quarta-feira, 21 de março de 2012

CIDADE NUA V

O  Espelho Mágico  (7)



        A princípio, pensa que não é com ele. Mas a voz lhe  chega de perto,muito perto.
        Na dúvida, arrisca espiada de lado.
        Defronte dele, um rosto jovem.
        Continua sem entender. Prefere, no entanto, não se fazer de rogado.
        “ Põe cansado nisso.”
        “ Pelo visto, o réveillon foi animado...”
        “ Bastante... gente demais...”
        De pé, à sua frente, ela sorri. Os cabelos louros lhe caem sobre os ombros.
        Confuso, dá-se conta de que está escarrapachado na cadeira, enquanto a moça o encara com ar divertido. Embora não possa atinar com o motivo do tratamento, a sua formação o faz levantar-se.
         “Desculpe, não é do meu feitio ficar sentado... Você aceitaria tomar algo aqui comigo ?”
         Erguera-se às pressas, e sem o querer,  dela fica muito próximo. A beleza de suas feições, a naturalidade dos gestos, a elegância da postura, se a um tempo o atraem, também o turbam sobremaneira. Enquanto, enleado, mergulha na alegria daqueles olhos azuis, se pergunta se não está sendo abordado por garota de programa.
        “ Com muito prazer !”   
         A formosura da estranha o leva a ignorar a suspeita. Seria como se as suas vistas a abraçassem. Com intensidade de que não mais se acreditara capaz, ele a envolve com  o olhar.
       A admiração do desconhecido, ao invés de embaraçá-la, parece divertir.
       “ O quê você gostaria de beber ?”
        “ Acho que, pra começar, um coco estaria bem...”disse ela, com o jeito irônico e certa familiaridade que já o encantam.
       Estala os dedos e faz, em seguida, o sinal de dois. Sem fregueses, o atendente acorre pressuroso.
       Ambos seguram as cabaças. Em silêncio, sorvem do líquido.
       “ Nada melhor, não acha ?”
       Com meneio da cabeça, ele assente.
       “ Você não é de falar pelos cotovelos, né ?”
       Surpreso pela estocada, de novo a encara.
       A visão o seduz, a ponto de esquecer a indagação. Animados, os seus olhos a procuram. Deleita-se com a face que é tão prazerosa de se ver. E se assombra com duas coisas: a floração, a louçania do semblante e a impressão de que ela esteja interessada nele.
       Tampouco abaixa o olhar. Sorridente, diria que se diverte.
       “ Você tem um jeito muito sério...”
       De leve, ele agita a cabeça.
       “ Nem tanto...”
        Devagar, as vistas se afundam nas ternas pupilas. Que, para assombro seu, não se furtam.
        Intrigado, não atina com a reação. Faz tanto tempo já que os olhares se desviam, ou que pareçam espelhos de pedra... O súbito interesse, a inesperada abertura o confundem.
       “Como é que você se chama ?”
        A interrogação paira no ar como algo postiço, enquanto continua a fitá-la.
       “Graça”, ela sussurra. “ E você ?”
       “ Alberto.”
        A conversa avança, mas sobretudo a sensação de sorrateira cumplicidade, que os aproxima sempre mais, a despeito da mesa a separá-los.
       A vontade de abraçá-la, de tê-la junto dele lhe corre nas veias. E, para sua surpresa, tudo nela parece corresponder a esse desejo.
       “ Graça, você não é do Rio...”
       “ Bingo...”
       A resposta brincalhona traía um certo desaponto.
       “ Quer dizer que está de passagem ?”
       “ Sim.”
       Tinha a pergunta na ponta da língua, mas receava a má notícia.
       “Eu moro em Nova York.”
       Não pôde disfarçar que os lábios se comprimissem.
        “ Bem, não adianta tapar sol com peneira. Viajo de volta amanhã. Vim só por uma semana”, disse ela, com ar desenxabido.
       Respirou fundo. Se ainda não entendera o quê a motivava a seu respeito, o anúncio da partida o deixou meio atordoado. Ficava difícil ocultar o desalento.
        “ Quem sabe não é o começo de uma bela relação?”, exclamou, com sorriso amarelo.  
        Ela assentiu, embora o sorriso de antes não a acompanhasse.

                                                   *      *

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