Aprovado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas por unanimidade – após a Rússia ter excluído dois ítens que poderiam justificar ações coercitivas de parte das Nações Unidas -, e com o aceite de Bashar al-Assad, o Plano Annan se depara com clara encruzilhada.
Em outras palavras, o Plano do ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, não admite o sucesso pela metade. Aplica-se a disjuntiva do aut[1] – aut, na medida em que ele é insustentável, se houver a implementação parcial dos seis pontos cobertos pelo Plano.
De certa maneira, o enfoque pessimista caracteriza as reações ao Plano. Elas só diferem na ênfase. A versão pessimista radical é expressa por David Schenker, que é membro de Programa sobre Política Árabe. Schenker prevê o malogro da iniciativa. Ao endossar a continuada supervisão por al-Assad das aspirações do Povo sírio, o Plano Annan representa uma dádiva para o ditador, e um empecilho para a oposição.
Por outro lado, Ed Husain, membro do Conselho de Relações Exteriores, considera que o citado Plano constitui a última chance para o presidente Bashar. Ao não excluir in limine a eventualidade de um êxito, carrega, não obstante, na prevalência de um viés pessimista, ao observar que o ditador deveria considerar as ofertas de exílio colocadas na mesa pelos governos de Doha (Qatar) e Túnis.
Dessarte, para que Bashar não tenha o mesmo destino de Muammar Kaddafi, duas capitais lhe oferecem asilo. É de notar-se que não é o abrigo incondicional de que se serviu Ben Ali, o primeiro déspota a cair pela Primavera Árabe, deflagrada como se sabe pela auto-imolação de Muhamad Bouazizi. O eterno presidente tunisiano correu para a Arábia Saudita e seu regime absolutista, com familiares e valores amealhados. O asilo em Túnis e Doha para o segundo al-Assad não teria a mesma congenialidade, sobretudo no Qatar, que tem papel pró-ativo entre os opositores do regime alauíta, inclusive com o fornecimento de armas ao chamado Exército Sírio de Libertação.
A debilidade do Plano Annan estaria, sobretudo, em não impor condições inelutáveis para o tirano. Após um ano de sublevação – encetada em Deraa, ao sul – a repressão de Assad acumula mais de nove mil mortos, com negras páginas de torturas, sevícias e assassínios de crianças e jovens. Que se lhe dê a oportunidade, nessa altura de uma virtual guerra civil, de assumir compromissos para o futuro no que tange aos direitos humanos (terminar com a repressão, cessar os bombardeios de centros urbanos, interromper as prisões e intimidações, permitir manifestações pacíficas, admitir os representantes estrangeiros da mídia, etc.) equivale, por um lado, a anistiar na prática os crimes e os abusos cometidos, sem qualquer redução ou controle do respectivo poder.
Que garantias tem o povo sírio de que Assad não mude de ideia e volte a praticar os mesmos excessos e impor idênticas proibições, às concessões ora feitas ? Porque nenhuma das condições colocadas pelo Plano Annan é irreversível. Useiro e vezeiro em promessas altissonantes que a prática não confirma, semelha bastante questionável que Bashar al-Assad, uma vez transposto o momento crítico, não retorne ao comportamento precedente.
Tampouco convence a resposta de Annan quanto a que se questione a permanência de Assad à frente do governo. Dizer que cabe ao povo sírio determinar a sua continuação ou não como presidente é uma falsa solução, eis que a resistência armada da nação síria, manifestada em todo o território, só indica a disposição de livrar-se do tirano.
Perdido o medo dos métodos dos al-Assad (não esquecer a bárbara repressão de Hama, por Hafez al-Assad), a população síria tem, em número crescente, expresso a sua negativa aos métodos e à própria existência do regime alauíta. Se há muitas interrogações quanto à constelação vindoura de uma Síria post-Assad, não há muitas dúvidas quanto à extensão e permeabilidade dessa vontade nacional de virar a página.
Como indiretamente afirma Kofi Annan, o Conselho de Segurança não será vetor dessa aspiração, dada a vigilante custódia de Assad pelo padrinho russo. Evocá-la, portanto, como uma possibilidade concreta não corresponde à realidade. O Plano terá que demonstrar no campo e na cidade a sua serventia no controle da repressão desapiedada e dos crimes contra a humanidade. Por enquanto, Annan concedeu a Assad, ao reconhecer-lhe a autoridade, uma benesse imprevista, a que o presidente não tem feito jus pela sua extrema coerência em servir-se do fuzil contra o próprio povo, mal intentando disfarçar as ignomínias com as suas patranhas acerca da ação de bandidos e terroristas armados a soldo do estrangeiro.
Partindo de quem semelha possuir muita vivência dessa prática – v. o magnicídio do Primeiro Ministro libanês Rafik Hariri, morto a 14 de fevereiro de 2005, com mais 22 pessoas – há de provocar estranhável assombro que venha agora intentar desfigurar uma sublevação nacional como se fora mero efeito de bandoleiros alienígenas. Existe em tudo isso enorme passivo de credibilidade que dificilmente a mágica de um plano ad hoc poderá remediar.
( Fontes: CNN, Folha de S. Paulo )
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