Guerra na Ucrânia Oriental
Vladimir Putin tirou uma lição muito diversa de a que se esperava da
queda do voo da Malaysian Airlines.
Os 298 mortos, vítimas de disparo missilístico que foi lançado por sofisticado
sistema russo de lançamento, com a quase certa participação de militares
russos, constituem a prova irrefutável de um mega-crime.
Não se detectam até agora medidas
seja no campo das sanções, seja na determinação de assistir o Estado da
Ucrânia, que vem a ser vítima, e em espaço de tempo relativamente curto, de
novo ataque da Federação Russa, agora com claros propósitos de respaldar os
separatistas pró-Rússia, e de estancar os eventuais ganhos territoriais do
exército ucraniano na recuperação de sítios antes sob o domínio rebelde.
O vice-presidente Joe Biden tem telefonado para o Presidente Poroshenko, prometendo apoio. Data
vênia, o presidente Barack H. Obama
deveria comunicar-se com quem pode não dispor de seu poderio militar, mas tem a
mesma posição hierárquica, conseguida pelo voto livre do povo ucraniano.
Obama é homem cauteloso, mas quero
crer que de quando em vez seria oportuno que telefonasse para o Presidente
constitucional da Ucrânia, que herdou
país mutilado pela anexação ilegal da península da Crimeia, e que agora se
defronta com a agressão russa nos limites orientais do país.
Não é o caso de lançar o mundo no pesadelo
de uma crise em que armas nucleares estejam em jogo, mas a superpotência dispõe
de muitos outros meios de forçar o Kremlin a abandonar a sua cínica afronta a
um país vizinho e soberano.
Tem-se falado de aplicação de
sanções. O problema que parece existir é que a referência a esse tipo de medida
não tem levado à imposição de punições no campo financeiro, assim como nos
fluxos comerciais.
Gospodin
Vladimir Putin vem agindo dessa forma provocante e sobranceira para passar a
impressão de que está acima dessas ameaças não-efetivadas. Tampouco a superpotência
depende de fornecimentos energéticos, como é o caso de países europeus, com
substancial força econômico-financeira, mas suscetíveis de sofrerem interrupções de fornecimento de energia, que
são igualmente inaceitáveis, mas que dados os métodos do Kremlin nem sempre são
de molde a que se possa excluir o emprego deste recurso extremo.
Não estamos falando de brinkmanship, como nos tempos
de Eisenhower e Foster Dulles. Mas de alguma forma o agressor – que não
respeita o direito internacional e só se atém a considerações de força e de
oportunidade – tem que ser convencido de que a sua presente postura, ao
invés de trazer-lhe benefícios, é suscetível de gerar uma série de
dificuldades, contratempos, desvantagens e, sobretudo,
prejuízos materiais e financeiros, que uma outra atitude mais conforme ao
direito internacional e ao respeito à boa vizinhança tenderá a evitar, se
mantida de modo duradouro, sem quaisquer interrupções, nem conducente à
utilização de qualquer expediente que possa ser considerado como simples embuste, ou tentativa de ganhar
tempo, para voltar em seguida aos mesmos objetivos de transgressão às normas
internacionais.
Em outras palavras, ao montar estratégia nesse sentido, o Presidente
Barack Obama estará dando lição prática ao Presidente Vladimir V. Putin quanto
às vantagens a serem auferidas em que passe a respeitar as normas das boas relações
e do respeito ao direito alheio. O
Presidente Obama mostraria a firmeza responsável que o Ocidente espera dele, no
sentido de tornar patente ao Presidente Vladimir Putin que também o crime
internacional não compensa.
Causas da 1ª Guerra Mundial (Conclusão)
O assassínio do Arquiduque
Francisco Ferdinando mudaria o panorama político, e não só na Áustria-Hungria,
mas em toda a Europa.
Francisco Ferdinando fora abatido
por conjura originária da Sérvia, e de que oficial do exército sérvio Dragutin Dimitrijevich, alcunhado Apis,
pelos largos ombros do boi-deus egípcio, seria a mente propulsora. No entanto,
a idéia da eliminação do herdeiro do trono austríaco partira provavelmente de Rade Malobabich, sérvio nascido na
Áustria-Hungria, que viria a informar Apis da próxima visita do Arquiduque à
Bosnia. Malobabich, hábil espião, que escapara inúmeras vezes da captura pelas
forças austro-hungáricas, encontrava-se com Dimitrijevich no quadro da
associação secreta Mão Negra, formada,
a onze de junho de 1903, para o banho de sangue do assassinato do Rei Alexandre
e da Rainha Draga, e de todos os membros
da família real. O massacre poria fim literalmente à dinastia Obrenovich.
No confinado mundo de extremismo e violência,
que caracteriza o irrequieto pequeno reino sérvio, semelha inteligível e quase
natural neste peculiar ambiente dos Balcãs que tais projetos terroristas caíssem
sob o manto da Mão Negra, com a sua
cultura de segredo e dissimulação.
A amarga ironia de que o herdeiro da
Coroa austro-hungárica devia ser eliminado, e não por seus defeitos, mas por
suas qualidades, constituía o falso paradoxo que norteou o grupo de fanáticos e
desajustados. Como chamar os agentes-assassinos doutra forma, se estavam
prontos a matar o Arquiduque e em seguida suicidar-se (além da bomba e da
pistola, portavam frasco de cianureto)?
Para esses radicais, Francisco Ferdinando
impossibilitaria a formação da grande Sérvia, pelas reformas que introduziria
na monarquia, abrindo espaço para os eslavos, com a perspectiva de Zagreb tornar-se
a capital dos eslavos dentro da monarquia. A idéia básica do Arquiduque estava
na criação, dentro do Império, de Iugoslávia, com predominância croata (e,
portanto, católica). Segundo Clark, contudo,
o pensamento do herdeiro real evoluíra por volta de catorze no sentido de ampla
transformação em que o Império dos Habsburgo se transformaria nos “Estados Unidos da Grande Áustria”, com
quinze estados membros, muitos dos quais com maioria eslava.
Dentre as personalidades com
responsabilidade indireta quanto ao assassínio do Arquiduque, o Ministro-conjunto
das Finanças da Áustria-Hungria, Leon Bilinski, como já referi na
primeira parte, recebera pelo Ministro de
Legação Jovan Jovanovich a ambígua advertência do Primeiro Ministro da
Sérvia, Nikola Pasich, quanto a
eventuais perigos na visita do Arquiduque à Bósnia, e não a repassara, como
devera, ao Conde Leopold von Berchtold, Ministro dos Negócios Estrangeiros do
Império. Se isto terá pesado de algum modo na sua consciência, aumentou-lhe
decerto a impaciência no que concerne às questões da
Bósnia – que estavam formalmente sob sua jurisdição – e, em especial, quanto à
incompetência ou voluntária negligência do governador Oskar Potiorek, que se
refletiram na bastante descurada segurança dos príncipes reais, quando da
malfadada visita àquela província. Talvez por sentimento inconsciente de culpa
se reforça, assim, a agressividade anti-Sérvia do Ministro Bilinski, o que se
refletiria no teor do ultimatum que a
Monarquia dual apresentou à chancelaria de Belgrado.
Ultimatum à Sérvia. Determinada a responsabilidade de instâncias
paragovernamentais da Sérvia no assassinato do arquiduque e de sua esposa, a
monarquia austro-húngara apresenta ultimatum ao governo da Sérvia, que é
pintado por muitos como excessivo e absurdo nas suas exigências. Na verdade, no
entendimento de Christopher Clark, o
documento apresentado pela Áustria-Hungria ao governo sérvio era muito mais
brando do que o ultimatum apresentado pela OTAN
à Sérvia-Iugoslávia na forma do chamado Acordo de Rambouillet redigido em fevereiro
e março de 1999 para obrigar os sérvios a obedecerem a política da OTAN em Kosovo.
Pronto o
documento, o Ministro austríaco Barão Giesl telefonou para o ministério do
exterior em Belgrado, para informá-lo que comunicação
importante será entregue ao Primeiro Ministro Pasich, naquele 23 de julho,
às 17 horas. Este, contudo, em campanha eleitoral em Nis, se recusa a regressar à capital. Receba Giesl
no meu lugar, é a instrução do Primeiro Ministro ao Ministro das Finanças Lazar
Pacu, seu substituto designado. Quando o
Ministro Giesl aparece às 18 horas (houve adiamento de uma hora), Pacu o recebe, ladeado por Gruich, porque o
Ministro das Finanças não fala francês. Giesl entrega o ultimatum, com anexo de
duas páginas, e nota interlocutória da missão austríaca para o Ministro Pacu,
que informa ser o prazo de resposta de
48 horas. Personalidade evasiva, o Primeiro Ministro Pasich tarda muito em
voltar para Belgrado, diante da emergência. A reação da Sérvia oscila, de
início, entre a recusa de atender às exigências, mas depois chega a considerar a
aceitação de suas imposições. O próprio Pasich manda circular às missões
sérvias a 25 de julho declarando que a intenção de Belgrado é responder de
forma conciliatória em todos os pontos, e oferecer “plena satisfação” a Viena.
Os sérvios estão dispostos até mesmo a aceitar os tópicos 5 e 6 que estipulam
comissão mista de inquérito, “desde que a designação de tal comissão possa ser
confirmada como de acordo com os costumes internacionais”.
Será somente quando o
governo sérvio é informado de que o governo russo se dispõe a entrar em
guerra com a Austria, e a tomar a Sérvia sob sua proteção, que muda a atmosfera
em Belgrado. Sob instruções de Pasichi se prepara resposta ao ultimato, documento de muito engenho e tergiversação,
que na forma mais cortês possível não atende a nenhuma das exigências da Monarquia dual. Foi para Pasichi e seus
ministros leda surpresa, eis que em
outubro de 1913 o Ministro do Exterior russo Sergei Sazonov havia aconselhado
Belgrado a recuar diante do ultimatum austríaco sobre a Albânia.
Transcorridos cerca de oito meses, São
Petersburgo ora se dispõe alacremente a mobilizar e a entrar num conflito com
os Impérios Centrais, coisa que sequer então passara pela cabeça do Ministro
Sazonov.
Ainda no contexto do ultimatum,
provocou estranheza na Europa o prazo relativamente longo tomado pelo Império
austro-húngaro para reagir. Dado o óbvio envolvimento da Sérvia no assassinato,
e a brutal eliminação do casal real, se Viena houvesse atuado com mais
presteza, golpeando Belgrado em breve prazo, a presunção seria que as potências
europeias, ainda sob o impacto do golpe infligido à monarquia dual, teriam
maior compreensão pela reação austríaca.
Deixando, no entanto, passar cerca de
mês, a resposta não mais se beneficiava do caráter visceral. Dado o caráter
burocrático que assinala tantas ações do estado austro-hungárico, não
surpreende, portanto, que a resposta tivesse quase evoluído dentro dos trâmites
usuais.
Agindo
friamente por motivos inconfessáveis, não terá passado pela cabeça de Gavrilo
Princip o imenso mal que provocaria para Europa e o mundo com o atentado de
Sarajevo. E, no entanto, depois do desaparecimento da cena europeia do Príncipe
Otto von Bismarck, e da entrada no palco de políticos de menor estatura, não
tardaria muito a criarem-se pelas cortes do Velho Continente e seus gabinetes,
os instrumentos adequados para transformarem a Belle Époque na antessala do Inferno.
E é por isso que faz muito sentido
a descrição por historiadores modernos da maneira quase maquinal com que esses
gabinetes cuidaram néscia e voluntariamente, seja de assegurar a própria
destruição, seja seu brutal empobrecimento. Daí o mecanismo diabólico da política
de alianças que sobreveio depois da saída de cena do Chanceler Bismark – que a revista Punch de forma alegórica e premonitória descreve no celebre desenho
do Chanceler descendo a escada de portaló da nave do estado germânico, espiado
da balaustrada do convés pelo jovem Kaiser, acompanhado do favorito da vez - que tentarei resumir nas linhas abaixo.
Com a guerra franco-prussiana de
1870, e a vitória da Prússia, se completa a obra de Bismarck, no que tange à
reunificação da Alemanha. Apesar do parecer do Chanceler em contrário, o
Imperador da Alemanha, coroado no Palácio
de Versailles, força a anexação da Alsácia e Lorena à Alemanha (essas duas
províncias, de origem germânica, tinham sido anexadas à França pela Paz de Westphalia, que concluira a
guerra dos trinta anos em 1648).
Em março de 1890, com a exoneração
da Chancelaria do Príncipe von Bismarck, o Kaiser Guilherme II se acredita
capaz de ser o seu próprio Birmarck. Na
verdade, o seu ativismo juvenil, conjugado com as respectivas limitações
intelectuais e a consequente falta de visão estratégica, contribuirá para que
em poucos anos se desfaça o sistema de alianças ideado por Bismarck. Na
concepção bismarckiana, a França era a única potência a ser contida, eis que,
por força da derrota de 1870, a perda da Alsácia e da Lorena a colocaria
necessariamente no campo hostil ao Império germânico.
O principal erro foi a
não-renovação da aliança com a Rússia, por decisão do sucessor de Bismarck, o conde Leo von Caprivi. O novel Chanceler
permite que tal tratado – e suas cláusulas secretas – caduque, Não obstante as
gestões pela sua manutenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Nikolai Giers.
Apesar de pouco terem em comum,
Rússia e França, até então sem alianças, nos anos seguintes, se aproximam e
firmam tratado que os generosos empréstimos franceses cuidam de reforçar,
tornando mais intenso o intercâmbio entre a Democrática Terceira República e o
Império Absolutista dos Tzares.
Por sua vez, a chamada Tríplice Aliança – de
Alemanha, Áustria e Itália - se tornará
capenga com a chamada Entente Cordiale
– aliança informal entre a Inglaterra de Eduardo VII e a República francesa. Se
o aporte militar da Itália não teria grande peso, a larvar defecção da aliança
dos poderes centrais mina qualquer planejamento, pela certeza de que não se
efetivará quando a guerra acontecer. Além disso, a participação da Itália na
Tríplice Aliança sofria de artificialismo, dada a passada hostilidade
ítalo-austríaca, motivada em especial por causa da dominação pelo imperialismo austríaco de províncias no
norte italiano, sobretudo no Veneto e na Lombardia.
Verifica-se, portanto, que a
despeito de patéticas tentativas de Guilherme II de recosturar a aliança com o
Império Russo, através de encontros com o seu primo Nicolau II, todas as precárias construções dinásticas do trêfego soberano
Hohenzollern davam em nada, pelas
concretas obrigações que ligam os Romanoff aos republicanos gauleses, e que
forçam Nicolau II, quando regressava a
São Petersburgo, a dar o dito por não dito.
Por outro lado, o cerco
estratégico contra a Alemanha se vai cerrando com a Entente Cordiale franco-britânica, de 1904, e a Convenção
Anglo-Russa de 1907. Como sublinha Christopher Clark são alinhamentos ainda
frouxos, e tomará tempo até que se enrijeçam para formar as coalizões da 1ª
Guerra Mundial. Sem embargo, os perfis dos dois campos opostos já são
claramente discerníveis.
Na Inglaterra, Edward
Grey assume o Foreign Office
em dezembro de 1905. Transmitiria ao ministério, durante a longa estada – até dezembro de 1916 – na
qualidade de líder dos imperialistas liberais, com seus traços distintivos (o
distante aristocrata que não possui ambição pessoal) a atenção para ‘a ameaça
germânica’, a par do cultivo da
dissimulação e da ambiguidade. Com o respectivo
controle do ministério do exterior, cresce o poder da grupo
anti-germânico. Ao contrário da França, tal postura antagônica – que
singulariza a Alemanha como o rival da Álbion que, por conseguinte, deve ser
contido – não é de conhecimento público. A própria ambiguidade de Grey seria
expressamente mencionada no contexto de Versailles, com vistas a evitar que o
segredo pudesse estender-se a ponto de prejudicar a formação do juízo das
partes envolvidas, no que tange à posição de Sua Majestade Britânica.
Já se vê que o quadro se
alterava deveras, e não favorece o campo dos Impérios Centrais (Alemanha e
Áustria).
Por sua vez, a Rússia atravessa
duas fases distintas: a desastrosa Guerra Russo – Japonesa, iniciada em 1904
pelo Império nipônico (como de hábito, sem declaração de guerra), depois de
provocações russas, com a destruição de boa parte da frota imperial russa. Em
função do trauma desta guerra, eclode a revolução de 1905, em que surge a
figura revolucionária de Leon Trotzky.
Diante da quase catástrofe provocada pelo próprio aventureirismo, o poder de
Nicolau II se enfraquece. Para sua sorte, o Ministro
Sergei Witte reorganiza a administração, com reformas para unificar o governo. Sucedido por Pyotr.A.Stolypin
(1906-1911), este com determinação, inteligência e carisma logra impor a sua
autoridade pessoal sobre a maioria dos ministros, imprimindo coerência
governamental, o que era desconhecido antes de 1905. Permanece nesse período em
relativo limbo o Tzar Nicolau II. A despeito da autoridade dinástica, a escassa
capacidade mental não o ajuda com vistas à respectiva compatibilização em face da
complexa realidade do Império.
Entende-se, por conseguinte, que com o desaparecimento de Stolypin
(assassinado por terrorista no outono de 1911) as questões não mais tenham a
segura direção de antes. Mostra de o que viria pela frente foi a crise da
anexação da Bósnia-Herzegovina pela Áustria. O Ministro do Exterior Alexander Izvolsky causa enorme confusão.
Depois de obter a anuência de Nicolau II (mas sem informar o Primeiro Ministro
Stolypin) acordou com o então Ministro do Exterior da Áustria-Hungria, Conde Alois Aehrenthal, que em troca a
Rússia teria o apoio austríaco para seu
acesso aos estreitos de Bósforo e Dardanelos, que estava sob domínio do Império
Otomano.
A crise varreria Izvolsky do ministério
porque, em troca da anexação da província da Bósnia-Herzegóvina, o apoio
austro-hungárico nos Estreitos tinha pouco ou nenhum valor, eis que a
Grã-Bretanha se opunha firmemente ao acesso pela Rússia ao Mediterrâneo.
O Ministro das Finanças, o Conde
Vladimir Kokovtsov, lograria a presidência do Conselho, mas com vários
ministros, como o da Agricultura, Alexandre
Krivoshein, engrossando o partido do ativismo, o poder do Tzar de novo
aumenta. Kokovtsov, a despeito ou talvez por causa de seu bom senso
(lembrando-se de 1905 restringe os créditos militares) acabou sendo afastado do
simulacro de gabinete na Rússia. Na verdade, inexistia autêntico Conselho de
Ministros no Império tzarista. Os ministros constituíam um conglomerado, e
muitos deles não estão sujeitos à autoridade do Presidente do Conselho. A fragmentação e a desordem aumentam com a
possibilidade de ministros se acordarem com o próprio Soberano, que assim os
ajuda a contornar qualquer controle do principal Ministro, além de criar
desordem que em nada aproveita ao Estado tzarista.
À medida que a lembrança da
catástrofe de 1905 esmaece, avulta o partido da guerra. Corria a Europa na
época a difusa convicção da inexorável futura grandeza econômica e industrial
do Império Russo, e do consequente aumento do poderio estratégico da máquina bélica
do Tzar.
Nesse contexto, irrompe na
França Raymond Poincaré, que norteara
a respectiva pregação política pelo jacobinismo e o ardor patriótico, e mesmo
patrioteiro, que sonhava com a próxima oportunidade da guerra contra o Reich Alemão, único modo entrevisto para
reaver afinal a Alsácia-Lorena.
É deveras rápida a ascensão
de Poincaré. Depois de curto período
como Primeiro Ministro, foi eleito em janeiro de 1913 para a Presidência da República. Contudo, ao
contrário de seus predecessores, não será o presidente clássico das repúblicas
parlamentaristas (que inaugura exposições e tem meramente funções decorativas,
enquanto as questões de estado ficam por conta do Primeiro Ministro). Ao invés
disso, Poincaré passa a controlar os seus Premiers,
e os escolhe, em geral, jejunos de política externa. Se possível, para
incrementar a respectiva influência, tratou de ter também Ministros do Exterior
que sejam instrumentais seja pelo despreparo, seja pelo favorecimento da
respectiva política belicista. Mais
tarde, no pós-guerra, tentará explicar a própria posição pela guerra à outrance (ao extremo),o que teria
envolvido até mesmo a manipulação de documentos, o que é contestado por
Poincaré.
O assassínio do Arquiduque
Francisco Ferdinando faria com que a visita de estado ao Tzar do Presidente
Raymond Poincaré e do Primeiro Ministro Viviani se transforme em uma preparação
efetiva para a mobilização e a guerra. O Primeiro Ministro René Viviani, cioso de sua autoridade, mas, dominado na prática por
Poincaré, pela sua ignorância da política externa e dos compromissos assumidos
no sistema de alianças, demonstra sérios problemas psicossomáticos, por causa
do considerável stress a que está submetido e pelas crescentes dúvidas sobre o
seu papel constitucional. Em São Petersburgo, Poincaré já havia colocado como
embaixador o seu protegido Maurice
Paléologue, que antes do empurrão do
Ministro e Presidente só tivera encargos burocráticos menores.
Por outro lado, o partido
da guerra em Moscou, comandado por Krivoshein
e Sazonov(Ministro do Exterior) não
perde a oportunidade de considerar o ultimatum
da Áustria à Sérvia um casus belli.
Seis meses antes, como assinalado, Sazonov convencera os sérvios a ceder a
outro ultimatum austríaco. Desta
feita, o zelo é tamanho que leva Sazonov a tratar ríspida e nada
protocolarmente ao embaixador austríaco Conde
Frigyes Szapáry. Antes, na recepção ao corpo diplomático quando da visita
de Poincaré, o Presidente francês igualmente tratara de forma beirando a grosseria
a Szapary, ao se referir com pesada ironia a duas questões anteriores entre
Viena e Belgrado.
O cataclismo da Guerra
Europeia - chamada depois de Grande
Guerra, e mais tarde de Primeira
Guerra Mundial, que, nas palavras de Christopher Clark mobilizaria 65 milhões de soldados, colheria vinte milhões de mortes de militares
e civis, e feriria (e estropiaria) vinte e um milhões - foi
ardentemente desejada pelo Tzar e o seu ministério, Poincaré e muitos franceses
(mas não por Jean Jaurés, assassinado
ao romper o conflito), e também por Asquith, Edward Grey, Winston Churchill
(então liberal) e um vastíssimo etcetera).
Como lemingues, se precipitariam no abismo da conflagração, a que saudavam como
se fora um bem-comportado conflito dos tempos do século dezoito. Um autêntico
caso, com poucas exceções, de cegueira coletiva.
A política das alianças,
com suas cláusulas secretas, devoraria nas matanças e nas trincheiras a
juventude de então, que pensara, a princípio, adentrar guerra com a volta
garantida para casa antes mesmo da chegada do inverno boreal e da queda da
folhagem das árvores.
Talvez o ardor belicoso
fosse ainda maior na elite russa. Ao ordenar a mobilização de seus exércitos, o
Tzar Nicolau II não terá pensado nos desastres de um menor esforço bélico, a
guerra contra o Japão. Foi convencido pelos Ministros Sazonov e Krivosheim a
decretar a mobilização geral por causa de um pequeno país nos instáveis Bálcãs.
Não tinha mais ao seu lado políticos
mais avisados e prudentes como Sergei Witte, Vladimir Kokovtsov, e Pyotr
Stolypin, os dois primeiros afastados e o último assassinado, mas sobravam, a
par dos dois já citados, os partidários da guerra, como Alexander Izvolsky e
Nikolai Yanushkevich, este último o Chefe do Estado Maior do Exército.
Ao cabo de pouco mais de três anos, Nicolau II
seria destronado, o asilo lhe foi na prática negado pelas potências aliadas, e
passado o interlúdio Alexander Kerenski, com seu governo provisório, o ex-Tzar
com a sua família acabou trucidado em Ekaterinburgo,
na Sibéria, pelos bolcheviques, a mando de Lenin.
A tragédia não se cingiria
àqueles que desencadearam o conflito, mas à toda a nação russa. Além dos então
notáveis empreendedores, pagariam caro a
elite na época dominante, depois transformados
em inimigos do povo. Não atendidos os avisos
e advertências de políticos de maior experiência e visão, a insânia seria a de
tornar fiel da balança um pequeno e
instável país – que cultuava a morte com a sua Mão Negra. Para tanto, os
Ministros Sazonov e Krivosheim com mais zelo do que discernimento, convenceram
o fraco intelecto do Tzar Nicolau II a declarar a mobilização, e a desencadear
os demônios da guerra, assegurando destarte, em futuro relativamente breve,
maior miséria para o seu povo, e o próprio desaparecimento e da respectiva
dinastia dos Romanoff. Não é que a nação
russa tenha perdido demasiado com a saída de cena do Tzar, mas sim com as
demais catastróficas consequências.
Com as declarações de
guerra – a primeira da Rússia contra a Áustria – se seguiram as outras, dentro
de um movimento esquizofrênico pré-ordenado e irreversível. Talvez o ápice da
loucura tenha sido sujeitar a sorte da Europa aos assuntos de pequeno país no
concerto geral das nações, dentro de região como os Balcãs a que caracterizavam
distúrbios e revoluções de toda sorte.
Na verdade, dado o
entusiasmo com que muitos dos dirigentes responderam ao apelo do conflito, mais
pareceram vítimas de generalizada alienação, que literalmente se lançavam no
abismo do desconhecido, ignaros das consequências.
O Primeiro Ministro
Neville Chamberlain, em outro contexto, mas decerto derivado dessa conflagração
mor, falaria da angústia de sujeitar a sorte da Europa a questões e desavenças de paragens
longínquas das quais nada se conhecia. Era do conhecimento geral que a
questão dos Sudetos na Tchecoslováquia levaria, dentro da política de
apaziguamento, ao acordo de Munique, um desesperado esforço de impedir a
eclosão de novo conflito mundial. Os
meses seguintes demonstraram a impossibilidade de construir a paz com tais
alicerces.
Mas o que muitos talvez
não saibam - ou não se dão a devida conta - foi que os males do século XX – e
logo pensamos em Hitler e Stalin – não teriam irrompido se houvessem
dado ao ultimatum de julho de 1914 da
Áustria à Sérvia o mesmo tratamento dado ao de outubro de 1913, quando o mesmo
Ministro Sazonov instruíra os sérvios a aceitarem o ultimatum austríaco a propósito de um hoje esquecido diferendo
acerca da Albânia...
Nesse quadro
hipotético, a questão da trágica morte de Francisco Ferdinando se transformaria
em mais um dos muitos atentados daqueles tempos de paz entre as grandes
potências europeias. Esse último não mudaria a face da Europa, nem dizimaria a
sua juventude. Nem abriria as portas para o cortejo infindo e maldito que
surgiria da Grande Guerra. E o século XX seria diferente, sem os terríveis
eventos que vieram a caracterizá-lo. Talvez
mais ordenado, mais burocrático, e decerto menos interessante, mas, como dizem
os chineses, muito poucos querem viver nesses tempos terríveis, cheios de
desgraças e de sofrimento, a que a posteridade chama de tempos interessantes...
(Fontes: The New York Times; The Sleepwalkers, de Christopher Clark )