sábado, 31 de março de 2012

CIDADE NUA V

O Espelho Mágico  (16)


        Leu e releu o e-mail. A quente, teve ganas de lhe responder. Sentou-se no computador, mas não concatenava as frases. Digitou umas tantas palavras, mas não o satisfaziam. Irritado, logo deletava o que escrevia.
        Com o passar dos minutos, a raiva aumentou. Merda! Mais ela pensasse, mais engruvinhada ficaria a relação. Não tivera muita sorte ao topar com aquela moça. E agora com esse tempo que ela pedia, boa coisa não podia sair daí. Não havia dúvida que ela era dessas intelectuais sofridas, que se torturam por besteiras.
         Mais e mais se convencia de que o melhor seria não responder. Aliás, Lúcia não lhe pedia nada. Só comunicava. E era disso que não gostava. Ficar calado ? Não pareceria acaso indiferença de sua parte ? Não, não, o silêncio não transmitiria essa impressão.
         Refletindo bem, não se manifestar, sequer acusar recebimento, passaria mais a ideia de que estava aborrecido, emburrado. 
        Quem sabe, o  mutismo a deixe confusa, até assustada... Se o sentimento dela fosse tão forte quanto imaginava, o ficar plantado seria capaz de fazê-la recuar, arrepender-se mesmo da iniciativa que tomara...

                                             *      *
                                                                                    (a continuar)

A absurda dependência da gasolina estrangeira

                             
        A estranha escassez da gasolina é a consequência de uma política equivocada em muitas frentes. Em verdade, à primeira vista, a situação do mercado de combustíveis nos parece esdrúxula.
       Como deveria ser do geral conhecimento, o Brasil por longas décadas padeceu dos inconvenientes de não dispor de petróleo suficiente para abastecer o consumo interno. Tais aspectos negativos não nos pesavam apenas no balanço de pagamentos.
      Além dos efeitos economico-financeiros, estivemos submetidos a contingências políticas por força de dependermos do petróleo árabe. Com o agravamento da situação, esta dependência em um período caracterizado pela manipulação política pelos fornecedores dessa matéria prima básica para o pleno funcionamento e eventual desenvolvimento de nossa economia forçou os generais-presidentes da época, e notadamente Ernesto Geisel, a alinhamentos e posturas políticas que diferiam, pela radicalização e sobretudo pela ênfase pró-árabe em determinados aspectos, de uma diplomacia anterior, que se desejava mais imparcial e equidistante das partes no conflito árabe-israelense, máxime na questão palestina.
    Se alguns excessos dessa fase foram mais adiante deixados pelo caminho, resta assinalar, no que nos concerne, que houve uma boa consequência da prévia  atitude por muitos considerada como oscilante entre os apoios automáticos e  algo constrangedora aparência de subserviente bajulação. Reporto-me à nossa firme posição de apoio ao povo palestino, em que razão e justiça se dão as mãos. Se o Brasil, pela presidência Oswaldo Aranha da Assembléia Geral das Nações Unidas, está ligado tanto ao nascimento de Israel, quanto ao conflito árabo-israelense, a sua inequívoca posterior posição de apoio ao povo palestino e à equitativa solução do diferendo com Israel, representa relevante contribuição para a construção da paz. Grita aos céus, em verdade, que um dos pilares da segurança mundial e da contenção do terrorismo está na implementação de uma paz equa naquela região, que garanta ao povo palestino a sua independência plena, livre afinal da bantustanização buscada pelos muros e pela continuada e iniqua apropriação de territórios árabes pela praga dos assentamentos dos colonos.
     Depois de longo inverno, o desenvolvimento da explotação petrolífera pela Petrobrás, a conquista da tecnologia de exploração de nossos depósitos submarinos e, já na era Lula, a descoberta de uma riqueza inda maior, na área do pré-sal, transformou nossa terra, de eterna pedinte no abastecimento do ouro negro alienígena, em produtora e mesmo exportadora de petróleo.
      É indubitável que a situação macro se alterou de forma extremamente positiva para o interesse da Nação brasileira, realidade que de resto se delineia inequívoca na magnitude de nossa produção de petróleo bruto.  No entanto,  a produção de gasolina, a par da de etanol, se ressentem de desenvolvimentos, nem todos sob o necessário controle das instâncias governamentais e da Petrobrás.
      Temos a Presidente Dilma Rousseff,  que é experta no assunto, e que acaba de colocar na Petrobrás  Graça Foster, dirigente de sua confiança e de reconhecida capacidade na área. Sem embargo, as Minas e Energia, área governamental de competência nas questões atinentes ao problema, deveria ser assumida por político ou técnico em condições de ter visão abrangente dos enormes desafios colocados pelo setor energético.
        A nossa atual condição de importadores de gasolina é uma decorrência dessa falta de planejamento, vale dizer a omissão na construção de refinarias para a produção de gasolina, o que nos coloca na desvantajosa situação de importar em grande quantidade produto manufaturado (e por tanto pagamos o ágio dessa tecnologia exterior, que poderíamos dispensar, se cuidássemos de criar instalações adequadas para tanto).
        Há muitas outras questões nesta área energética que não estão atendidas da melhor maneira, como o relativo descontrole da política relativa à cana de açúcar e aos seus produtos derivados, i.e., o açúcar para consumo (em vários estágios de preparo) e o etanol, essa invenção brasileira, com tanto potencial, e tão errática direção em termos de coordenação política.
        Neste blog tenho batido deveras na tecla concernente às montadoras sediadas no Brasil, todas elas estrangeiras (em consequência de magnos erros políticos tanto do regime militar, quanto de governantes civis, e em especial os laivos neoliberais da administração de Fernando Henrique Cardoso).  Permiti-me chamá-las de feitorias[1]     porque vi na sua instalação e localização a ênfase primacial do necessário desvio dos lucros auferidos para as matrizes alienígenas (muita vez, como na recente crise financeira internacional, transferindo a poupança brasileira para as matrizes em dificuldade financeira) e de problemas conflitantes no que tange ao aproveitamento da cana, seja como  açúcar, seja como etanol.  
       Um segundo aspecto dessas feitorias reside em uma situação monopsônica de fornecimento de peças, i.e., as indústrias de autopeças que não dispõem de outro comprador que não a montadora para a qual produzem, enfrentam situação a priori desfavorável, pois o único adquirente (monopsônio) é a outra versão do monopólio (único vendedor), ambas extremamente desfavoráveis seja no primeiro caso para o produtor, seja no segundo para os compradores.
      As autoridades brasileiras competentes no setor têm igualmente permitido que o nível de poluição dos carros aqui montados estejam escandalosamente acima dos requisitos impostos no circuito Elizabeth Arden.
     O exame da produção de petróleo – e não me ocupo aqui das confusões na exploração submarina, de que é exemplo a Chevron – e de seus produtos derivados, com a gasolina à frente, é uma triste relação do fracasso gerencial dos responsáveis, políticos e administrativos, nesse campo.
     Seria de todo interesse para a Nação brasileira que, depois de tantas décadas de pires na mão (por suposta carência de petróleo), nos descubramos agora enredados pela pletora de matérias primas, as quais por decorrência de deficiente gestão técnica, ambiental e política apresentam para o governo um grande, redundante problema, que decerto desapareceria se o entregássemos a quem dentre os brasileiros, tem visão abrangente e competência no capítulo. O fisiologismo, se é planta dispensável e sobretudo descartável, o será ainda mais em área de tal prioridade para o nosso sustentado desenvolvimento.
 

( Fonte subsidiária:  O Globo )  



[1] A história das feitorias do nascente império lusitano em costas de África constitui outro exemplo, com a explotação na época da exportação do fator trabalho (mão de obra escrava)  para as colônias e a metrópole.
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sexta-feira, 30 de março de 2012

CIDADE NUA V

O Espelho Mágico  (15)



         Alberto, querido,


        depois do turbilhão eu tento entender, e  confesso que não consigo.
    
      O que me parece natural quando acontece, mais tarde, sozinha, as coisas  vão ficando diferentes. Estava curtindo o Bracarense, queria mais um chope. Embora achasse  estranha a sua atitude – afinal não via razão de pressa – eu acabo fazendo o que Você quer. Agora, confesso, isso me dá um certo embaraço. Talvez o que me incomode mais não é a circunstância de fazer a sua vontade, mas de me comportar como se fosse uma boneca sem qualquer vontade própria. Não consigo atinar com o  porquê dessa situação – tenho até a impressão de que basta um olhar seu e me derreto toda... Sei que não faz sentido, não tem lógica nenhuma, mas, por favor, acredite, passado tudo, a presença relâmpago em um bar tão simpático, a ida apressada para o nosso refúgio, a tórrida noite, me fica depois que nos separamos um gosto amargo... A que atribuí-lo, não sei, mas ele ressurge, e mais forte do que da última vez.
         Por isso, me veio a ideia de pedir um tempinho para Você.
         Por favor, não se zangue comigo. Prometo não abusar, mas quero pensar. Nem sei bem exatamente no que. Quem sabe não me ajude a pôr ordem nas ideias.

        Com amor, da

                                          Lúcia Maria


                                                 *      *             

O Princípio da Política Timorata

                           
        Semelha difícil não interpretar como provocatória a comemoração pelo Clube Militar do golpe de 1964. Por capricho do destino, a chamada ‘revolução’ se iniciara em primeiro de abril, data em geral reservada para brincadeiras de mau gosto. Terá sido por isso, sem dúvida, que os zelosos adeptos do movimento – armados ou não – terão preferido fazê-la migrar para o trinta e um de março.
       Se o último governo dito revolucionário retirou-se de cena, após o ‘breve intervalo’ de 21 anos,  pela porta dos fundos da história, todas as características do processo são tingidas por  ambiguidade que se pode definir como brasileira, desde que reservemos essa alegada nova postura para o período republicano.
        Não escapou aos contemporâneos o simbolismo da queda de Pedro II, e com ela deploraram a inserção do Brasil na série de golpes militares que caracterizavam a trajetória de nossos vizinhos hemisféricos. Desaparecia com a proclamação da República verdadeira democracia do século dezenove.
        Terá sido por temor reverencial à instituição armada que, com poucas exceções[1], as lideranças políticas civis têm tratado com extrema cautela – mesmo sob o bafejo de condições tão favoráveis como as presentes – todas as questões direta ou indiretamente ligadas com o Exército e o estamento castrense.
       Neste particular, o contraste com os nossos irmãos do Cone Sul é contristador.
       Não trepidaram eles em levar às barras dos tribunais os militares implicados em abusos aos direitos humanos. Além disso, aboliram a chamada justiça militar, cuja presença pode ser interpretada como  resquício dos períodos de predomínio da farda sobre o poder civil.
      Sob a proteção da polícia de choque, e com os férreos portões semicerrados, o Clube Militar julgou oportuno encenar mais uma comemoração da data da chamada Revolução, que dera início à mais longa suserania castrense em nossa história, com extensão só comparável àquela do fascismo na Itália de Benito Mussolini.
      Diz bem do temperamento brasileiro que o regresso da ordem constitucional tenha sido feito sem derramamento de sangue, uma vez patenteada a geral vontade de reinstituí-la. Se o caminho até essa convicção foi marcado por sacrifícios e atos atentatórios aos direitos humanos, a pacífica concórdia posterior representa  encomiável traço positivo.
      No entanto, a abominação do passado não deve ser confundida com o medo de recordá-lo, como em tantos países já foi feito. As Comissões de Verdade têm surgido em muitas partes, e os seus êxitos relativos estão na razão direta da maneira aberta e altiva com que assumiram as próprias responsabilidades.
     Infelizmente, tal não semelha ser o procedimento do governo Dilma Rousseff. Há inegável ironia em tal atitude. Dada a experiência de juventude da atual Presidente, nenhuma pessoa teria melhores condições de lidar com este problema. O fato de haver sido presa, torturada e condenada a terá preparado para arrostar a assombração de forma isenta e equânime, seguindo o meio termo aristotélico que é garantia de justiça.
     Até o presente, a liderança civil não se tem diferençado da excessiva cautela de administrações anteriores. As hesitações parecem tantas que o quadro reflete a inversão dos papéis, com militares chegando a negar a realidade de atos atentatórios aos direitos humanos, como a ridícula encenação pelos verdugos do alegado enforcamento de Vladimir Herzog.
     O Governo brasileiro deveria saudar a abertura de investigação pela OEA para apurar se houve omissão do Brasil no assassinato do jornalista, em 1975. Ao invés de falsos pruridos de soberania desrespeitada, a ocasião pode ser oportuna para encarar a verdade factual, e não mais conviver com mistificações que pela sua grosseria ofendem o sentido comum de qualquer cidadão.
    Não são só os políticos que parecem repetir comportamentos de épocas pretéritas. O próprio Supremo Tribunal Federal não titubeou em emitir sentença – por sorte não unânime – que está na contra-mão do direito internacional humanitário, eis que já é jurisprudência das principais cortes mundiais que a tortura não é passível de anistia, pelo seu caráter atentatório contra os direitos humanos. Continuamos nós a viver em uma ordem de antanho, que não quer ver e admitir a civilizada conscientização de que tal crime é imprescritível.
    O político brasileiro tem de assumir  postura justa e altiva, conforme ao mandato popular que lhe fundamenta a visão, de retirar toda essa carregação de panos e mangas que só contribui para entorpecer-lhe um comportamento autenticamente republicano.
    Vamos pôr a nossa democracia em dia, cumprindo o dever de casa que, para sua honra, os nossos vizinhos já desde muito empreenderam.
    A Presidente Dilma,  com o conhecimento que dispõe na matéria, não carece mais de perguntar aos notáveis da República por indicações para a Comissão da Verdade. Estou certo de que ela tem na ponta da língua os nomes de que os brasileiros se lembrarão com orgulho no futuro, como os sul-africanos quando de sua comissão, confiada ao Bispo Desmond Tutu. A urgência da questão exige que se proceda à nomeação e pronta entrada em funções da Comissão. A indefinida postergação só tende a ser interpretada como fraqueza.
     E quanto à OEA, é mais do que hora de aproveitar o bom ensejo, e completar o trabalho da reinserção completa e sem omissões na avaliação do passado. Quem o mete em socavões ou debaixo do tapete, está condenado a padecer-lhe não só os efeitos, mas as atrevidas negativas de almas penadas  que semelham  viver sob plúmbeas ilusões de realidade desde muito superada.



( Fonte:  O Globo )



[1] O Presidente Epitácio Pessoa é uma delas.

quinta-feira, 29 de março de 2012

CIDADE NUA V

O  Espelho  Mágico  (14)


      “ Oi!”
      “ Alô, é você Alberto ?”
      “ Sim! Tou incomodando ?”
      “ Não... tava esperando resposta sua...”
      “ É que só agora abri o computador...”
      “ Engraçado...”
      “ Engraçado, o que ?”
      “ Sua voz... é esquisita no celular...”
      “ Esquisita, Lúcia ?! Não tou entendendo...”
      “ Cê desculpe...deve ser bobagem minha...”
      “ O que que é ?”
      “ É que parece ser de uma pessoa muito mais velha do que você é...”
      “ Poxa, Lúcia, será que dou mesmo essa impressão ?”
      “ Desculpa, tá ?”
      “ Ok, não há problema. Que tal irmos a um cineminha ?”
      “ Hoje não, Alberto. Tou cansada...”
      “ Bem... então amanhã a gente se fala...”
      “ Então amor, até manhã”
        Um beijo ! Tchau...”

                                                 *      *

       A princípio, não entendeu a observação sobre a voz. Mas a ficha cairia rapidamente. Elementar, meu caro Watson, pensou. Pelo celular a coisa não funcionava.

                                                 *      *

        Na manhã seguinte, tinha vontade de estar com ela de novo. A sua meiguice o enternecia... e excitava.
       No entanto, preferiu passar um e-mail, em vez de chamá-la pelo celular.     


        Lúcia, meu amor,


         que tal se fôssemos ao Bracarense hoje à noite ? Oito e meia estaria bem pra você ?

            Beijão do

                                Alberto                      

                                                 *      *

Perspectivas do Plano Annan

                        
        Aprovado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas por unanimidade – após a Rússia ter excluído dois ítens que poderiam justificar ações coercitivas de parte das Nações Unidas -, e com o aceite de Bashar al-Assad, o Plano Annan se depara com clara encruzilhada.
       Em outras palavras, o Plano do ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, não admite o sucesso pela metade. Aplica-se a disjuntiva do aut[1] – aut, na medida em que ele é insustentável, se houver a implementação parcial dos seis pontos cobertos pelo Plano.
       De certa maneira, o enfoque pessimista caracteriza as reações ao Plano. Elas só diferem na ênfase. A versão pessimista radical é expressa por David Schenker, que é membro de Programa sobre Política Árabe. Schenker prevê o malogro da iniciativa. Ao endossar a continuada supervisão por al-Assad das aspirações do Povo sírio, o Plano Annan representa uma dádiva para o ditador, e um empecilho para a oposição.
      Por outro lado, Ed Husain, membro do Conselho de Relações Exteriores, considera que o citado Plano constitui a última chance para o presidente Bashar. Ao não excluir in limine a eventualidade de um êxito, carrega, não obstante, na prevalência de um viés pessimista, ao observar que o ditador deveria considerar as ofertas de exílio colocadas na mesa pelos governos de Doha (Qatar) e Túnis.
      Dessarte, para que Bashar não tenha o mesmo destino de Muammar Kaddafi, duas capitais lhe oferecem asilo. É de notar-se que não é o abrigo incondicional de que se serviu Ben Ali, o primeiro déspota a cair pela Primavera Árabe, deflagrada como se sabe pela auto-imolação de Muhamad Bouazizi. O eterno presidente tunisiano correu para a Arábia Saudita e seu regime absolutista, com familiares e valores amealhados. O asilo em Túnis  e Doha para o segundo al-Assad  não teria a mesma congenialidade, sobretudo no Qatar, que tem papel pró-ativo entre os opositores do regime alauíta, inclusive com o fornecimento de armas ao chamado Exército Sírio de Libertação.   
     A debilidade do Plano Annan estaria, sobretudo, em não impor condições inelutáveis para o tirano. Após um ano de sublevação – encetada em Deraa, ao sul – a repressão de Assad acumula mais de nove mil mortos, com negras páginas de torturas, sevícias e assassínios de crianças e jovens. Que se lhe dê a oportunidade, nessa altura de uma virtual guerra civil, de assumir compromissos para o futuro no que tange aos direitos humanos (terminar com a repressão, cessar os bombardeios de centros urbanos, interromper as prisões e intimidações, permitir manifestações pacíficas, admitir os representantes estrangeiros da mídia, etc.) equivale, por um lado, a anistiar na prática os crimes e os abusos cometidos, sem qualquer redução ou controle do respectivo poder.
      Que garantias tem o povo sírio de que Assad não mude de ideia e volte a praticar os mesmos excessos e impor idênticas proibições, às concessões ora feitas ? Porque nenhuma das condições colocadas pelo Plano Annan é irreversível. Useiro e vezeiro em promessas altissonantes que a prática não confirma, semelha bastante questionável que Bashar al-Assad, uma vez transposto o momento crítico, não retorne ao comportamento precedente.  
       Tampouco convence a resposta de Annan quanto a que se questione a permanência de Assad à frente do governo. Dizer que cabe ao povo sírio determinar a sua continuação ou não como presidente é uma falsa solução, eis que a resistência armada da nação síria, manifestada em todo o território, só indica a disposição de livrar-se do tirano.
        Perdido o medo dos métodos dos al-Assad (não esquecer a bárbara repressão de Hama, por Hafez al-Assad), a população síria tem, em número crescente, expresso a sua negativa aos métodos e à própria existência do regime alauíta. Se há muitas interrogações quanto à constelação vindoura de uma Síria post-Assad, não há muitas dúvidas quanto à extensão e permeabilidade dessa vontade nacional de virar a página.
       Como indiretamente afirma Kofi Annan, o Conselho de Segurança não será vetor dessa aspiração, dada a vigilante custódia de Assad pelo padrinho russo. Evocá-la, portanto, como uma possibilidade concreta não corresponde à realidade. O Plano terá que demonstrar no campo e na cidade a sua serventia no controle da repressão desapiedada e dos crimes contra a humanidade. Por enquanto, Annan concedeu a Assad, ao reconhecer-lhe a autoridade, uma benesse imprevista, a que o presidente não tem feito jus pela sua extrema coerência em servir-se do fuzil contra o próprio povo, mal intentando disfarçar as ignomínias com as suas patranhas acerca da ação de bandidos e terroristas armados a soldo do estrangeiro.
       Partindo de quem semelha possuir muita vivência dessa prática – v. o magnicídio do Primeiro Ministro libanês Rafik Hariri, morto a 14 de fevereiro de 2005, com mais 22 pessoas – há de provocar estranhável assombro que venha agora intentar desfigurar uma sublevação nacional como se fora mero efeito de bandoleiros alienígenas. Existe em tudo isso enorme passivo de credibilidade que dificilmente a mágica de um plano ad hoc poderá remediar.
 


( Fontes: CNN, Folha de S. Paulo )



[1] conjunção latina ou

quarta-feira, 28 de março de 2012

CIDADE NUA V

O Espelho Mágico  (13)


         Nunca saberia se ela o encarou por acaso, ou  movida por natural faceirice. O fato é que ao fitá-lo logo muda de atitude. Intenta, é verdade, disfarçar o interesse, mas estranha lassitude dela toma conta. Como se, de súbito, se vá transformando em livro aberto. Uma atração indefinida a empurra para ele. Sente ser algo que lhe é superior. Para sua surpresa, ela se deixa levar. E os olhos de novo se encontram. Num átimo, sensação de total abrangência. É uma impressão forte, demasiado forte para que se possa contrariar. Diria que um frenesi a investe. Súbita, inelutável experiência de plenitude a dois.
         O entorno não tem importância. Ambos se descobrem querer partilhar  segredos, porém a dois. Será guiado por tal certeza que Alberto a aborda, e a toma pelo braço. Quiçá o incomode o resquício de um escrúpulo. Que como tímida e matinal bruma logo se desfará sob o calor do instinto que se alevanta.
        Sem qualquer reação, ela se torna um prolongamento dele próprio. Ainda não trocaram palavra, mas já formam um casal.

                                                 *      *

       Alberto, querido,


       ontem foi maravilhoso. Difícil o depois. Quero dizer, acreditar no que aconteceu. Não gostaria que pensasse que normalmente sou assim. Gostei muito do barzinho a que você me levou. Tão discreto e charmoso... Mas hoje tenho uma sensação esquisita. Como se não fosse eu... Tudo saíu depressa demais. E fico com medo que me confunda com outro tipo de programa... Será que dá pra entender essa minha reação ?

      Com o amor da                                             

                                                   Lúcia Maria      

                                                 *      *

        Que chato, murmurou. Talvez tenha ido com muita sede ao pote. Quem sabe se  maneirasse um pouco mais, ela não sentisse esse desconforto, essa impressão de haver sido arrastada a fazer coisas que normalmente não faria com tal presteza ?
        Por isso, achou mais prudente não forçar a barra. Chamaria mais tarde, e pelo celular. Seria melhor para sondar o terreno.

                                                 *      *   
                                                                                      ( A continuar )

Uma Celeuma Americana

                                
       A Lei da Assistência Sanitária Custeável (Affordable Healthcare Act) aprovada pelo Congresso estadunidense e sancionada pelo Presidente Barack H. Obama a 23 de março de 2010, não contou com sequer um voto favorável dos senadores e deputados republicanos.
      Dada a cisão política nos Estados Unidos e a cristalização do sectarismo partidário, a prática do bipartidismo, usual no passado – como se assinalara nas grandes iniciativas legislativas de Franklin Delano Roosevelt e Lyndon Baines Johnson – tornou-se nos dias correntes apenas fugaz lembrança, impensável pelo atual antagonismo e enrijecimento à direita de um G.O.P.dominado pelo milenarismo evangélico.
     Desde o início do século passado, muitos presidentes americanos – a começar pelo republicano Theodore Roosevelt, o 26º presidente – tentaram introduzir a assistência médica pública. Somente Obama, o 44º, alcançaria tal objetivo, embora a lei aprovada ainda deixe  número substancial de cidadãos não cobertos por esse instrumento.
    Na elaboração do projeto, a chamada opção pública – a criação de  agência federal que estenderia a assistência a todos os americanos e demais residentes nos Estados Unidos – foi infelizmente descartada. Tal se deveu sobretudo à intenção de atrair apoio de republicanos moderados – uma espécie em processo acelerado de extinção – para o Plano Geral. Diante da oposição de um punhado de senadores democratas da linha conservadora, se privilegiou, outrossim, a formação nos estados de associações  que se encarregariam dos respectivos planos gerais de saúde.
     Há duas consequências de monta na alternativa escolhida: desapareceu a entidade que, negociando com os planos particulares de assistância, assim como as redes de hospitais, teria mais condições de forçar um barateamento relativo dos altos custos médicos (os mais elevados no mundo) prevalentes nos Estados Unidos. A sua substituição por diversos entes estaduais fragmentaria o poder de negociar e, por conseguinte, de lograr reduzir os custos relativos.
    O outro efeito reside na necessidade de cobrar-se uma contribuição de cada cidadão. Há o requisito, estabelecido pela nova lei, que obriga quase todos os americanos a adquirir cobertura de seguro de saúde, ou então ser passível de cobrança de penalidade financeira. Essa condição suplementa o requisito de que as companhias de seguro devem aceitar  todos os requerentes, mesmo aqueles pacientes com problemas médicos preexistentes.
     Desde a sua sanção que a Lei da Assistência Médica Custeável vem sofrendo insidiosa campanha, que a apresenta nos trajes do suposto ‘Obamacare’. A deformação de sua autêntica  natureza e propósitos só é inteligível em ambiente radicalizado, com a consequente toldada visão dos que não se atêm aos fatos, mas às projeções difundidas por  seus detratores. Dessarte, o desígnio de estender a todos os americanos o guarda-chuva da assistência sanitária passou a ser caricaturado como se fora projeto socializante de impor ao indefeso cidadão comum a obrigação de submeter-se a um plano coletivista de cuidados sanitários.
     É de estarrecer que argumentação tão primária e capciosa haja logrado ser aceita por grandes parcelas da cidadania (pesquisa Gallup chega a estabelecer que 72% a consideram inconstitucional). Surpreende, assim, ainda mais que o destino da lei que se propõe ampliar a assistência médica possa ser contestado. Com efeito, os EUA são o único país no mundo industrializado a não dispor de  sistema nacional de saúde. Dezenas de milhões de habitantes ainda não dispõem de nenhuma cobertura, e o  que mais espanta é que exista deles um grande número  que julga estar preservando os próprios direitos individuais na sua raivosa negação do novo instituto legal.
    A impopularidade da lei é um espelho também da inépcia da Administração democrata de evidenciar o que realmente significa, e que conquista representa para o homem comum. Não há interesse quantificável nem liberdade alguma em ser passível da exploração exacerbada de parte dos agentes privados da assistência médico-farmacêutica (como continuará a ocorrer se a lei for repudiada). É lamentável que a paixão política consiga obnubilar a tal ponto o raciocínio de cidadãos nas faixas mais baixas de renda. Esse tipo desonesto de propaganda alcança mesmo o feito de afastá-los de concreto e tangível benefício, ao fazê-los, na prática, passar  a execrar a oportunidade de serem tratados de forma digna e gratuita.
     Ao negarem peremptoriamente a assistência que lhes é proporcionada, os republicanos e demais simpatizantes  verberam a oferta vinda da outra parte. Com a encarniçada ajuda dos pregadores da extrema-direita – com acesso ilimitado ao rádio e à tevê - o financiamento abundante dos gerarcas do estamento do GOP (com à frente os sólitos bilionários irmãos Koch) o que é bom vira mau, a partir da singela razão de que nada que valha a pena pode vir do lado democrata e liberal (leia-se esquerdizante) da sociedade.
     Assim,  absurdo histórico, uma anomalia no mundo, pode tornar-se realidade dentro em breve. Nesta semana, foi aberto o debate junto a Suprema Corte da nova lei.  Como abnegados fautores da causa republicana, diversos procuradores estaduais foram bater nos tribunais, arguindo a inconstitucionalidade da lei da assistência médica para todos. Chegados ao penúltimo nível, há tribunais  federais de recurso que a consideram constitucional, e outros, inconstitucional.   
     Como seria de esperar-se, a Corte decidiu conhecer e julgar a causa. Dada a sua composição presente, e a sua tendência expressa em sentenças que têm revertido posições relevantes do passado – como a Citizens United, que abriu as cancelas para o dinheiro influenciar os pleitos, com grave prejuízo de parte do eleitor, cada vez mais vulnerável a influências indevidas pelo poder econômico irrestrito - só um ingênuo, um anacrônico Candide formaria a convicção de que os politizados juízes defenderão o interesse da sociedade civil. Subsiste, na realidade, a probabilidade de que, a exemplo de leis promulgadas no New Deal de FDR, também nos dias que correm seja possível tornar írrita a Lei da Assistência Sanitária.
     Em ano eleitoral, sobrepaira esta tentação republicana de derrubar a principal realização do governo Obama. Para realizá-lo, teriam um duplo interesse: enfraqueceriam o candidato democrata à reeleição em novembro p.f., a par de anular inequívoca  conquista, a qual nem republicanos, como o primeiro Roosevelt, nem democratas, como Johnson, haviam antes conseguido.
     A atual Corte, presidida pelo Juiz John G.Roberts Jr. tem inegável viés de direita. Com efeito, há outros três juízes (Antonin Scalia, Clarence Thomas e Samuel Alito) que pelas suas posições de direita apóiam em geral as causas do campo conservador. As indicações do Presidente Obama vieram substituir juízes também liberais. Assim, a par de Stephen Breyer e Ruth Ginsburg, a ala renovadora tem Sonia Sotomayor e Elena Kagan. Resta o juiz Anthony Kennedy que retém, na prática, o voto de minerva, e que, em casos relevantes, decide da vitória de uma ou outra ala. É séria ameaça, por conseguinte, a sua tendência em grandes casos a favorecer a linha conservadora. Não se deve esquecer que foi o fiel da balança na decisão que ‘elegeu’  George W. Bush em detrimento de Al Gore. Constituiu precedente a não ser olvidado, na única sentença da Corte a intervir diretamente no processo eleitoral, determinando a suspensão da recontagem de votos na Flórida (o que deu a Casa Branca a Bush júnior).
         A perspectiva de que a Reforma da Assistência Sanitária venha a ser derrogada pela Suprema Corte não pode, portanto, ser desconsiderada. Não é das menores tal possibilidade, que, se não houver complicações jurídicas, seria enfim conhecida, segundo a prognose dos especialistas,   por volta de junho p.f.
 



( Fonte: International Herald Tribune )                                  

terça-feira, 27 de março de 2012

CIDADE NUA V

O Espelho Mágico  (12)


        Agora as reuniões no boteco com a turma o aborrecem. Surpreende-se a observar com vistas críticas o visual dos companheiros. É um olhar duro, impiedoso, de quem passou a julgar-se diferente daqueles rostos vincados pela idade. De uma certa forma, via no grupo o que ele fora. Por vezes, se assusta com a própria atitude. Sabe que se dissocia da realidade, que a sua aparência não mudou em nada, e tudo aquilo poderia ser comparado a uma alucinação controlada.
         No entanto, quase sem querê-lo ele se compraz com o jogo, a ponto de não se importar com as reações intrigadas e os abespinhados entreolhares. Nessa hora, ele não tem dúvidas sobre a pergunta que compartilham : quem esse sujeito pensa que é ?
        Depois se arrepende e procura ser o Alberto de antes. Sente, contudo, que há uma barreira. Nas conversas, piadas, até nas fofocas. Debalde trata de disfarçá-la.
        Mas não consegue. E o pior é que o alívio só vem quando sai para a rua, deixando para trás os velhos cupinchas.

                                                 *      *

        Depois se lembrou como foi. E achou engraçado. Por segunda vez, tudo acontecera de forma fortuita. Saíra apressado para a rua, choviscava, só queria passar no caixa do banco para tirar uns trocados pro fim de semana.
        Fazia um frio esquisito, fora de estação. O carioca não está preparado para temperaturas baixas. Aliás, baixas – é bom que se explique – se tivermos presente o eterno verão do Rio de Janeiro. Em outros tempos, havia estações mais marcadas. Hoje, o aquecimento global tornara isso apenas lembrança das velhas gerações. Não espanta que a turma jovem sequer tivesse jaqueta ou casaco mais grosso.
        Assim, nessas improvisas friagens ele se divertia em contemplar o festival de horrores que encontrava nas calçadas. Não era incomum cruzar com gente de braços cruzados, sem suéter ou qualquer abrigo, no andar o passo estugado de quem se sente forasteiro na própria casa.
         Ela vinha desgarrada, na beira da calçada. Pareceu-lhe um pouco encolhida, o jeito transido de alguém que foge da intempérie.
         Para sua surpresa, com olhos compridos ele se pilhou a buscar-lhe o semblante.
Talvez se terá dado conta, e a sua primeira, instintiva reação foram as vistas baixas, na modéstia dos encontros de rua.
         Havia no seu modo de ser a graça natural de um encanto tão sorrateiro, quanto envolvente.  De pronto, se vê cativado por suave, bem dosada mescla de finura e feminilidade.  Não resiste, portanto, a lançar olhares insistentes, a que move instinto vizinho do predador. Não ignora o que implica a esperançosa ânsia de fitar a jovem e formosa estranha. Não obstante, parece comprazer-se no jogo de cartas marcadas.
                                                 *      *
                                                                                         (a continuar)

A Gafe Política de Obama

                                 
        Os microfones indiscretos constituem um dos maiores perigos que rondam os políticos na atualidade.
       A experiência tem demonstrado que toda cautela é pouca ao lidar com esse tipo de equipamento. Os frequentes descuidos dos seus operadores – não desligando o aparelho após sua utilização para alocuções públicas – deveriam tornar mais prudentes os estadistas, em suas amiudadas reuniões internacionais. Afinal, tanto esquecimento assim pode parecer missa encomendada.
       Obama já tinha sido apanhado pela indiscrição dos microfones no ano passado, em conversa com o presidente Nicolas Sarkozy, em que ambos se queixaram de Benjamin Netanyahu: ‘Você está cansado dele ? E eu que tenho de lidar com ele todos os dias ?’ desabafou o presidente americano para Sarkozy.
       Aquela, no entanto, foi uma observação light, porque são sabidos os desacertos  dos presidentes estadunidenses com Netanyahu (e quem for o primeiro-ministro de Israel). Dada a especial relação do cliente Israel com o estado-protetor Estados Unidos, Bibi Netanyahu não hesita em contrariar a Casa Branca, fiado na sua força política em Washington, e na dificuldade, em termos de política interna, de o presidente entrar em rota de colizão com aliado clientelar que a partir dos anos setenta assumiu certa  preponderância nesse relacionamento.
       Dessa feita, após reunião em Seul com o presidente Dmitri Medvedev – cujo mandato vence em abril próximo – com relação ao chamado escudo anti-mísseis, Barack Obama, em voz baixa que o sensível microfone captou, pediu compreensão a Medvedev no que tange à questão (que é um irritante para os pruridos da ressurgente Rússia): ‘É a minha última eleição. Depois dela, terei mais flexibilidade’.
       As estações televisivas americanas, a que aproveitam sobremaneira os tropeços de Obama – dado o viés republicano de sua maioria – montaram  apresentação  com mal-disfarçada hipocrisia sobre a pretensa gravidade da ‘promessa’ do presidente (a compreensão solicitada foi entendida por Medvedev que se comprometeu a repassá-la a Vladimir (Putin) ).
       Dessarte, o âncora Wolf Blitzer, da CNN,  após transmitir a um exultante Mitt Romney o clip da gafe, perguntou de sua impressão. Romney, deleitado em ser posto no mesmo nível que o presidente americano, se disse horrorizado com a leviandade de Obama, e a sua intenção de desrespeitar os interesses do povo americano. Levado pela impetuosidade, Romney carregou nas tintas, a ponto de considerar a Federação Russa o inimigo geopolítico dos Estados Unidos, inimigo este a quem Obama pedia compreensão. Mesmo para Wolf Blitzer foi um pouco demais. ‘O Senhor considera a Rússia o inimigo dos  Estados Unidos ? E como ficam o Irã, a Coréia do Norte ?’
     Sem dar-se por achado, Romney aludiu a outras imprudências de Obama nas relações externas, como nas negociações de desarmamento.
      O vice-assessor de Segurança Nacional, Benjamin J. Rhodes, procurou contextualizar a observação de Obama. Segundo Rhodes, o presidente está empenhado, não obstante as objeções  russas, em criar um sistema de defesa missilística na Europa central. Por isso, as suas palavras  simplesmente frisavam que um ano de eleição não é o melhor momento para negociar esse delicado acordo (compromise) com Moscou.
           Resta determinar qual a será a vida remanescente dessa indiscrição colhida, adrede ou não, por microfone deixado em funcionamento. Será aquela colimada por Mitt Romney e os demais republicanos em liça, uma daquelas gafes que ganham virulência com o passar do tempo, ou uma calinada de somenos, que não mais será julgada daqui a uns dias bastante para atender à fome midiática de Washington e arredores ?
          Sem embargo, semelha recomendável que no futuro Obama deva ter mais cuidado com as insídias da tecnologia. Que tal o mineiro conselho do verso de Drummond, que para grupo de tagarelas encarecia ‘boca presa’ ?




( Fontes:  O Globo, CNN, International Herald Tribune )

segunda-feira, 26 de março de 2012

CIDADE NUA V

O Espelho  Mágico (11)


        O percalço da livraria se agarrou na memória, a ponto de tirar-lhe a segurança. Por mais de uma vez arrefeceu caminho em procurar nova experiência. Algum imponderável o atrapalhara. Bastaria um olhar que não lhe fora dado... Ou será que a atenção malevolente dos assistentes tivesse trazido maus fluidos para a moça, como se a predispusesse negativamente à tentativa ?
       Mais pensasse sobre a questão, e mais absurda lhe parecia a conclusão. De que jeito poderia ela ter-lhe pressentido o interesse ? Ignorava, mas quem descartaria a intuição feminina a captar-lhe a observação que de forma imprecisa mas sensível suspeitasse estar rondando de perto ?

                                                 *      *

        Meu Amor,

        não sei onde andava com a cabeça, mas nem me lembrei de  pedir o teu e-mail. Escrever pelo correio hoje é uma coisa quase ridícula. Fiquei rindo sozinha, como uma louca, na fila do correio. Só para postar a cartinha com essa estranha súplica... E juntos vão um beijo e o papel com o meu e-mail. Responde rápido,

                                                                                              Graça.
                                               
                                                                 *      *                                   
    
        Mandou logo a resposta. Não que alimentasse ilusões sobre reencontro em breve. Uma coisa tinha sido a experiência do casal no Rio, que galopara como se fosse  sonho. A intensidade do caso, sentida tanto na própria rapidez, quanto na exclusividade dos contatos. Um affaire a dois, sem intrusos.
         A única exceção havia sido um garçom que o fitara de modo esquisito, com jeito de quem não está acreditando no que vê. Por cima disso, o malévolo sorrisinho de quando entreouviu que ela partiria naquela noite...
        Como lidar com terceiros, eis pergunta que lhe importunava deveras.
        Meditou um pouco, mas logo se convenceu de que a única resposta possível era a de Scarlet O’Hara: pensarei nisso amanhã.

                                                 *      *


 

Primárias Lá e Cá

                              
A Magra vitória de Serra


         Todo o exercício da primária no Brasil – planta aqui exótica e de escasso uso – será questionável, por não corresponder às usanças da terra. Foi assim no PT, em que a insistência de Suplicy no recurso à primária para determinar-se o candidato do partido em 2002 provocou compreensível estranheza em Lula, que nunca iria digerir o episódio.
       A primária em São Paulo para decidir acerca do candidato do PSDB à prefeitura poderia até fazer sentido, se fosse disputa entre os cinco pretendentes anteriores, nenhum deles com feitos assinalados para cargos executivos.
      Mantê-la a ferro e fogo quando se concretiza a participação de José Serra representou desatino político e um desperdício de tempo e dinheiro.
      O resultado da consulta foi desatino político porque submeteu o postulante à presidência da república, com 44 milhões de votos em segundo turno, a  inútil refrega com dois concorrentes sem nenhum título equivalente – ou mesmo vitória em cargo político executivo – a mostrar em sua fé de ofício.
      Nesse sentido, os 52% dos sufrágios não surpreendem em  pleito no qual Serra entrou de má-vontade e na undécima hora. Sem cultivar esse eleitorado, semelha despropositado que se esperassem percentuais mais inflados na sua aprovação.
     Esta é uma vitória de Pirro, menos para os dois rivais, que gozaram dos seus quinze minutos de notoriedade, do que para o próprio PSDB, que, gratuitamente, por decisão do Governador Geraldo Alckmin decidira ir em frente com a inútil prévia. O desacerto fê-la beirar a possibilidade de afastar o único candidato com reais possibilidades de vencer (hipótese nada abstrata, pela exiguidade da maioria absoluta de Serra), a par de fornecer munição para os ora pequenos rivais dos demais partidos, que anseiam por oportunidade de subir nas pesquisas, servindo-se do inepto espetáculo tucano como conveniente degrau.
 

A trabalhosa travessia de Mitt Romney


      As declarações do ex-governador Jeb Bush (irmão de George W. Bush) eram esperadas, e por isso não surpreendem. Desde muito, o quartel-general de Mitt Romney por elas aguardava com ansiedade. O respeitado ex-governador da Flórida tardou em mostrar a própria preferência. Ao ensejo de um previsto triunfo de Romney,  Jeb veio conclamar os concorrentes – o que, na prática, singulariza Rick Santorum, por ser o único com alguma chance de estragar a festa do ex-governador de Massachusetts – a que abandonem as contendas intestinas e que se unam na Convenção, sufragando o nome de Mitt Romney.
      Não é segredo que o estamento do GOP favorece o moderado Romney. Malgrado a última vitória de Rick Santorum na Lousiania, o seu número de delegados (261) não ameaça a liderança de Mitt, que tem 568 e pode tecnicamente atingir os 1148 delegados necessários para arrebatar a nomination, sem mesmo a consulta à Convenção de Tampa. Assinale-se que os dois outros concorrentes não têm perspectivas de arrebatar a indicação partidária. Se o libertário Ron Paul prossegue na sua corrida apenas para marcar posição e ter uma que outra dádiva da plataforma republicana, parece difícil atinar com válidas razões para que Newt  Gingrich continue na campanha, com os seus 137 delegados e um desempenho cada vez mais medíocre.
        A direção do Partido Republicano desde muito se conscientizou de que deverá conformar-se com o moderado candidato Mitt Romney, que tem os fundos de campanha mais bem fornidos, posto que seja rebarbativo para a militância conservadora do GOP. Por isso, a voz de Jeb Bush, que se agrega a Chris Christie e muitos outros dirigentes, era esperada e produz o matizado efeito dos antecipadados movimentos.
       Rick Santorum, o ex-Senador pela Pennsilvania, traz na sua bagagem aquilo que falta na do mórmon Romney: ele tem o apoio do Sul conservador – aquele que antes sufragava os democratas por lembranças da Guerra Civil – o que a hierarquia do GOP reputa, por provadas razões, indispensável para um candidato republicano que deseje derrotar o presidente Barack Obama.
      Agora, Santorum resolver tirar do baú outra suposta fraqueza de Romney. Como é sabido, enquanto governador de Massachusetts, Mitt fez o estado adotar uma legislação de plano de saúde que tem grande parecença com o abominado (para os republicanos) Obamacare, i.e., o Plano Geral de Assistência Sanitária votado pelo Congresso Democrata na última legislatura, antes de que a Casa de Representantes passasse a ter maioria republicana.
      De acordo com a sua natureza – e aí está outra razão para as desconfianças da militância do GOP – Mitt Romney não trepidou em renegar a sua criatura, que agora – a despeito de bem-sucedida no seu estado – considera um erro. A moderação de Romney, a sua atividade em Wall Street e na notória Bain Capital, o enfraquecem não só no Sul profundo, mas também  sua suposta fidelidade ao conservadorismo o tornam um candidato bastante dúbio para o eleitor republicano, nele incluídos os reacionários e os ultra-conservadores do Tea Party.
      Mas a famosa brokered Convention – convenção negociada – é havida como coisa impensável, o que afasta a possibilidade de alguma ave de voo curto mas pouso certo se apodere da designação partidária, e tente compensar os inúmeros defeitos do atual plantel de postulantes do Grand Old Party por uma seleção de alguém até hoje fora do tiroteio da campanha.



( Fontes:  Folha de S. Paulo,  CNN )    

domingo, 25 de março de 2012

Colcha de Retalhos CVIII

                   
Terrorismo na França (Contd.)


      Segundo consta, Mohammed Merah foi abatido com vinte tiros, sendo dois letais (na têmpora esquerda e no abdomen). A despeito do longo cerco imposto pelos policiais franceses a Merah e à recusa deste em entregar-se, há quem pergunte se não teria sido melhor prendê-lo vivo. Desfiam-se então os argumentos sobre determinar eventuais redes de apoio e possíveis cúmplices. Além de um julgamento em boa e devida forma, o que traria talvez maiores esclarecimentos.
      Dadas as condições em que se realizaram os assassínios perpetrados pelo franco-argelino Merah, e a posterior localização de sua moradia, semelha difícil prever que mais informações seriam obtidas.
     Por outro lado, o efeito imediato dos atentados e a macabra série de novas vítimas inocentes afetou o quadro das prévias. Nicolas Sarkozy pode ter muitos defeitos mas o povo francês já conhece a sua posição firme no que tange ao terrorismo e maneira de combatê-lo.
    Dessarte, sob o choque da crise o presidente foi catapultado para a liderança no primeiro turno, com 30% das preferências. François Hollande, que desde muito era o primeiro nas pesquisas, caíu para o segundo lugar, com 28%. A votação da candidata do Front National, Marine Le Pen, pelas posições do respectivo partido tenderá igualmente a crescer.
    Quanto à permanência de tais resultados até o primeiro turno afigura-se uma outra estória. O candidato centrista, François Bayrou, adotou um discurso interpretado como crítico a Sarkozy, mas a reação oficial foi forte. A impressão deixada de instrumentalização acabou voltando-se contra o autor da tese.
    A única reserva que atinge talvez mais a justiça foi o fato de que um juiz condenara Mohammed Merah, porém deixara para emitir a sentença em abril. Além de ser prática corrente, o juízo que condenara o franco-argelino se reportava a delitos menores, até então a característica da sua trajetória. Esse tipo de censura perde muito de sua validade, se examinado no contexto da comunidade de extração árabe, de seu tamanho e incidência desse gênero penal.
    A curva ostensiva da periculosidade de Merah sofreu dramática inflexão, após os bárbaros atentados contra soldados, além de crianças e do rabino na Escola Judaica. E não se pode, portanto, argumentar com elementos que naquele momento só eram do conhecimento do terrorista.     
   

O assassinato de adolescente negro na Flórida


   O jovem Trayvon Martin, de dezessete anos, negro, foi abatido e morto por um segurança de vizinhança, George Zimmerman, que invocou estar agindo em legítima defesa, com base em discutida lei estadual de auto-defesa (Stand your ground law).
   Como o delegado que tratou do caso sequer indiciou o assassino, houve forte reação nos Estados Unidos, com manifestações contrárias em diversas localidades.
     O presidente Barack Obama, na cerimônia da Casa Branca relativa à designação do candidato americano à presidência do Banco Mundial, o coreano-americano Jim Yong Kim, aceitou falar sobre a questão em tela. Após observar que se ele tivesse um filho, ‘ele se pareceria com Trayson’, Obama disse: ‘Penso que cada pai nos Estados Unidos deve entender que é absolutamente necessário que se investiguem todos os aspectos desse caso.  Todos nós carecemos de nos perguntar (do some soul searching) como uma coisa dessas pode acontecer’.
     O Departamento de Justiça está investigando o assunto. Por isso, Obama fez questão de assinalar que os seus comentários seriam limitados, embora tal não se aplicasse às suas reações pessoais como pai.
     Quais são os fatos? Mais este incidente sulista ocorreu a 26 de fevereiro, quando George Zimmerman, de 28 anos, perseguiu, confrontou e alvejou mortalmente Trayson Martin, um estudante ginasial, desarmado. Estão pendentes de decisão: se Zimmerman deve ser preso; se a aludida lei da Flórida vai longe demais na proteção de pessoas que atiram em outras; e se o chefe de polícia de Sanford, Bill Lee,  que sequer indiciou Zimmerman, deve ser demitido.
     A sentida intervenção do Presidente Obama no jardim de rosas da Casa Branca teve também o condão de induzir três candidatos republicanos a quebrarem sobre a tragédia de Trayson Martin o silêncio que guardaram até então.
     O mutismo anterior de Rick Santorum, Newt Gingrich e Mitt Romney se explica igualmente pela saia-justa em que ficariam junto a certos elementos de sua base sulista. Não é preciso pensar muito para determinar que tipo de ‘base’ é esta, em termos de respeito aos afro-americanos. Acresce notar que a conhecida NRA (Associação Nacional do Rifle) defende fortemente as tais leis de auto-defesa, que  são óbvio incentivo a esse tipo de atitude confrontatória no que diz respeito aos negros.   



A Primeira Dama e a Repressão na Síria


    Asma al-Assad é a bela esposa de Bashar, o presidente da Síria. As suas fotos têm aparecido na imprensa com maior frequência nos últimos tempos. Em verdade, a comparação não se afigura das mais precisas, eis que antes jamais se vira na mídia internacional a loura primeira dama da república alauíta.
   Os retratos apontam para outras características que, com exceção da vizinha raínha da Jordânia, não são corriqueiras no mundo árabe-islâmico. Com efeito, ao contrário de suas companheiras de palácio, Asma não usa o véu islâmico que sói, de acordo com difundido costume religioso, encobrir os cabelos das mulheres.
   Há muitas variações para essa usança, que cresceu bastante com a progressão do integrismo no mundo islâmico. Na Arábia Saudita, por exemplo, existe polícia religiosa que cuida da observância mínima de parte das mulheres no que tange ao que seriam os trajes recomendados. No Irã, o xador constitui espécie de sinal indicativo do apego do gênero feminino a essa mostra de submissão corânica.
   Nos retratos da loura Asma nada disso é visível. Veste, em geral, trajes ocidentais de fino corte, aparecendo seja ao lado do marido, o presidente Bashar, ou sozinha.  De trinta e seis anos de idade, não costuma expressar-se em público, como o fizeram no passado outras rainhas e primeiras-damas.
    Malgrado a sua discrição, a politica veio atingi-la através das sanções acordadas pelos ministros do exterior da União Europeia. Foram baixadas proibições de viagem sobre a família de Assad, inclusive a esposa.
    Há dúvidas, no entanto, quanto à extensão do cumprimento das medidas. Asma, que é conhecida pelas suas compras de vestuário e de artigos correlatos nas grandes lojas, porta um passaporte britânico, o que poderia complicar eventuais intentos de proibi-la viajar para o Reino Unido. O apreço pelas compras de artigos femininos e de jóias em particular não se cinge decerto ao presente, envolvendo personalidades de há muito desaparecidas que também tinham um fraco por esse gênero de endereço e roupagem.



( Fontes:  Folha de S. Paulo, International Herald Tribune )