sexta-feira, 16 de março de 2012

CIDADE NUA V

O Espelho Mágico  (3)


        Como em transe, levanta-se da cadeira. Não havia pratos, nem copos, nem qualquer sinal de consumo em cima da toalha. De repente, o restaurante ficara deserto. Todos, fregueses e garçons tinham saído para assistir ao espetáculo dos fogos. Sem pressa, atravessa a sala vazia e sai para a calçada. Nunca morrera de amores pela festa da virada. Depois da chegada do Ano Novo, o show pirotécnico, que todo o povo reunido nas areias e calçadões, e a muralha dos brancos navios ancorados ali estavam para admirar. Toda vez em que se decidira a ser mais um espectador guardara a impressão de que o concerto de luzes não mudara grande coisa em relação às versões anteriores. Tudo permanecia igual, com a mesma contagem regressiva, o mesmo júbilo, as mesmas estrelinhas e centelhas a coruscarem no breu da noite. A única diferença, a cada ano, se achava no subreptício avanço de um número para compor o motivo da festividade. Haveria sempre incontável multidão a participar do regozijo em despedir-se do ano velho e saudar o ano novo. Imaginava grande carrossel que com a pontualidade dos astros chegava na hora certa para encenar a geral ilusão de que tudo iria recomeçar de zero. Talvez ao sentir a vacuidade do teatro, dele não quisesse participar. Quem sabe desejasse dissociar-se  do que julgava fosse espécie de farsa coletiva.   

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         Naquela hora os fogos não iriam demorar muito para terminar. A fumaça negra, que sempre se acumula, principia a dificultar a visão, sobretudo nas áreas mais laterais. Também a sua procura o levara para bastante longe. Sentindo a vontade de retornar, reencetou a caminhada, só que do outro lado, junto da praia. Quer deixar logo para trás o remanso do Leme. Passando à distância da gente que ainda espicha o pescoço para não perder a festa das luzes, vai aos poucos estugando o andar. Conhecia bem a larga faixa de areia. Mesmo antes do aterro, a praia ali sempre fora mais ampla. Tampouco ignora que quando os últimos fogos deixarem as barcaças, quase todo o mundaréu  se lembrará que chegou a hora de voltar para casa. Não é que muito diferisse deles nesse aspecto, se bem que mais quisesse regressar ao seu bairro do que meter-se no apartamento. Por ora, nenhum  interesse em reencontrar as mudas, trombudas paredes. Queria isto sim revisitar os botecos e rever os conhecidos, fossem velhos ou novos. O jeito é apertar o passo, antes que a multidão se desfaça em  mar de retornantes, cada um com o seu destino especial, o que o prenderia em virtual barreira de sargaços humanos. Não desconhece que será esforço baldado. O espetáculo já vai terminar. Não importa se a vantagem acaso obtida seja pífia. Enquanto possa, tem prazer em que  o próprio avanço pareça menos lento e desajeitado, de o que sucederia se já estivesse a nadar contra a corrente. Lá pelo Copacabana Palace cessa o foguetório e de pronto a caminhada se torna mais complicada. O rumo de toda aquela concentração não coincidia com o seu. Se refluíam na direção da avenida Nossa Senhora de Copacabana, ele busca seguir em frente pelo calçadão. Contudo, o atropelo não perdura  muito. Como imediato fora o seu efeito, a queda dos dominós seria geral. Transcorridos uns minutos, o passeio está de novo desimpedido. Não que esteja deserto. Ainda há bastante gente, dispersa em grupos e casais, porém agora ele pode prosseguir na sua rota solitária, sem ter de parar a cada instante. Desse modo, sem importar-se com quem quer que seja, sem perder-se na garimpagem de rostos desgarrados,  irá  surpreender-se quando topa com as cercanias do Forte de Copacabana, e entra na Francisco Otaviano. Vindos de Ipanema, os carros retomavam a posse das ruas. Empurrados para as calçadas, os pedestres já não formam as correntes de antes, quando horas atrás tomara a avenida Atlântica no sentido inverso. Dos compactos pelotões, a maioria desaparecera na noite. Restam apenas os gatos pingados de sempre, na incerta derrota da alta madrugada e de suas vagas promessas.

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