Dir-se-á que Dilma Rousseff está pagando o preço da própria inexperiência política, talvez conjugada com o mandonismo da gestora primeira-ministra. Se a tal postura agregarmos uma inepta assessoria parlamentar teremos já a receita do desastre muito bem encaminhado.
Sem embargo e apesar de todo o esforço da Presidenta em mostrar que não é do ramo, me parece necessário e mesmo elementarmente justo postular uma linha diversa de raciocínio. Se o Brasil não é um país sério, como afirmou no passado o general Charles de Gaulle, então presidente da França, francamente não me atreveria a confirmá-lo.
A falta de seriedade, no entanto, vamos encontrá-la no atual paradigma, o chamado modelo lulo-petista de governança, montado de afogadilho após a lamentável confusão do mensalão, e mais tarde guindado a píncaros demenciais na dita base aliada.
Essa descomunal coligação, costurada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não tem plataforma de princípios, nem perde tempo em enunciar metas comuns, reformas e confessáveis objetivos de administração. É mera aliança fisiológica, no velho estilo patrimonialista de governabilidade.
O espetáculo que essa desconchavada base deu na última quarta-feira, aprontando várias ações cujo único escopo era o de aperrear o Palácio do Planalto, aconteceu com previsibilidade que chega a ser perturbadora na implementação de objetivos, que apenas lhe expõe a tacanha natureza.
Se me solicitassem defini-la por um grande traço, não hesitaria em propor fosse o da coerência. Assim, o levante da base aliada só poderia ocorrer na quarta-feira, única jornada laborativa plena para deputados e senadores. Também a coerência se afirma com atroador berro ao confirmar seja o completo menosprezo da palavra empenhada (compromissos com a Fifa), seja do interesse nacional, ao tentar envolver autoridades financeiras em convocações irresponsáveis. A coerência está igualmente na falta de qualquer princípio ou projeto alternativo sério. Sem condições de fazê-lo – que fôlego pode ter semana de um só dia útil ? - o bando dos congressistas só poderia recorrer a molecagens, maneiras travessas de embaraçar a Presidente e a sua Ministra-Secretária de Relações Institucionais.
Não devemos, contudo,nos deixar enlear pelo episódico. Se alimentamos a esperança de nos livrar das peias do subdesenvolvimento político, é imprescindível remontar às autênticas causas do atual desgoverno.
Pereiras dão peras, macieiras dão maçãs e esse Congresso só pode dar farsas como a desta semana.
Se quisermos recuperar a seriedade da função legislativa – e fugir de patacoadas – proporia a adoção de princípios singelos, mas abrangentes.
O voto de cada cidadão é paritário de pleno direito: terá o mesmo peso, seja em São Paulo, seja no Amapá. Assim, os 513 deputados serão distribuídos pelos diversos estados, de forma exatamente correspondente ao número do respectivo colégio eleitoral. Não haverá dessarte o almoço grátis de partir com bancadas de no mínimo oito deputados, nem se cerceará a vontade do Povo Soberano, impondo tetos às representações estaduais respectivas. Para os estados que não atinjam o coeficiente mínimo, se transformará a unidade federativa em um único distrito, para que tal estado esteja presente na Câmara. A tal propósito, em todos os demais estados com mais de um deputado, as Assembleias estaduais determinarão os distritos eleitorais, em número correspondente à bancada do estado na Câmara. É importante que o povo conheça o seu deputado, e com ele se relacione. Terão mandato de quatro anos, e a respectiva eleição coincidirá com o mandato de governador e deputados estaduais. Prefeitos e vereadores terão igual mandato, que não será coincidente com os de governadores, senadores e deputados federais.
No Senado, além de eliminar-se a excrescência jurídica do suplente, cada Estado terá dois senadores, assegurando-se desse modo a igualdade na representação federativa. Ao ocorrer o humano impedimento entre os pais da pátria, será realizada eleição para prover a vaga, pelo restante do mandato do Senador impedido. Somente se o período for inferior a doze meses, o Governador do Estado, com o aval da Assembleia, designará senador para o restante do mandato.
No passado, o legislador procurou compensar a suposta desigualdade dos estados, inchando-lhes as representações junto à Câmara. Muitas dessas alegadas bondades foram conjuminadas pelo regime militar, que julgava mais confiáveis as bancadas oriundas de estados sob o domínio de coronéis. Tornando desigual o sufrágio e os respectivos coeficientes eleitorais, quebravam a paridade do voto e tornavam possível que o Congresso não mais fosse a caixa de ressonância do Povo soberano.
Com efeito, é inadmissível que a vontade nacional venha a ser descarectarizada. Permitam-me um simples exemplo para sublinhar tal imperativo democrático. Na primeira metade do século XIX movimento popular se empenhou na Grã-Bretanha para que a representação na Câmara dos Comuns correspondesse aos anseios da maioria. A reforma política foi afinal realizada, de forma a abolir-se com os chamados burgos podres, que pela sua manutenção refletiam realidades desde muito superadas e que contribuíam para desvirtuar as votações na Câmara baixa. Há consenso de que a Grã-Bretanha evitou os traumas e as injustiças de uma revolução – como no caso da França – assegurando que as mudanças necessárias fossem realizadas pacifica e consensualmente pelo voto de assembleias que passaram a refletir a realidade social prevalente.
Nós, por irresponsabilidade dos constituintes – e com a ajuda do regime militar, interessado em representações mais facilmente manejáveis – montamos essa capenga desigualdade política, com bancadas inchadas, eleitas por coronéis. Alguém acredita que o Brasil moderno e urbano possa ter como representativa essa bancada ruralista de 233 deputados, quase a metade de sua composição ? Por obra e graça desses aprendizes de feiticeiro da política, a Câmara com sua representação adulterada, nos brinda com monstrengos políticos, como o das votações do Código Florestal. Para salvar-nos dos contrassensos da ganância ruralista, que deseja desfazer-se da obra de gerações na sua insana corrida para o desmatamento e a estúpida destruição de nosso maior recurso natural, que é a floresta com todas as suas benesses, teremos acaso de recorrer ao plebiscito para recompor a realidade desfigurada por um sistema artificial, que está na contramão da opinião pública ?
As verdadeiras maiorias não podem renunciar ao imperativo de estabelecer sistemas constitucionais e eleitorais que espelhem a presente realidade, para que não soframos a esdrúxula consequência de regredir no tempo, e parecer que ainda somos sociedade sob o império de proprietários de terra absenteístas e seus míopes preconceitos.
O descompasso do Congresso com a realidade nacional tem muitas causas. Não é das menores aquela que acarreta uma representação desequilibrada. Os ameaçados mostrengos que resultam de falsas maiorias só podem acirrar os desastres ambientais e despojar-nos de riqueza única no mundo.
O Presidente da República voltará a ter mandato de cinco anos, vedada a reeleição imediata. Tampouco se permitirá a reeleição imediata para governadores e prefeitos.
A semana laborativa do Congresso será de cinco dias úteis. Para os deputados e senadores que não comparecerem ao plenário e às comissões nesses dias, se deduzirá de forma automática o desconto salarial.
Por outro lado, os congressistas terão direito a treze salários, como os demais funcionários. Não fazem jus a nenhuma outra remuneração ou verba de pessoal. A sua assessoria corresponderá a parâmetros fixos, à presença na Capital da República, e os desvios de verbas e dotações serão objeto de ações do Ministério Público.
O voto do congressista será sempre aberto, proibido o voto secreto.
Os deputados e senadores terão direito a uma passagem aérea mensal para a capital de seu estado. Estão excluídos desse benefício os senadores e deputados pelo Distrito Federal.
Há muitas outras providências e reformas que a República Federativa do Brasil exige. As grandes marchas começam com um passo. Com a palavra as lideranças responsáveis e afinadas com a vontade do Povo Soberano.
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