, mostrou questionável orientação política, ao tornar suspeitas as ditas campanhas.  A ignorância do senhor da guerra, Hafiz Gul Bahadar resolveu, sob pretexto da ingerência política americana, suspender a autorização de campanhas de vacinação (inclusive contra a poliomielite), enquanto os ataques dos drones americanos não cessarem.  Por força dessa suspensão, reapareceram os casos de poliomielite. Se foram apenas dois, bastam, no entanto, para indicar que o vírus está na área.

 
O  Padrão  Fifa  no  preço das entradas da Copa

 
        O futebol é um esporte popular, mas pela comercialização da  FIFA, corre o risco de deixar de sê-lo, pelo menos no que concerne à Copa do Mundo.

        O torcedor do Povão constitui elemento indispensável nas torcidas dos estádios. Afastar os populares das arquibancadas – para não falar das gerais, na prática extintas – é  decisão de cunho mercantilista, que pode ter sérias consequências sociais.
        O atual preço dos ingressos e as suas condições de venda podem estar conformes a visão e os planos de mercado dos senhores executivos da FIFA, mas contrariam a íntima ligação do torcedor de baixa renda com o futebol.

        Se os estádios não devem ser rinha para as famigeradas torcidas organizadas, tampouco devemos deles afastar o que em termos de futebol é a presença do torcedor. Ou será que o propósito é transformar os estádios padrão Fifa em assépticos locais de gente endinheirada ?

 

(Fontes:  International Herald Tribune, O Globo on-line, Folha de S. Paulo )

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Relações Brasil - Bolívia

                                      
        O Ministério das Relações Exteriores não convive bem com o noticiário que vejo ora estampado na imprensa. Entende-se que os profissionais a integrá-lo prefiram a discrição e não esse gênero de cobertura jornalística que coloca a Casa de Rio Branco sob luz reservada a outros tópicos, mais consentâneos com o sensacionalismo da mídia.
        Diga-se, de pronto, que o diplomata atua com a cautela do ofício e não o faz por idiossincrasia ou corporativismo. Nos países com tradição diplomática, por representar o Estado, ele terá sempre presente tal condição, e agirá em consequência.
        Foi graças à diplomacia, e desde os tempos do Brasil colônia, com o grande Alexandre de Gusmão, que a Terra de Santa Cruz tem encontrado profissionais competentes para cuidar de suas magnas questões. Como o secretário de D. João V nos ensina, nada deve ser deixado à improvisação. E toda a preparação do Tratado de Madri é prova desse método abrangente e providente, de um pequeno e fraco reino que, em não dispondo da força das grandes potências de então, não podia descurar do planejamento político, das expedições de bandeirantes e de padres matemáticos, da localização dos fortes, e do preparo dos mapas.
       Não é por acaso que o Brasil tem as dimensões atuais, e as fronteiras demarcadas. Colônia, Reino, Império e República através de pessoal competente cuidaram que os sonhos dos bandeirantes se tornassem realidade. A despeito das mutações na política por todos esses regimes coube a funcionários de escol, com a cultura dos maços, dos antecedentes e dos tratados, manter acesa a tocha da nacionalidade em fronteiras seguras e respeitadas. Só o trabalho aturado e uma política de estado, não condicionada por ideologias e questiúnculas de partido, ensejou que a Alexandre de Gusmão se sucedessem personalidades do realce de Duarte da Ponte Ribeiro e o Barão do Rio Branco.
      O sucesso brasileiro, respaldado não em patriotadas, mas na atividade de Chancelaria, está por trás dos êxitos do Barão, quando os litígios territoriais foram resolvidos por laudos arbitrais, que nos deram pleno ganho de causa.
      Para tanto, o Barão se fundou nas gestões de chancelaria, nos mapas e nos demais documentos que embasam a doutrina do uti possidetis. Nada foi deixado ao acaso e aos ventos inconstantes dos movimentos de opinião. Como Jaime Cortesão o demonstra em seus muitos livros, está nos velhos mapas e no esforço que registram – não só de sertanistas e bandeirantes, senão dos próprios padres matemáticos – a indicação segura dessa grande empresa em que gerações de portugueses e brasileiros se passaram o bastão do magno cometimento.
     No que tange à Bolívia e os nossos laços com aquele país, o governo petista de Lula da Silva fez o que até o regime militar tivera a prudência de evitar. Quando o Presidente Evo Morales, ao arrepio dos acordos internacionais, mandou invadir as dependências ocupadas pela Petrobrás – que lá estava por documentos firmados entre os dois países – Lula da Silva permitiu que a ideologia se sobrepusesse à política de estado. Caímos assim na vala comum das inconstâncias de partido, de que todos os nossos ministros do exterior se tinham mantido à distância.
      A mistura de interesses partidários e de Estado não dá bons pratos, como se viu em Honduras, e no Paraguai. Política externa não é coisa tão simples quanto apareça para o vulgo, e nela as intromissões descabidas dos aprendizes de feiticeiro em geral dão no que dão.
     Não foi à toa que o estamento militar – a quem incumbe a defesa da pátria – tenha sabido respeitar o conhecimento acumulado de outra carreira de estado – no caso, a diplomática – e, enquanto não deixaram considerações ideológicas nortearam essa política, não lhes couberam os problemas que caem sobre os improvidentes que se julgam acima das intricâncias do ofício diplomático.
      Se o Brasil de Lula não soube dar o limite à iniciativa ilegal do então novel presidente Evo Morales, invadindo a área de empresa brasileira que lá estava por força de acordos internacionais livremente pactuados, fica mais fácil de entender as traquinagens do senhor Morales, que até mandou vistoriar aviões brasileiros que transportavam nossos ministros.
      O Direito de Asilo, esse instituto latino-americano que é decorrência da prepotência dos governos da vez contra os seus opositores (a que soem considerar como inimigos) tem regras estabelecidas, fundadas na exterritorialidade da residência e da chancelaria das missões acreditadas.
      Dentre essas, está a concessão de salvo-conduto à personalidade asilada. Expedido pelo poder territorial, dá segurança ao asilado diplomático, acompanhado de agente diplomático (da missão que concedeu o asilo) para rumar a aeroporto, ou qualquer outro ponto que lhe permita sair do país, a fim de transferir-se ao solo do Estado que lhe concede asilo territorial.
      Há convenção internacional sobre isto, mas o Governo de Evo Morales, movido por motivos nunca bem esclarecidos, se recusou por 455 dias em providenciá-lo para o desafeto presidencial, o senador boliviano Roger Pinto Molina.
     O governo petista – e não os diplomatas, como o Ministro Eduardo Paes Saboia, até poucos dias atrás Encarregado de Negócios em La Paz, que tiveram de conviver com esse absurdo jurídico, político e pessoal que é permanência, por despótico e idiossincrático capricho do Caudilho, em ambiente destinado ao expediente e não à residência da chancelaria da Embaixada brasileira do asilado, em um cubículo apropriado para as comunicações – foi quem criou este monstro, gerado por acintoso desrespeito ao direito internacional público.
     Por demasiado tempo, a chancelaria brasileira, então chefiada pelo Embaixador Antonio Patriota, permitiu que tal deboche, digno de republiqueta – como o asilo do peruano Victor Raul Haya de la Torre, por três anos na embaixada da Colômbia em Lima que motivara a negociação de tratados para evitar a repetição desses abusos – se delongasse muito além de qualquer limite do bom senso e da prática diplomática. O ato assumido pelo Encarregado de Negócios a.i. do Brasil foi motivado por uma situação limite.
    O que espanta é que a Presidenta tenha considerado desastrosa a ação do Ministro Saboia. Não se deteve, no entanto, na negligência do Estado brasileiro em permitir que tal situação se eternizasse, enquanto as relações com o Presidente Morales perduravam no diapasão da normalidade.
     Por isso, considerar como quebra de hierarquia a iniciativa do Encarregado de Negócios no que tange à direção pelo Ministro Antonio Patriota do Itamaraty, soa para os profissionais do ramo como, no mínimo, altamente discutível. Declarar, ainda por cima, que abriu crise com o governo de Evo Morales, já entra em humor negro.
     Senhora Presidenta, o fato de dormir sobre os maços e de ter a última palavra, não a exime, s.m.j., do respeito à coerência e ao bom senso.
     Enquanto o Señor Evo Morales, Presidente Constitucional da Bolívia, fizer o que lhe der na venta, os problemas – e não por geração espontânea – continuarão a acontecer na Bolívia, e a repercutir, se for o caso, no Brasil. Porque como nos ensinam os nossos maiores, fantasma sabe para quem aparece.

 

(Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo, obras de Jaime Cortesão, notadamente O Brasil nos Velhos Mapas; e Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid ; Tratado de Direito Internacional Público, vol. I, de Hildebrando Accioly)

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O Fator Homem no Aquecimento Global

                              
         Deu no New York Times, que o painel internacional de cientistas determinou com quase absoluta certeza que a atividade humana é a causa da maior parte do aumento de temperatura média. Por outro lado, o nível do mar poderá crescer em mais de três pés (91,44cm), até o fim deste século se as emissões de gás carbônico continuarem na sua atual disparada.

         Os cientistas – cujas observações são reportadas em projeto de sumário do próximo relatório das Nações Unidas sobre o clima – na prática desconhecem a recente redução no ritmo do aquecimento, que é muito citada pelo grupo que duvida da mudança climática. Para a maioria dos estudiosos se trata muito provavelmente de fatores de curto prazo.

          O relatório enfatiza que os fatos básicos acerca da futura mudança climática estão mais confirmados do que nunca, o que induz à maior preocupação mundial. Os cientistas reiteram, outrossim, que as consequências da escalada nas emissões serão profundas.

         Quanto à responsabilidade humana, o novo relatório será mais incisivo. Em 2007, a estimativa da participação do homem estava em 90%. Agora, os humanos são a principal causa em pelo menos 95%.

         O nível do mar se elevará, mas não é possível determinar os níveis locais, que tenderão a variar. Já no aquecimento global, o aumento será menor que o previsto em 2007: estará em torno de 1.5 Celsius. No entanto, há um detalhe importante: o projeto de relatório diz ser possível o aumento menor, mas não que seja provável.

         Quais seriam as consequências dessa elevação da temperatura média ? Causaria largo derretimento do gelo terreste, fortes ondas de calor, dificuldades para a produção de alimentos na agricultura, grandes mudanças na vida vegetal e animal, com uma provável onda de extinções.

          Como se assinala, o documento é ainda um projeto de relatório, e os seus dados não são definitivos. Contudo, se a experiência das revisões passadas é indicativa, em geral a maior parte dos resultados obtidos será confirmada por estudos posteriores.

          Com o passar do tempo, a seriedade do trabalho dos cientistas tem sido informalmente corroborada pelo aumento brutal da incidência e da força respectiva dos fenômenos climáticos. Não se encontrarão muitos negadores de boa fé na costa leste americana, depois do furacão Sandy, por exemplo. Além a multiplicação dos tornados, e não só nos Estados Unidos, mas também em terras que em décadas anteriores a eles nunca tinham sido apresentadas – V. por exemplo o fenômeno no Sul do Brasil – devem induzir a quem tem juízo na cachola a suspeitar que, com a farra das emissões de gás carbônico, as coisas só tenderão a piorar.

         Assim, no futuro, vai ficar cada vez mais difícil ser um denegador climático de boa fé. Excluídos os republicanos de boa cepa, nos Estados Unidos, e uma parte dos ruralistas no Brasil (haverá sempre os que tangidos pelas intempéries começarão a ter dúvidas sérias), sobrarão poucos os que ainda estejam dispostos a endossar as arengas dos irmãos Koch, os grandes industriais petroleiros dos Estados Unidos.

 

(Fonte: International Herald Tribune )

O Supremo e a Censura no Brasil

                           
        A notícia que a censura judicial foi uma vez mais aplicada no Brasil, e ainda por cima, em uma capital estadual, não surpreende. Desta feita, está proibido o jornal Gazeta do Povo, do Paraná, de publicar informações sobre investigações abertas contra o presidente do Tribunal de Justiça do estado, Desembargador Clayton Camargo.

        A medida é inconstitucional. Não tem cabimento por cláusulas pétreas da Constituição, que são solenemente ignoradas pelos togados, que decretam a censura, seja para favorecer o filho de José Sarney, o empresário Fernando Sarney (por sentença do desembargador Dácio Vieira (TJ/DF), que até hoje se arrasta no TJ/DF, com a censura ilegal e inconstitucional ainda preservada), seja no escândalo de outras onze ações judiciais, que impediram a divulgação de reportagens  em  2012.

        Não é por acaso que o Brasil, para sua vergonha e em especial da magistratura – que deveria zelar pelo respeito à Constituição – caíu de 99º para 108º  no ranking mundial de liberdade de imprensa.

        Não há nada de simbólico na manutenção, ao arrepio da Lei Magna, e pela própria magistratura, como no caso presente, de práticas que vão acintosamente contra os princípios democráticos, o espírito e a letra da Constituição.

       Desde muito assinalei que há uma solução pronta e inequívoca para isto. O Supremo Tribunal Federal, pela sua inação, é o principal responsável pela utilização, cada vez mais sanhuda, descabida e desavergonhada, de um instituto declarado perempto pela Constituição de 5 de outubro de 1988.

       Fernando Lyra, então Ministro da Justiça, teve orgulho em dizer na época – Censura nunca mais !  Recentemente falecido, terá visto com desgosto que a essa norma constitucional se permite acintoso desrespeito em muitos casos, inclusive na proibição de livros.

       O Supremo deve chamar a si esta relevante questão, que até o presente semelha tratar como se fosse de lana caprina. A súmula vinculante é a medida que se impõe. Como existem ações que já bateram à porta do nosso Tribunal Constitucional concernentes à tal matéria, o STF precisa avocar a si a questão, de forma a pôr um ponto final aos abusos cada vez mais amiudados ao dispositivo da Lei Magna, no que tange à abolição da Censura.

       Em matéria de censura, o silêncio do STF é inaceitável. Já em vez recente, o silêncio imposto ao Estado de São Paulo se permitiu continuasse, por uma sentença especiosa, que preferiu manter-se nas firulas adjetivas das liminares, do que ouvir o berro pela liberdade de imprensa, que optou em má-hora por não julgar pertinente.

      Não há nada mais pertinente do que a liberdade de pensamento. Sufocá-la manda mensagem que é sobretudo contrária à democracia. É isto que o Supremo deseja ?

      Não quero crer. É mais do que hora de pôr um termo a este silêncio jurídico.

(Fonte subsidiária: O Globo ) 

domingo, 25 de agosto de 2013

Colcha de Retalhos A 31

                                       
A Triste Estória dos Médicos Cubanos

      Cuba, a gerontocrática ditadura dos irmãos Castro, sempre foi uma fraqueza de Lula da Silva, que lá costumava aparecer amiúde, para pedir a bênção socialista de Fidel Castro.
      Todos sabemos que o Brasil tem um sério problema com a saúde de seu povo. Os privilegiados, como o ex-presidente, quando carecem de cuidados médicos, tratam de  internar-se, de preferência, no Sirio - Libanês, ou no Einstein.
      No SUS[1], nem pensar. Entra ano e sai ano, e tudo continua na mesma. Em época eleitoral –  cuidado cidadão, que 2014 vai sê-lo – chovem as promessas de melhor atendimento, e as pirotecnias, como as famosas UPAs do governador Cabral !
      A corrupção de um lado, e de outro, a velha incompetência acoplada com a indiferença das elites, tratarão de vender ao povão gato por lebre, e dizer, por enésima vez, que desta feita tudo será diferente...
      Surpreendeu, no entanto, que o regime petista tenha pensado recorrer aos médicos cubanos para tentar resolver, inda que seja pelas bordas, o problema da falta de tratamento clínico de que padecem as populações interioranas. Não é que não haja deficiência nas principais cidades, mas pelo menos aí existem estruturas – que podem ou não estar disponíveis.      
      Já em certas faixas do Brasil profundo, o problema muda, pela falta de médicos e de ambulatórios. Será para esse desafio que o Ministério da Saúde resolveu apelar para o corpo médico estrangeiro. Chamam a atenção as regras para os médicos cubanos.
      O exemplo que estão imitando é o venezuelano. Para a sua extremada admiração pelo regime cubano, não havia limites para o Coronel Hugo Chávez Frias.
      Por isso, uma tal associação entre Havana e Caracas tornaria compreensível e quase natural, um contubérnio do gênero. Os pobres médicos cubanos são tratados como gado. O regime a que estão sujeitos é o de servos da gleba. O acordo entre os dois governos, quiçá acertado muito antes de divulgado pela imprensa, possibilita que esses profissionais venham para o Brasil,mas sem família e sem dinheiro. O seu salário não lhes concerne, eis que o Brasil paga, de forma indireta, para o governo cubano o montante global. Depois, Cuba manda para cá uma parcela do total, quase uma mesada. Entrementes, para alimentar-se o médico depende da generosidade do município respectivo a que estará alocado.
      Que o governo de um país que se diz democrático e constitucional, possa tolerar um esquema desse teor, em que a exploração do profissional aparece por todo o lado, é uma página das mais deploráveis do governo brasileiro. Mutatis mutandis, nem no regime militar há  exemplo que se lhe compare, eis que, por toda parte repontam os desrespeitos à legislação.
       O Brasil não pode pactuar com essa afrontosa operação dos médicos cubanos. É um acinte contra os direitos humanos, e a sua eventual duração seria prova eficiente da existência ou não de Justiça neste país.[2]
 

Ataques ao Grupo Femen

 
         O  Grupo Femen, nascido na Ucrânia, multiplica-se em vários países, nas suas desenvoltas demonstrações em prol do gênero feminino, e das diversas limitações e abusos de que sofre por esse mundo afora.
         Até no Brasil, no Rio e em São Paulo, os protestos femininos ocorreram da forma que constitui a sua marca registrada, vale dizer os seios expostos, e de preferência diante de algum empertigado formalismo oficial.
        Foi assim, por exemplo, em importante feira comercial na Alemanha, e defronte não só de Frau Angela Merkel, mas sobretudo de gospodin Vladimir Putin, a quem o exercício visava especialmente, quem sabe, talvez, pela prisão e condenação de jovens moscovitas, que tinham encenado rápida demonstração em igreja ortodoxa.
        Agora, na terra do Presidente Viktor Yanukovych, três dirigentes do grupo Femen sofreram em Odessa um violento ataque de desconhecidos. Com efeito, Anna Hutsol e Alexandra Shevchenko, assim como Viktor Svatsky, foram surrados em Odessa, no pátio do prédio em que estavam arranchados. 
       É a quinta investida de que o grupo Femen sofreu nas últimas semanas. No mês passado, Svatsky sofreu sevícias perto do escritório em Kiev, e teve de ser internado por duas semanas em hospital. Também sofreram golpes a Shevchenko, mais duas mulheres do Femen e um fotógrafo, além de passarem a noite na prisão.
      Diante da situação, e das tropelias que sofre, o Grupo Femen dirigiu-se ao Ministro do Interior Vitaly Zakharchenko, solicitando a concessão de segurança integral. “De outra forma, ativistas de Femen correm perigo mortal”.
      Tudo indica que a intenção do Governo Yanukovych é a de forçar a expatriação do grupo Femen, que se afigura demasiado incômodo para o regime.


Uma estranha Maracutaia Legal

 
       Pensa-se, por vezes, que, em termos de vigarices, não há limites para a imaginação brasileira. No entanto, pelo resumo que acredito oportuno fazer de artigo de  Sarah Stillman,   publicado em The New Yorker, de 12 e 19 de agosto de 2013, há concorrentes sérios na terra de Tio Sam.
         Numa tarde de quinta-feira em 2007, Jennifer Boatright, garçonete de bar de Houston, dirigia o seu carro, levando os dois filhos e o namorado, Ron Henderson, na estrada 59 no caminho de Linden, a cidade natal de Henderson, perto da divisa entre os estados de Texas e Lousiana.
         O casal fazia tal viagem em Abril, para passar temporada com o pai de Henderson. Naquele ano, os dois tinham decidido  comprar um carro usado em Linden, e por isso colocaram a poupança em espécie no porta-luvas do carro.    
         Após uma paradinha em um mini-mercado de Tenaha, para beliscar uma merenda, o casal Boatright (uma redneck[3]) e Henderson (de origem latino-americana) achou esquisito que a viatura policial, antes parada no parking, os estava seguindo. Perto da divisa da cidadezinha, o policial Barry Washington forçou o seu acostamento. Perguntou de saída se Henderson, sem ultrapassar, se dera conta de dirigir na pista da esquerda, e por mais de oitocentos metros? Diante da negativa, o policial perguntou se havia droga no carro. O casal negou, Washington e seu auxiliar procederam a uma busca no veículo. Encontraram o dinheiro e um cachimbo de vidro porcelanado que a Boatright  disse ser presente para a sua cunhada. A família foi então levada para a delegacia.  Lá toparam com duas mesas cheias de jóias, DVDs, celulares, e coisas do gênero.
          De acordo com os policiais, o casal tinha o perfil dos correios da droga. Estavam viajando de Houston (“um ponto conhecido para a distribuição de narcóticos ilegais”) para Linden (“um lugar conhecido para receber narcóticos ilegais”). O relatório policial descreve as crianças como possíveis disfarces (decoys), com o intuito de desviar a atenção policial, enquanto o casal rodava e fumava maconha. (Embora nenhuma maconha tenha sido encontrada, Washington disse que lhe tinha sentido o cheiro).
         Uma hora depois, chegou a promotora da cidade, Lynda K. Russell, que foi logo dizendo que o casal tinha duas opções: (a) podia ser submetido a acusação criminal (felony charges) por ‘lavagem de dinheiro’ e ‘pôr a vida de criança em perigo’. Neste caso, os dois iriam para a prisão e as crianças entregues a um asilo infantil; e (b) ou poderiam entregar o dinheiro para a cidade de Tenaha. Neste último caso, não haveria acusação, e nem as crianças seriam entregues ao Serviço de Proteção Infantil (CPS).
         Mais tarde, Boatright, que caíra em prantos quando confrontada com a ‘alternativa’, viria a saber que o esquema ‘dinheiro em troca da liberdade’ era um ponto de orgulho para Tenaha, e outras versões da mesma tática estavam sendo usadas por todo o interior americano.
         A estória é longa, há muitos episódios de abusos do gênero, que são praticadas por delegacias de polícia para coletar recursos de modo a financiar as respectivas operações, além de lograr favorecimentos pessoais no mínimo questionáveis.
         Os principais objetos – as vítimas da vez – estatisticamente estão entre os afro-americanos, latino-americanos, idosos, e todos aqueles que não aparentam ter muitos recursos (e por conseguinte dificilmente terão um advogado para orientá-los).
         Esse instrumento policial, a chamada civil forfeiture (alienação civil de bens) vem sendo muito usado, e não só no Texas. Ao contrário da alienação criminal, não é necessário ser culpado no caso civil: uma suspeita de ‘provável causa’ já é suficiente. Basta para que exista um processo arquivado quanto ao confisco da propriedade. No caso, é irrelevante a culpa ou inocência de quem tinha a posse do valor.
         Outra surpresa estava reservada para o casal Boatright e Henderson, quando reivindicaram no condado, na esperança de reaver a respectiva poupança. A promotora distrital lhes disse que tinha ‘repetidas vezes’ avisado que não precisavam assinar a dispensa (waiver), mas se persistissem em denegar a acusação, eles poderiam ser acusados criminalmente.
         Jennifer Boatright e Ron Henderson insistiram, subscrevendo-se como partes em ação comum temática, a despeito da dificuldade processual e da possibilidade muito comum que não fosse aceita pelo juiz. Até o momento, no entanto, os advogados David Guillory, cujo escritório é sediado em Nacogdoches, e Tim Garrigan cuidam da ação. Nem sempre o resultado corresponde à expectativa inicial, pelos óbices da causa, o caráter imprevisível dos depoimentos, e a reação dos magistrados.
         No entanto, a repercussão nacional, os manifestos abusos policiais, e os confiscos repetidos têm forçado as delegacias policiais a tomarem mais cuidado com os respectivos procedimentos, de que o comissariado de Tenaha se tornou uma espécie de anti-modelo (pelas diversas injustiças cometidas de que o sofrido pelo casal Boatright e Henderson constitui significativo exemplo).
 

 
 
( Fontes: VEJA, International Herald Tribune, The New Yorker )            



[1] É conhecida a recusa de Florestan Fernandes (ex-deputado do PT) em sair da fila do SUS, a despeito dos apelos do filho e do próprio então Presidente Fernando Henrique Cardoso, seu ex-aluno. Disse o sociólogo que era este o tratamento do povo brasileiro, e não queria valer-se de qualquer privilégio. Pagou com a vida a sua nobre atitude.
[2] O restante da Operação dos Médicos Estrangeiros é outra estória. Terá suas irregularidades, conforme documentadas pelas entidades médicas, mas não se compara em gravidade com a vinda dos médicos cubanos, expedidos pela Ditadura Castrista.
[3] Pescoço vermelho, em geral para designar trabalhador braçal.

sábado, 24 de agosto de 2013

A Covarde Lógica da Barbárie (II)

                

       Se as atrocidades e depredações praticadas pelos islamitas, não constituem novidade, na deplorável história do relacionamento das religiões, e, em especial, da chamada Fraternidade Muçulmana, contra a importante minoria copta na milenar terra egípcia, o seu brutal reaparecimento coloca várias questões que não podem ser abafadas.
      De início, a maligna negligência do poder estatal – hoje, para variar, empolgado pelos militares – que não move um dedo para proteger das tropelias das multidões islâmicas, a despejarem sobre a comunidade cristã-copta toda a raiva que busca desafogar-se dos agravos sofridos por outrem – a saber a inatacável força militar.
      Traduzida na sua linguagem mais simples, como já assinalei, é a covarde lógica do pogrom, que, diante de supostos males sofridos por forças superiores, se dirigia contra a comunidade judia, em essência culpada de ser minoria e, por conseguinte, fraca e exposta às baixarias da malta. Para esta última, os judeus – ou qualquer outra minoria exposta, como os coptas – davam a oportunidade de descarregar o ressentimento havido pela derrubada do representante da Irmandade.
      É a velha e desprezível lógica do redirecionamento da reação pelas ofensas recebidas de uma força maior - que não pode ser contestada – contra outra menor. Para tal, a comunidade copta no Egito é o ‘cristo’ da vez. Minoritária, desarmada e abandonada pela facção armada – no caso, o Exército – constitui a vítima sempre disponível, para o trucidamento e a devastação infligida pelos islamitas, como espécie de oferenda propiciatória ersatz.[1] No altar da intolerância, a turba ignara e também ignava[2] (pois não se atreve a enfrentar o real fautor da situação havida como insuportável) acha mais cômodo atacar a vítima abandonada ao próprio destino, tradicionalmente desprotegida pelo poder estatal.
      Talvez condicionados pelo sentimento do perdão que é imanente na fé cristã, os coptas tendem a ser a comunidade exposta a tal tipo de tratamento. Enquanto não encontrarem uma resposta – que lhes resguarde o mútuo respeito – os cristãos sofrerão agravos e os seus templos serão vandalizados.
      A esse propósito, é emblemático o comportamento da multidão islâmica nos grotões interioranos. Em El-Nazla, ao sul do Cairo, um homem gritou “El-Sisi está matando nossa gente. Muçulmanos, saiam de suas casas !”
      E para quê saíram ? Não para participar dos sit-ins de oposição ao golpe do General Abdul Fattah el-Sisi. Para essa chusma, pareceu mais convidativo investir contra as duas igrejas coptas – que incendiaram e saquearam – assim como o mosteiro, e o fizeram com tal ferocidade, a ponto de despedaçarem altares de mármore.
     Enquanto isso, o poder civil se mantém ausente, cinicamente entregando a minoria cristã à própria sorte, como se os copta fossem cidadãos de segunda ordem. Pagam os mesmos tributos, mas não fazem jus à proteção contra tais torpes depredações. A esse propósito, como bom funcionário da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi nunca encontrou tempo na presidência para visitar sequer uma igreja copta. Com a exceção já referida de Hosni Mubarak, a autoridade árabe muçulmana sói abandonar as comunidades coptas às investidas islâmicas, à cata dos bodes expiatórios da vez.
     Se em El-Nazla e na vizinha El-Zerby não houve mortes, as coisas no resto do país não correram sem sangue cristão. Aos ataques militares contra a Fraternidade Muçulmana, se seguiu... a perseguição islâmica aos cristãos coptas. Ishak Ibrahim, empenhado na ‘Iniciativa Egípcia pelos Direitos Pessoais’, disse ter havido “série de ataques a igrejas, escolas, organizações cívicas, orfanatos e mosteiros. Tudo o que tivesse algo a ver com a Igreja (copta)”. E três pessoas foram mortas em Minya, ao sul.
      Nos cômputos gerais, ocorreu a destruição total de 38 igrejas, além de outras 23, que sofreram danos. O poder civil nada fez para proteger os coptas, em comportamento que não difere de inações anteriores. Os imãs (sacerdotes islâmicos) alimentam a sanha da turba contra os cristãos, a perene vítima da vez, convidativa porque desprotegida. Talvez esta explicação contribua para levantar um pouco mais a cortina da hipocrisia: (as autoridades) apregoam que ‘estavam protegendo as delegacias de polícia dos facínoras da Irmandade Muçulmana’.
      Não surpreende, por isso, que a minoria copta – que seria equivalente a dez por cento da população total (cerca de oito milhões) – vá aos poucos diminuindo, buscando no estrangeiro terras em que não seja nem morta, nem perseguida. Responde com os pés, portanto, à intolerância que a cerca, como outras minorias cristãs no Oriente Médio, a exemplo dos cristãos caldeus do Iraque.

 

(Fonte: International Herald Tribune )



[1] Vocábulo alemão para ‘substituto’.
[2] Pusilânime.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O Canhão Solto do GOP

                                       

         Dos velhos galeões nos ficou a imagem do canhão solto, que por isso poderia atirar em qualquer direção. Daí o terror com a  arma imprevisível, capaz até de atingir a própria nave.
         Se há um canhão solto no governo estadunidense, a Casa de Representantes será o candidato perene que nos virá à mente. De maioria republicana desde a derrota  nas eleições intermediárias de 2010 – que castigaram a errática e um tanto autista Administração Obama no seu primeiro biênio – com a avalanche do Tea Party, movimento da Direita raivosa, esse ramo do Legislativo continua sob domínio republicano, posto que com maioria diminuída.
         Terá sido o guerrymandering interveniente, assim como eventuais peculiaridades sociais, que lograram contrariar na Câmara os índices das eleições gerais de 2014. Posto que favoráveis nacionalmente a Obama e ao Partido Democrata, com o controle da Câmara baixa ficou assegurada a paralisia legislativa, assim como a crise anunciada quando da renovação da autorização ao Tesouro, ao ser atingido o teto fiscal.
         Pouco importa que no passado essa autorização sequer repontaria na primeira página da imprensa, eis os tempos eram outros.  Com a responsabilidade advinda da coesão sócio-política de tempos não tão distantes, uma vez alcançado o teto fiscal – vale dizer, a quantia máxima autorizada para o montante da dívida – a concessão do reajuste se procederia dentro dos parâmetros responsáveis de normalidade entre os dois partidos, o que o tornava uma data burocrática, com a correspondente elevação ajustada de modo consensual.
         Sem embargo, no ambiente atual, essa data virou o pretexto para a tentativa de chantagem política promovida pelos radicais da Câmara. Em 2011, por fraqueza de Obama, que consentiu em negociar o inegociável, a dupla de John Boehner (Speaker) e Eric Cantor (líder da maioria) pôde exibir um dúbio sucesso, que levou até ao rebaixamento por uma das agências avaliadoras da máxima cotação da economia americana.
         Agora, a parca maioria republicana nos deputados ameaça com nova extorsão. Desta feita, o perigo da vez reside na detestada (pela direita colérica) Lei da Reforma Sanitária Custeável (ACA), que está sendo implementada, aprovada pelas duas Casas (no tempo da maioria democrata em Câmara e Senado), e o que não é pouco, julgada constitucional pela Corte Suprema (que tem maioria republicana). Para que se tenha idéia da visceral oposição do GOP ao Obamacare (o apelido dado à reforma pela direita), a Câmara já a ‘revogou’ cerca de 40 vezes. Como essas derrogações (repeal) não acarretam qualquer efeito jurídico, eis que o Senado sequer as considera, se tem a demonstração de que essa negação à reforma da saúde é um ato irracional e alienado.
        De forma atrevida e sobretudo irresponsável, o ‘canhão solto’ da Casa de Representantes ameaça virar-se contra a Reforma da Saúde. Levando a sua dissociação da realidade ao cúmulo, a dupla Boehner-Cantor se proporia valer-se da renovação do teto da dívida fiscal para tentar estropiar o abominado Obamacare.
        Se bem que, por causa de vacilos anteriores, os democratas temam por eventual fraqueza do Presidente, desta feita – inclusive por declarações de Obama que não negociará a respeito – há motivo para que a irresponsabilidade do GOP venha a prejudicá-lo na próxima eleição intermediária, prevista para novembro de 2014. Se os republicanos agirem de forma cega e despropositada – e isto, pelos precedentes, não está excluído – haveria a possibilidade e quiçá a probabilidade de serem castigados nos ditos comícios, a ponto de perderem a maioria na Câmara de Representantes.
        Se tal vier a ocorrer, de intentado grande mal  sairia uma benesse – vale dizer, um governo com maioria legislativa nas duas Casas. A avaliação pela opinião pública da presente Câmara baixa não é das melhores. Se a leviandade da direita ensandecida extravasar os limites – e as indicações abundam nesse sentido – poderá repetir-se o que aconteceu no governo de Bill Clinton, quando os erros do Speaker Newt Gingrich (GOP) foram tantos, que a maioria do chamado Contrato com a América se dissipou, com o retorno dos democratas à maioria entre os deputados.
 

 
( Fonte subsidiária: International Herald Tribune )

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A Linha Vermelha de Obama

                                 

       Há cerca de um ano atrás o Presidente Barack Obama ameaçou Bashar al-Assad  de que o emprego de armas químicas constituía uma linha vermelha para os Estados Unidos. Se o governo sírio a cruzasse, esse atentado contra os direitos humanos não ficaria impune.
       Qualquer governante que preze a própria autoridade e as implicações de suas palavras saberá que as respectivas ameaças, caso deseje ser levado a  sério, não são palavras jogadas ao vento, mas aviso de ação futura, na hipótese de serem desrespeitadas.
       Ignoro como o Presidente dos Estados Unidos pretende agir quanto ao vergonhoso ataque pelas forças de Assad contra civis e muitas, muitas crianças, como o demonstram as fotografias. Os antecedentes não fornecem indicações de firmeza anterior, eis que dois outros atentados semelhantes não produziram qualquer reação efetiva de Washington.
       Falam de investigação das Nações Unidas. Resta saber se Damasco concordará com o ingresso de inspetores em condições de determinar se o ignóbil atentado ocorreu efetivamente. Entrementes, as agências de notícia também transmitem a zoeira das denegações do governo Assad, e a declaração do aliado russo que inculpa os rebeldes por lançarem foguete com um ignoto agente químico.
        Dadas as dificuldades no terreno, o número de mortes e a sua provável causa só serão determinadas se o pessoal especializado das Nações Unidas tiver acesso aos sítios em que o morticínio terá ocorrido, e dispuser da necessária latitude de ação para determinar-lhe as causas.
       A fumaça, no entanto, é demasiado forte, com as fotos de crianças mortas, para que seja crível se trate de rumor sem fundamento. O próprio documento do Kremlin que reporta inaudita capacidade missilística do exército rebelde sírio, com uma carga de agente químico indeterminado, mais parece fazer parte de  tentativa diversionista, diante de evidências muito óbvias. Mas a verdade costuma ser a primeira vítima das guerras.
       A guerra civil síria por uma série de fatores – dos quais não é dos menores a débil e frouxa ajuda prestada pelo Ocidente, sobretudo pelas reticências de Obama, à Liga Rebelde – entrou em nova fase, com  aparente recuperação de Damasco, que desfruta do apoio sem tergiversações de Moscou e de Teerã.
       Diante de mais esta afronta às suas palavras da linha vermelha a não ser cruzada, a Administração Obama se declara muito preocupada com a ocorrência e as incômodas fotos de tantas inocentes crianças estupida e covardemente sacrificadas.
      As advertências, se desejam ser levadas a sério, não devem ser arreganhos de momento, palavras inconsequentes.  Para que mereçam consideração e respeito da parte adversa, precisam traduzir-se, caso ignoradas, nas ações anunciadas. Senão elas serão reconhecidas pelo que parecem ser – bazófias.
      Terão dito – e esperado – que os passados vacilos de Barack Obama tivessem a ver com a respectiva inexperiência. A esse propósito, o episódio recordado foi o do primeiro embate com os radicais da Casa de Representantes, saldado pelo recuo do 44º presidente, com a sua queda nas avaliações da opinião pública, e o desconforto nas fileiras democratas. Posteriormente, Obama terá reagido com mais firmeza às chantagens do GOP, e a tal deve em parte a recuperação nas pesquisas e a vitória nas urnas sobre Mitt Romney.
      No entanto, o dito célebre de Buffon[1] continua a pairar, incômodo, em torno das ações do Presidente. As suas tergiversações na questão síria – chegando a contrariar toda a anterior hierarquia de segurança nacional – têm passado mensagem de um recuo dos Estados Unidos, e da mudança no rumo da longa guerra civil síria.
      As palavras decerto têm peso, e a sua significação está estreitamente ligada com o respeito que lhes é devido. No entanto, se quem as pronuncia, não lhes confere as devidas implicações, que peso elas terão?
 

 
(Fontes:  International Herald Tribune,  O  Globo )



[1] O estilo é o homem.