domingo, 6 de julho de 2014

Colcha de Retalhos B 26


                           

O assassínio de Francisco Ferdinando

 

        Por mais de 25 anos o Arquiduque Francisco Ferdinando(1863-1914) esperou pela saída de cena do velho Imperador da Áustria, Francisco José I. Não sabia que esperava em vão.

        O herdeiro presuntivo da coroa austro-húngaro seria assassinado em Serajevo, a 28 de junho de l914. Estava em visita à Bósnia-Herzegovina, que fora anexada ao Império em 1908. Nunca um terrorista como Gavrilo Princip provocaria tanto mal e tantas desgraças com o seu ato criminoso.

        Apesar de considerada um organismo em vias de extinção, a chamada monarquia dual – que foi constituída em função de acordo entre a Áustria e a Hungria, em seguida à derrota militar frente à Prússia, que determinara o afastamento do novo Reich alemão de qualquer ingerência austríaca – funcionava a contento.

         A maior parte dos habitantes do Império viam no domínio do estado habsburgo a prevalência dos benefícios estatais: a educação pública, as obras de sanidade pública, a segurança e a manutenção de sofisticada infra-estrutura. O funcionamento do Parlamento federal, se por vezes prejudicado pelas exigências das muitas línguas que podiam ser usadas, e as táticas dilatórias – que fariam inveja ao filibustering americano – na verdade não atentavam contra a democracia austro-hungárica.  Seria o grande jornalista vienense Karl Kraus que descreveria de forma irônica o falso problema: a situação era  desesperada, mas não séria”.

         Nas duas partes da monarquia – a austríaca, de fala alemã, e a húngara, de fala magiar – estavam sediados os respectivos governos, a que presidia o Imperador Francisco José. Esse estado, que muitos acreditavam nas vascas de um processo de irremediável deterioração, desmentido por  uma plêiade de intelectuais, cientistas e artistas. Para citar apenas alguns nomes, Ludwig Wittgenstein, na filosofia, Gustaf Mahler, na musíca,  Sigmund Freud na psicanálise, Gustaf Klimt na pintura, Robert Musil na literatura, e Johann Straus, na opereta, não passavam imagem de uma sociedade carcomida.    

          A amarga ironia do atentado estava em que se abatia o Arquiduque Francisco Ferdinando por seus bons propósitos. Na verdade, pretendia retirar a Monarquia dual da estagnação a que a longa vida do Imperador Francisco José condenara a entidade austro-húngara nos anos derradeiros de seu extenso reinado (1848 – 1916)

         A respeito da eclosão da chamada Grande Guerra, que, com a política das alianças e o seu protervo atrelamento à instável região dos Balcãs, poria fim a um período de prosperidade e de inter-relações intensas (os viajantes não careciam de passaportes). O centenário da 1ª Guerra Mundial, que cai em julho corrente, marcaria o começo do fim das Grandes Potências Européias.  Nunca um conflito – desencadeado por uma série monumental de erros - assinalaria um turning point (momento determinante de mudança) de tal relevância.  A alegre sociedade da belle époque saía bruscamente de cena na carnificina das trincheiras, no desaparecimento de três Impérios (o austríaco, o russo e o otomano), e abria as comportas para as desgraças subsequentes do século XX.

        Nesse contexto, os gabinetes europeus – a França com a sua política de generosos empréstimos à Sérvia e a São Petersburgo (então capital do Tzar Nicolau II), a Inglaterra de Sir Edward Grey, que com sua ambiguidade político-diplomática induziu em erro aos Impérios Centrais, a corte de Viena, que, por exigências desatinadas abriu as portas para os deuses da guerra, e o próprio Guilherme II da Alemanha, que com suas limitações intelectuais e desequilíbrio emocional já zelosamente contribuíra para desfazer a obra-mestre do Chanceler Bismarck – seriam os coveiros da Paz e da época de ouro das potências europeias.

       Dessarte, se o arquiduque não tivesse sido assassinado, a história mundial poderia se ter encaminhado por outras sendas. E nisso é esclarecedora a obra de Christopher Clark –“The Sleepwalkers (Os Sonâmbulos).Como a Europa entrou em guerra em 1914” é de grande relevância, pela sua reconstituição da política dos gabinetes europeus (os da Entente Cordiale – França, Inglaterra e Rússia – e os da Tríplice Aliança, de Alemanha, Austria-Hungria e Itália[1] ) – e pelo minucioso trabalho de retratar, por extensa e acurada pesquisa, a formação do um ambiente irreal e desatinado,  em que a conflagração geral constituía o objetivo de muitas dessas capitais.

        Nunca o dito de que a História é um conjunto em que boas intenções pavimentam o caminho do Inferno reponta como assertiva de esmagadora realidade.  Nela, os ‘se’ são espantalhos  que os ventos cuidam de carregar para as florestas indevassáveis das ilusões perdidas.

 

Visita do Vice Biden ao Brasil 

 

        A vinda ao Brasil do Vice-Presidente Joe Biden atendeu a mais de um freguês.  Presenciou jogo da equipe americana na Copa do Mundo – há pouco  eliminada pela Bélgica, com a performance marcante do arqueiro Howard ; e  visitou a Presidente Dilma Rousseff, em contato que estaria no contexto de um reestreitamento de relações entre Brasil e EUA, após as revelações de Edward Snowden e as indiscrições da NSA em termos de espionagem cibernética nas comunicações da Presidenta.

        Foi nesse contexto que Dilma cancelara sua ida ao jantar na Casa Branca, e à recepção de Estado.  Também foi a causa de forte discurso na Assembleia Geral, e de coparticipação com a Alemanha de Frau Angela Merkel em uma recomendação da AGNU contra esse tipo de indiscrição estatal.

        Dessarte, a visita de Joe Biden seria para preparar um eventual reencontro entre Obama e Dilma. Ainda nesse quadro, foi apresentado, com alguma fanfarra, a propósito de colaboração do Governo estadunidense, coleção de documentos dos anos da ditadura militar que se acham nos arquivos de Tio Sam.

         No entanto, esse donativo é definido pela insuspeita coluna de Elio Gáspari como ‘pura marquetagem, quase um vexame’.  Dos 43 documentos entregues, 25 já eram do domínio público, alguns mesmo acessíveis pela internet.

           

(Fontes: The New York Times, The Sleepwalkers, de Chr. Clark, Folha de S. Paulo)



[1] Na verdade, a Itália era nessa aliança um remanescente da política bismarckiana, e já havia concertado a sua defecção para a Entente, quando estourasse a guerra.

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