sábado, 17 de março de 2012

CIDADE NUA V

O Espelho Mágico  (4)


        Agora que a festa acabou, a luz apagou e o povo sumiu,  nesse instante tem vontade de beliscar-se para ter certeza que não está sonhando... A meio caminho da rua que liga Copacabana e Ipanema, se descobre mais à vontade no cenário que é uma espécie de tampão, metido entre o grande evento e as imensas quadras do seu bairro. Devagar, se avizinha, através dos  ermos espaços da noite, entrecortados ao longe pelos gritos de bandos de bêbados, a quarteirões seus conhecidos. Nenhum deles parte de boteco que ali esteja. A Francisco Otaviano, que os carros cruzam impacientes, sempre lhe parecera participar desses anônimos logradouros de fim de bairro, sem lugar para os bares de altos papos e grossas risadas. Por isso, ao longo da estreita calçada, em que prédios e lojinhas se sucedem, sem sequer deter-se em pensamento nos degraus da meia escadaria de templo modernoso, as passadas têm a pressa mais do tédio do que do cansaço.

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         A que atribuir essa espécie de alívio que sente ? Num compasso cada vez mais lento, reconhece o cansaço físico que lhe pesa sobre os ombros. Extenuado pelo esforço, a visão da sua praia lhe traz um certo reconforto. Afinal se termina a longa entrada em um  descomunal ajuntamento de comemorações alheias. Apesar de tudo, repensando a travessia, não se julga um penetra. Quem sabe, havia, de algum jeito,se forçado a uma participação vicária nos festejos dos outros. Se acreditasse nessa interpretação -  que, francamente, hesitava assumir - seria como se a própria solidão diminuísse, ou  por atrito, ou pela postiça vivência do circundante contentamento de estranhos.  Mais refletisse e mais lhe parecia discurso de psicanalista, daqueles que reserva para o fim da sessão, quiçá para dar-lhe caráter de fecho ao que o analisando dissera antes, sob o inabalável, quase suspeito silêncio do analista.

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         Então, saída do parque à esquerda – quem a esta hora se meteria ali ? – lhe surge como visão de fim de festa, meio descomposta, sandálias douradas de laços desfeitos, carregando no rosto as frouxas feições da fadiga, que em outros tempos chamariam mulher de vida fácil. Ele próprio, teria abusado da expressão, na crassa ignorância que marcara a visão de tanta gente desfavorecida. Na calçada acanhada, ao cruzarem, a encarou por um momento. Para seu espanto, algo luziu nas vistas opacas, como se de repente ela descobrisse a reaparição de longínquo conhecimento. Impressionou-lhe o brilho de interesse que imaginara há muito esquecido. E inquieto com tal demonstração naquele canto deserto, cujas causas não queria sequer aflorar, instintivamente aperta o passo, a um tempo perplexo e envergonhado.    

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        Afinal, está na Vieira Souto. Mais gente nos canteiros, no calçadão, junto dos prédios nanicos. São caixas de fósforo que olham para o mar, restos da memória perdida de Ipanema, do desaparecido, quase sempre sossegado, bairro de classe média. Hoje são sombras agachadas, em um gabarito desfeito e escarnecido por edifícios elevados por outros critérios que não os da composição arquitetônica.
        Mais além, na praia entrevê público mais esparso. Há casais e também vultos solitários. Não sabe o que os faz se demorar por ali, sentados e de pé. Tampouco lhe interessa.
        Na tarda hora, traz nos ombros o cansaço da caminhada. O dia, cujo significado acredita seja da feérica consistência das luzes lançadas pelas barcas, ele ainda não quer interromper no sono que o corpo pede.  
       Assim, do passo incerto de quem se esquecera do norte, retoma a direção que enjeitara ao sair para a rua. Dando a mão à esperança, crê possível reencontrar na biboca costumeira o grupo de amigos e conhecidos, que lhe dão a cara e as vozes.

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