terça-feira, 20 de março de 2012

CIDADE NUA V

O  Espelho Mágico  (6)
 
       Que se lembrasse, nunca se dera o trabalho de entender do motivo de sua indisposição com feriados. Se lhe perguntassem, costumava afastar a indagação com  gesto largo e talvez um muxoxo. Sei lá, diria mais tarde. Enquanto outros chuleavam por longas pontes e das viagens que fariam, ele só sentia tédio. A falta de movimento nas ruas. Como se tudo fechasse pra balanço. A pasmaceira e com ela o peso da solidão. Sim, devia ser por isso. Nada, assim, podia ser pior do que o primeiro do ano. Depois de toda aquela agitação, de festa, alegria, fogos, esperança, dessas e de tantas outras coisas que pensara deixar na sola dos sapatos, agora o que lhe restava ? Um dia interminável, vazio de tudo, até das ilusões da véspera.

                                                *      *

        Se ainda está de fora, se vive o assistente das comemorações alheias, não se sente alijado. O seu psicanalista lhe diria que vive intensamente o que não deixa de ser uma participação vicária nos festejos de outros. Seria como se a própria solidão diminuísse por atrito ou pela contemplação que lhe dá a oportunidade de vivenciar um pouco do  contentamento de estranhos. 

                                                   *      *

        Tem de fugir das quatro paredes. Terminado o café da manhã, nada lhe prende e tudo o escorraça de casa. Sabe que não vai encontrar nem supermercados  abertos. Calçadas desertas. Até a Vieira Souto tem  ar de fechada pra balanço. Sem escolha, no entanto, se dispõe a um novo mergulho na rua. Só que ontem diria que a piscina estava cheia, hoje a esvaziaram para renovação.
         Será que sai para caminhar como esses loucos mansos que percorrem Ipanema, Leblon, e circundam até a Lagoa, fisionomias tão compenetradas quanto impérvias ?
         Ainda não cheguei lá, murmura num meio-sorriso. Por ora, só deseja por-se ao largo, escapar ou manter à distância sabe bem de que.
        Mais tarde, voltará ao boteco dos amigos. Esperando que alguns do grupo queiram aí bater ponto, cansados das reuniões familiares. Mas isto só será pro fim do dia. Agora, nem pensar.
        Segue devagar pelo calçadão meio deserto da Vieira Souto, para os lados do Leblon. Anda sem muita convicção até bater com um quiosque em que nem todas as mesinhas estão vazias. Com o cansaço tresnoitado, se arria na primeira cadeira à sua frente.
         Extenuado, respira fundo. Olhos fechados, pende para um lado, abertos os dedos da mão direita a apoiar-se na fronte.         
        “Você deve estar muito cansado.”

 ( A continuar )
                                                     

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