sábado, 19 de julho de 2014

O Teatro de Putin


                                   

         O Presidente Barack Obama, após examinar a inteligência levantada pelos serviços americanos, reportou-se em entrevista na Casa Branca ao papel desempenhado pelo Kremlin em armar os rebeldes na Ucrânia oriental.

         Os últimos acontecimentos, que acarretaram a derrubada de um voo da  linha aérea Malaysian Airlines, e centenas de mortos civis, constituem um “ultraje de proporções indizíveis”.

          O presidente americano disse que os separatistas foram armados e treinados com base em apoio russo. “Aeronaves que voam a grande altura não podem ser abatidas sem treinamento e equipamento sofisticado, e isso está vindo da Rússia.”

          Obama acusou Putin de estar empenhado em uma guerra por procuração (proxy war), o que está levando à tragédia. “Ele dispõe de grande controle sobre a situação, e por enquanto ele não o tem exercido (no sentido de evitar tais desastres)”.

          Em declarações que provocariam vômitos em Gastão, personagem do saudoso Henfil, Vladimir Putin encareceu conversas: “Todas as partes no conflito devem cessar a luta e começar negociações de paz. É com grande preocupação e tristeza que nós estamos observando o que sucede na Ucrânia oriental. É horrível, é uma tragédia.”

          Diante do cinismo, a reação pode ser de impotência, ao deparar-se que a mentira e a injustiça prevaleceram. Se na invasão da Criméia, e posterior anexação – que contou inclusive nas Nações Unidas com o voto inconstitucional da antidiplomacia de Dilma Rousseff, que envergonha o Brasil e é achincalhe à nossa tradição diplomática – Putin parece ter logrado êxito no seu desrespeito ao direito internacional, e aos pacta sunt servanda[1] com desgaste menor, o sucesso imperialista o fez enveredar por empresa muito mais complexa.

           A revolta na Ucrânia oriental, insuflada por Moscou, e alimentada com armamentos e iteradas ameaças de invasão de tropas (os quarenta mil) que estão na cabeceira da linha férrea que vai de Kharkov a Luhansk e Donetsk, é um jogo perigoso, dada a extensão da área, e a disposição de boa parte da população contrária a esse gênero de aventura.

           Utilizando-se de tática que julga sofisticada – fez inclusive transitar por círculos a eles próximos que não mais se dispunha a apoiar os rebeldes pró-Rússia – gospodin Putin continua a praticar o que nega, vale dizer a armar os rebeldes e a intervir para o agravamento da situação.

            De  certa maneira, o silêncio internacional que o circunda, em termos de manifestações de apoio veio a ser reforçado por um sobrevivente da guerra fria, Fidel Castro, que julgou oportuno manifestar-se a favor do movimento rebelde pró-Rússia, acusando a Ucrânia da derrubada do avião, e descrevendo, em artigo no 'Granma', o incidente como "provocação insólita".  

            Por fim, o comportamento dos separatistas que guardam o sítio do desastre mostra claramente temerem os resultados de uma investigação séria e independente. Se permitiram a entrada na área na sexta-feira de algumas equipes para coletar os corpos, a Organização da Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) revelou que rebeldes armados impediram os seus monitores de terem pleno acesso ao sítio, de modo a garantir caminho seguro para a investigação e  operações de recuperar os destroços do desastre.

             Está mais de acordo com o comportamento desses milicianos a serviço de Moscou – e as detenções ilegais dos inspetores da OSCE já o demonstraram sobejamente em passado recente – que um rebelde chegou a atirar para o ar, na saída dos monitores.

             O porta-voz da OSCE, Michael Bociurkiw, acrescentou que os cadáveres começam a inchar.

              Eles são no terreno de girassóis as provas que clamam contra o ultraje sofrido, e pedem justiça.

 

(Fonte:  The New York Times)       




[1] ‘Os pactos devem ser respeitados’, princípio fundamental do Direito Internacional Público.

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