quinta-feira, 22 de março de 2012

CIDADE NUA V

O  Espelho  Mágico  (8)


        Mais tarde, tudo lhe pareceria um sonho. Como se o tempo não tivesse importância. Ou melhor dizendo, como se tudo se resumisse em estarem junto. De repente,  esquecera o relógio. Os passeios, as caminhadas, os deslocamentos tampouco tinham importância. Na verdade, os dois viajavam no olhar. Ele se esquecia na contemplação daqueles olhos azuis. O prazer, a emoção que sentia em lançar-se fundo, em perder-se no abandono sorridente de um eterno, confiante risco do mergulhador de Paestum. No brilho alegre das centelhas não distinguia poços de luxúria, mas cenas de um filme em que se descobria protagonista. Onde estavam, o que faziam, não era assim tão relevante. Algo superior os rodeava e lhes explicava cada movimento, cada expressão de infinda ternura.
        Por instantes, guardam a impressão de que estão numa corrente que cuida de levá-los, sem qualquer outro desígnio que o de manifestarem a própria vontade de união, uma união a desconhecer o tempo, os prazos, as escalas. A paisagem, enquanto lhes tomasse atenção, os aborrecia.
       Os lugares por onde passaram, os bares, o restaurante, o quarto dela, o seu monacal apartamento só existiam na memória porque replicavam o convívio dos dois, e os extremos de uma conjugação de sentimentos.
       A peça que intensamente viviam dispensava cenários e figurantes.
       Por todo o período que o destino lhes reservara, eles se bastariam.
       Até o ponto final no aeroporto.
       Ali o esperava o vazio que truncava, como em corte desajeitado de mau diretor, a inédita e mágica promessa.                 

                                                   *      *

Nenhum comentário: