Muito se tem escrito sobre a suposta vocação histórica brasileira de ser grande exportador de matérias primas. Desde os pristinos tempos coloniais, o nosso país se assinalou nos ciclos do pau-brasil (o colorante de tecidos que daria o nome à Terra da Santa Cruz), da cana de açúcar, do ouro (que custeou obras suntuárias e religiosas na metrópole, mas sobretudo contribuíu para o enriquecimento da Grã-Bretanha e ajudou a financiar a colonização inglesa no que seriam os Estados Unidos) e, por fim, do café.
Depois do Plano Real e o saneamento financeiro – encarniçadamente combatido, é sempre oportuno que se frise, pelo PT, então na oposição – o Brasil foi guindado à categoria das potências emergentes, encabeçando o acrônico dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Por uma série de circunstâncias – notadamente pelo fato de que o governo de Lula da Silva tenha respeitado relativa autonomia do Banco Central, a par de conjuntura econômica favorável – passamos de devedores a credores, inclusive com o prazeroso adendo de emprestar para o caixa do antes abominado Fundo Monetário Internacional (FMI).Graças aos produtos primários – a soja, o café, a carne e agora também o petróleo ( viramos exportadores, livres enfim do rótulo de dependentes importadores) – a nossa condição de potência emergente se descobriu aclamada, com o real sobrevalorizado. Fomos aclamados como o celeiro do mundo, mas muitos não se deram conta de que, em termos de longo prazo, a respectiva condição não mudara de forma objetiva. O Brasil, por sua extensão e pujança, sempre exceleu na área das matérias primas.
Nos tempos de vacas gordas, tal galardão semelha bastante vantajoso, mas são assaz conhecidas a fragilidade destes produtos, o seu menor valor embutido em termos dos fatores de trabalho e de tecnologia. Por isso, e já tivemos a prova, como país essencialmente agrícola e extrativista, nossa economia estará na primeira fila, em termos de prejuízo, quando no carrossel da economia mundial soar a vez de os tempos mudarem,e os parques industriais das nações de alta tecnologia entrarem no ciclo perverso da crise e da recessão econômica.
Na Folha de terça-feira, o renomado físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite publicara artigo intitulado “Retrocesso em ciência e tecnologia”. Demonstra que no Brasil, o orçamento de 2012 para o setor de ciência e tecnologia aparentemente apresenta ganho de 20% com relação a 2011, mas na verdade apenas restaura o valor de 2010. A par disso, a administração Dilma Rousseff ‘impôs corte de 22% no orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia. Como 70% desses recursos se referem a custos fixos (salários, impostos, etc.) pouco ou nada resta para os projetos, mesmo aqueles que já estão em andamento.’
Cerqueira Leite enfatiza a importância da ciência e da tecnologia para o futuro desenvolvimento econômico e social do país. Disso é prova cabal a forte correlação entre o investimento em pesquisas e o PIB per capita das nações.
Vale ainda referir que se o Brasil continuar impedido de realizar pesquisas, estaremos condenados a pagar a mais-valia do processo tecnológico. Se nos tempos de Mario Henrique Simonsen na Fazenda, pagávamos duzentos mil dólares de royalties, hoje a despesa é de dez bilhões, em termos de pagamentos à tecnologia estrangeira.
A sinalização pela Folha de hoje que a participação do setor industrial caíu para 14,6% do PIB, representa brutal regresso a um Brasil ainda trôpego industrialmente, em 1956, no primeiro ano do Governo JK.
O auge da participação industrial seria em 1985 de 27,2%. Mesmo com os entraves de economia inflacionária, a indústria alcançou este importante patamar, equivalente a pouco mais de um quarto de nosso Produto Interno Bruto. Desde então – e todos os governos posteriores são disso responsáveis - a parcela industrial tem diminuído.
É bem verdade que o modelo a princípio introduzido por Kubitschek, em termos de indústria automobilistica, correspondia ao esquema de ‘feitorias’, v.g., montadoras de automóveis de tecnologia estrangeira, com uma progressiva nacionalização no campo das indústrias subordinadas ao setor de autopeças.
O Estado permitiu que desaparecessem as montadoras nacionais – tanto as surgidas posteriormente, enquanto aquelas existentes – para que o Brasil tivesse o dúbio apanágio de ser o único BRIC a não dispor de indústria automobilística genuinamente nacional. Excluídas as indústrias de autopeças,submetidas ao regime do monopsônio, e da consequente dependência junto a único comprador, o setor automobilístico configura a feitoria estrangeira, que está sempre pronta a remeter os respectivos lucros para a matriz. Por outro lado, entende-se que a filial tupiniquim deve utilizar a tecnologia alienígena, o que já implica em sangria em termos de royalties.
Por outro lado, a chamada agro-indústria, que na verdade é a versão atualizada da produção de commodities para consumo externo, mantém nossa tradição colonial de fornecimento de matérias primas e insumos. É, por conseguinte, apenas um enfeite enganoso quanto ao real significado de sua natureza primária, de baixo valor agregado. Mencione-se, en passant, o seu caráter potencialmente nocivo à preservação ecológica, com o abatimento das florestas, e consequente deterioração climática e perda irreversível em termos do ambientalismo. É a reedição da velha troca Esaú e Jacó, aquele ficando com benefício momentâneo, e o outro com a vantagem permanente.
O nosso desenvolvimento industrial e tecnológico também se ressente, e a fortiori no governo do PT, de Lula da Silva e agora de Dilma Rousseff, com os baixos valores atribuídos ao investimento e à tecnologia, em detrimento dos custos correntes, no empreguismo público e no assistencialismo desvairado.
Nesse contexto, nosso Congresso, sob o domínio dos retrógrados ruralistas, não é o retrato da Nação – porque bem diverso é o sentir da sociedade civil e da opinião pública, como amiúde expresso em manifestações e pesquisas. Infelizmente, a legislação ambientalista, malgrado toda a acrescida consciência dos últimos anos, vem sendo deformada pelos preconceitos e a obtusa ganância das hostes ruralistas.
Dessarte, por obra do atual governo petista, que não privilegia o futuro, preferindo os gastos eleitoreiros de fôlego curto, e de um Congresso das quartas-feiras, que malbarata os nossos recursos florestais e ambientais, únicos em um mundo devastado, a perspectiva para o Brasil é a da potência emergente do subdesenvolvimento, com um meio ambiente em progressiva deterioração.
(Fonte: Folha de S. Paulo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário