sábado, 10 de março de 2012

Continua a Carnificina na Síria

               
        Será que Bashar al-Assad, ao receber o enviado especial de Ban Ki-moon, Kofi Annan, ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, tem alguma intenção de atender aos reclamos da comunidade internacional ?
        Tais visitas me recordam as missões bem-intencionadas de personalidades que pleiteavam a causa da paz, às vésperas de setembro de 1939. Adolf Hitler poderia até recebê-las, mas a posteridade sabe do resultado de tais vãs empresas.
       Segundo Annan o escopo de sua missão é “buscar um fim urgente para as violações dos direitos humanos e encetar esforços para uma solução pacífica”.
       Está decerto batendo na porta errada. O oftalmólogo Bashar carece apenas do apoio de Vladimir Putin, o democrata recém-reeleito com urnas estufadas pela fraude. Com o  veto russo no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o filho de Hafez al-Assad pode imitar o pai, na sua metódica devastação de Hama, em 1982.
       Nesse contexto, é de todo justificável o comentário de Abdel Aziz al-Khair, membro do Comitê Executivo do ‘Organismo de Coordenação Nacional para a Transformação Democrática’:  “a visita de Annan é um pequeno sinal de esperança, posto que bastante fraco (dim)”.
       Poder-se-ía aplicar ao comentário da Embaixadora Susan Rice, Representante Permanente dos Estados Unidos nas Nações Unidas, a célebre crítica feita por Jean-Jacques Rousseau ao Abbé de Saint-Pierre, no que tange a suas proposições para o concerto europeu no século XVIII: ‘grandes ideias, mas pequena visão (política)’. Com efeito,  segundo Rice, ‘a missão de Annan seria a de coordenar uma transição rápida em que Assad se afaste (steps down), e que o povo da Síria possa escolher um governo interino que seja representativo e que prepare as eleições’.
       O afável tirano Assad recebe, à maneira árabe[1] (e também oriental),  os dignitários que batem à sua porta – e ainda não são poucos, como o atesta o ministro do exterior de Putin, Sergei Lavrov – mas será que gente da experiência e traquejo de Annan pode alimentar ilusões quanto a repentinos repensamentos de quem faz ocas promessas em público, enquanto reprime com o fuzil e outros instrumentos mais potentes os gritos de liberdade da população síria ?
       Como nota de pé-de-página da humanitária missão de Annan, na mesma manhã houve o macabro registro de ulteriores doze mortes. Em violentos choques na cidade de Daraya muitos manifestantes caíram.
      Diante do procedimento autista do tirano Bashar, quiçá as palavras do Primeiro Ministro do Qatar, o xeque Hamad ibn Jassem al-Thani, ressoem no gabinete do déspota com mais vigor: ‘É hora de mandar forças árabes e internacionais para a Síria. Encareço a todos na oposição síria a se unirem e reconhecerem o Conselho Nacional Sírio como representante da nação’.
     Por sua vez, Valerie Amos, a encarregada do setor humanitário nas Nações Unidas,  afirmou: ‘Há crise humanitária, com escasso ou inexistente acesso a alimentos, água corrente, eletricidade e assistência médica’.  A alta funcionária visitou Homs e partes do distrito de Baba Amr. Conforme observou, quase todos os prédios foram arrasados, e não há mais gente nessa área. Daí a sua forte inquietação com a situação das pessoas deslocadas de Baba Amr.
       As vítimas fatais da revolução síria – que se apresta a completar um ano – já ultrapassaram a marca dos 7.500.   Quanto às atenções dos militares a serviço de Bashar, das forças de segurança e demais esbirros do regime, o tratamento dispensado aos jornalistas estrangeiros que ousaram adentrar a área conflagrada semelha suficiente para apagar quaisquer incertezas quanto ao desrespeito do mais elementar direito humano.
       A CIA e demais organismos de inteligência continuam céticos sobre as perspectivas do levante. As defecções até agora se circunscrevem a oficiais de baixa hierarquia. Tampouco dão muito tento aos soldados rasos que aderem à revolução. De acordo com a sua avaliação, não pesam na balança de modo a afetar, por enquanto, o apoio a Bashar al-Assad.
       Há nos organismos de segurança o vezo da cautela excessiva, na apreciação das perspectivas revolucionárias. Não é questão de simpatia, mas de certa prudência e resguardo funcional, dentro da auto-proteção dos serviços a que incumbe fazer predições.
       Nesse contexto, parece oportuno lembrar as palavras de Abdel Aziz al-Khair, da resistência síria: ‘Desde o início da revolução o regime bate na mesma tecla de que luta contra gangues terroristas armadas, militantes e sabotadores. Todo mundo sabe, no entanto, que isto é bobagem, uma tola propaganda. 99% dos manifestantes são cidadãos sírios comuns que desejam um amanhã melhor.’




( Fonte:  CNN )

  



[1] As ornadas cadeiras dispostas junto à parede, em fileiras de precedência, encabeçadas pela do presidente que recebe, e a maior autoridade visitante, a que se seguem, respectivamente, os demais membros das duas comitivas.

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