A princípio, pensa que não é com ele. Mas a voz lhe chega de perto,muito perto.
Na dúvida, arrisca espiada de lado. Defronte dele, um rosto jovem.
Continua sem entender. Prefere, no entanto, não se fazer de rogado.
“ Põe cansado nisso.”
“ Pelo visto, o réveillon foi animado...”
“ Bastante... gente demais...”
De pé, à sua frente, ela sorri. Os cabelos louros lhe caem sobre os ombros.
Confuso, dá-se conta de que está escarrapachado na cadeira, enquanto a moça o encara com ar divertido. Embora não possa atinar com o motivo do tratamento, a sua formação o faz levantar-se.
“Desculpe, não é do meu feitio ficar sentado... Você aceitaria tomar algo aqui comigo ?”
Erguera-se às pressas, e sem o querer, dela fica muito próximo. A beleza de suas feições, a naturalidade dos gestos, a elegância da postura, se a um tempo o atraem, também o turbam sobremaneira. Enquanto, enleado, mergulha na alegria daqueles olhos azuis, se pergunta se não está sendo abordado por garota de programa.
“ Com muito prazer !”
A formosura da estranha o leva a ignorar a suspeita. Seria como se as suas vistas a abraçassem. Com intensidade de que não mais se acreditara capaz, ele a envolve com o olhar.
A admiração do desconhecido, ao invés de embaraçá-la, parece divertir.
“ O quê você gostaria de beber ?”
“ Acho que, pra começar, um coco estaria bem...”disse ela, com o jeito irônico e certa familiaridade que já o encantam.
Estala os dedos e faz, em seguida, o sinal de dois. Sem fregueses, o atendente acorre pressuroso.
Ambos seguram as cabaças. Em silêncio, sorvem do líquido.
“ Nada melhor, não acha ?”
Com meneio da cabeça, ele assente.
“ Você não é de falar pelos cotovelos, né ?”
Surpreso pela estocada, de novo a encara.
A visão o seduz, a ponto de esquecer a indagação. Animados, os seus olhos a procuram. Deleita-se com a face que é tão prazerosa de se ver. E se assombra com duas coisas: a floração, a louçania do semblante e a impressão de que ela esteja interessada nele.
Tampouco abaixa o olhar. Sorridente, diria que se diverte.
“ Você tem um jeito muito sério...”
De leve, ele agita a cabeça.
“ Nem tanto...”
Devagar, as vistas se afundam nas ternas pupilas. Que, para assombro seu, não se furtam.
Intrigado, não atina com a reação. Faz tanto tempo já que os olhares se desviam, ou que pareçam espelhos de pedra... O súbito interesse, a inesperada abertura o confundem.
“Como é que você se chama ?”
A interrogação paira no ar como algo postiço, enquanto continua a fitá-la.
“Graça”, ela sussurra. “ E você ?”
“ Alberto.”
A conversa avança, mas sobretudo a sensação de sorrateira cumplicidade, que os aproxima sempre mais, a despeito da mesa a separá-los.
A vontade de abraçá-la, de tê-la junto dele lhe corre nas veias. E, para sua surpresa, tudo nela parece corresponder a esse desejo.
“ Graça, você não é do Rio...”
“ Bingo...”
A resposta brincalhona traía um certo desaponto.
“ Quer dizer que está de passagem ?”
“ Sim.”
Tinha a pergunta na ponta da língua, mas receava a má notícia.
“Eu moro em Nova York.”
Não pôde disfarçar que os lábios se comprimissem.
“ Bem, não adianta tapar sol com peneira. Viajo de volta amanhã. Vim só por uma semana”, disse ela, com ar desenxabido.
Respirou fundo. Se ainda não entendera o quê a motivava a seu respeito, o anúncio da partida o deixou meio atordoado. Ficava difícil ocultar o desalento.
“ Quem sabe não é o começo de uma bela relação?”, exclamou, com sorriso amarelo.
Ela assentiu, embora o sorriso de antes não a acompanhasse.
* *
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