terça-feira, 27 de março de 2012

CIDADE NUA V

O Espelho Mágico  (12)


        Agora as reuniões no boteco com a turma o aborrecem. Surpreende-se a observar com vistas críticas o visual dos companheiros. É um olhar duro, impiedoso, de quem passou a julgar-se diferente daqueles rostos vincados pela idade. De uma certa forma, via no grupo o que ele fora. Por vezes, se assusta com a própria atitude. Sabe que se dissocia da realidade, que a sua aparência não mudou em nada, e tudo aquilo poderia ser comparado a uma alucinação controlada.
         No entanto, quase sem querê-lo ele se compraz com o jogo, a ponto de não se importar com as reações intrigadas e os abespinhados entreolhares. Nessa hora, ele não tem dúvidas sobre a pergunta que compartilham : quem esse sujeito pensa que é ?
        Depois se arrepende e procura ser o Alberto de antes. Sente, contudo, que há uma barreira. Nas conversas, piadas, até nas fofocas. Debalde trata de disfarçá-la.
        Mas não consegue. E o pior é que o alívio só vem quando sai para a rua, deixando para trás os velhos cupinchas.

                                                 *      *

        Depois se lembrou como foi. E achou engraçado. Por segunda vez, tudo acontecera de forma fortuita. Saíra apressado para a rua, choviscava, só queria passar no caixa do banco para tirar uns trocados pro fim de semana.
        Fazia um frio esquisito, fora de estação. O carioca não está preparado para temperaturas baixas. Aliás, baixas – é bom que se explique – se tivermos presente o eterno verão do Rio de Janeiro. Em outros tempos, havia estações mais marcadas. Hoje, o aquecimento global tornara isso apenas lembrança das velhas gerações. Não espanta que a turma jovem sequer tivesse jaqueta ou casaco mais grosso.
        Assim, nessas improvisas friagens ele se divertia em contemplar o festival de horrores que encontrava nas calçadas. Não era incomum cruzar com gente de braços cruzados, sem suéter ou qualquer abrigo, no andar o passo estugado de quem se sente forasteiro na própria casa.
         Ela vinha desgarrada, na beira da calçada. Pareceu-lhe um pouco encolhida, o jeito transido de alguém que foge da intempérie.
         Para sua surpresa, com olhos compridos ele se pilhou a buscar-lhe o semblante.
Talvez se terá dado conta, e a sua primeira, instintiva reação foram as vistas baixas, na modéstia dos encontros de rua.
         Havia no seu modo de ser a graça natural de um encanto tão sorrateiro, quanto envolvente.  De pronto, se vê cativado por suave, bem dosada mescla de finura e feminilidade.  Não resiste, portanto, a lançar olhares insistentes, a que move instinto vizinho do predador. Não ignora o que implica a esperançosa ânsia de fitar a jovem e formosa estranha. Não obstante, parece comprazer-se no jogo de cartas marcadas.
                                                 *      *
                                                                                         (a continuar)

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