sábado, 15 de novembro de 2014

Ilegais as Sanções contra a Rússia?

                      

          Podem definir-se como desfaçatez ou cinismo, as observações do Presidente da Federação Russa, Vladimir V. Putin, no que concerne às sanções aplicadas pelos Estados Unidos e a União Europeia contra o seu país. E dão desconfortável sensação de mentalidade imperialista, como se não existisse o sistema das Nações Unidas, e que ainda vivêssemos sob a égide do direito do mais forte.

         Considerar ‘ilegais’ as aludidas sanções é dar prova de atitude psicológica – que prefiro não aprofundar – e que evidencia preocupante dissociação entre duas vertentes da realidade, como se ao Kremlin no que tange aos países menores colindantes tudo fosse permitido, a exemplo dos velhos e malfadados  tempos do chamado concerto das grandes potências do século XIX.

          Barack Obama apodou a Rússia de poder regional, vincando adrede o recente desmoronamento da União Soviética, e o breve interlúdio de Washington  como solitária superpotência.

          Pelas trapalhadas de George W. Bush, e a sua ruinosa aventura na fátua busca das armas de destruição de massa (WMD) do ditador Saddam Hussein, adentrou-se mais rápido do que o esperado no que A.J. Toynbee definiria como período intermediário de estados sucessores de ordem pregressa.

          Seja por inépcia, ou húbris do citado 43º Presidente, a decantada superpotência se viu a braços com o chamado declínio, que se reflete em muitos aspectos do poder estadunidense. O livro famoso de Oswald SpenglerA Decadência do Ocidente – saíu de empoeiradas estantes, para relembrar-nos da peripeteia (súbita mudança de situação) em que a então chamada Grande Guerra (1914-1918) nos introduziria para as calamitosas desgraças do século XX.

          Mas voltemos às declarações do Presidente russo, dadas à agência estatal Tass, ao ensejo da reunião deste fim de semana da Cúpula do G-20,  em Brisbane, na Austrália.

          “As sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e a U.E. contra a Rússia são ilegais.” No entender de gospodin Putin, “as sanções vão contra o princípio das atividades do G20 e da Lei internacional, já que somente podem ser introduzidas por meio das Nações Unidas e seu Conselho de Segurança”.  E aduz o Presidente russo: “Claro que as sanções causam certo dano a nós, mas também são prejudiciais aos Estados Unidos da América, porque todo o sistema  de relações econômicas internacionais está sendo debilitado.”

          Não surpreenderá a seus compatriotas não só a expressão marmórea de Putin, quanto a eventuais discrepâncias de seus juízos da realidade circunstante.

          Chamar de cinismo a sua atitude – e com ela surpreender-se – seria dar prova de ignorância no que tange as eventuais reações do Senhor do Kremlin. A má-fé está presente em dois aspectos  que nada têm de tangencial. Por um lado, a Federação Russa é membro permanente do Conselho de Segurança, com direito absoluto de veto sobre questões examinadas por aquele colegiado, e que porventura estime de seu direto interesse. E, mesmo que preferisse abster-se, teria na aliada China o voto que anularia qualquer eventual providência dirigida contra Moscou.

             Por outro lado, a maneira com que Putin vem intervindo na Ucrânia é outro exemplo gritante de comportamento totalmente contrário ao respeito dos tratados, do direito internacional e dos pacta sunt servanda. A começar pela descarada invasão e anexação da península da Crimeia. Não satisfeito com tal conquista, Vladimir Putin vem metodicamente seguindo política de desestabilização da Ucrânia oriental.

             Em termos de interferência nos assuntos internos de país fronteiriço, não poderia ser mais cínica e multifacética. O princípio básico de Moscou no que tange à Ucrânia é a criação de situações de insegurança no território vizinho. Dessarte, o restabelecimento do poder territorial de Kiev será sempre contrastado, se as forças militares desse país estiverem na iminência de dominar o suposto secessionismo.

             Vladimir Putin considera ilegais as moderadas sanções do Ocidente.  Como definiria as suas repetidas intervenções no território ucraniano? Elas contrariam a própria lei russa, que proíbe o emprego de conscritos em aventuras militares, o que tem redundado na volta desses soldados para o solo da Mãe Pátria, só que de forma permanente (caixões ou body bags).

              As sanções contra a economia russa, por delimitadas que sejam, incomodam e são o único instrumento disponível para o Ocidente  de constranger o Presidente Putin a restabelecer a legalidade e o respeito mútuo no que tange aos países de seu entorno. A Ucrânia é apenas um exemplo, e o apoio colhido por Washington junto às demais nações vizinhas da Federação Russa diz muito sobre a real situação causada pela irrequieta potência regional.                  

              

( Fonte: Folha de S. Paulo ) 

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