quinta-feira, 31 de julho de 2014

Dilma e Cristina


                                        

       A caricatura de Chico em O Globo de hoje mostra Cristina Kirchner e Dilma Rousseff, sentadas em carteiras escolares, repreendidas por Christine Lagarde, do FMI, por não terem feito a lição de casa.

       Posto que as situações financeiras de Argentina e Brasil sejam diversas, será mister reconhecer que Dilma tem contribuído bastante para aproximá-las.

       A nossa economia está em categoria acima da platina, segundo as agências de classificação de risco, mas não faz muito o Brasil foi rebaixado. A situação platina é ainda pior, pois já está em categoria de risco, e deverá descer rumo ao inferno dos investidores em mais um degrau, por mais esse calote que se anuncia.

      Como diz Miriam Leitão a ‘Argentina é vítima e culpada de seu próprio drama’.

      A situação de suas reservas cambiais – tem hoje US$ 27 bilhões – contrasta com julho de 2011, quando tinha US$ 52 bilhões, portanto um pouco menos do dobro de o que tem hoje.

      As nossas reservas são bem maiores, mas quem dirá que Dilma Rousseff e seus prepostos têm feito o dever de casa? Por outro lado, a situação do Brasil e de nossas contas tanto internas quanto externas, não são motivo de festejo. Assim, ao invés de superávit primário, se fala de déficit primário, e em termos de exterior, a despeito dos ganhos com a Copa – nunca se viram tantos turistas por aqui – os déficits se multiplicam, tanto no balanço comercial, em geral superavitário, e ainda mais grave no de contas correntes.

        Depois do acabrunhante episódio em que uma funcionária de banco foi abjetamente despedida pela direção do banco respectivo, cujos temores terão sido quiçá acrescidos pelos altos decibéis de toda a hierarquia petista, pergunto-me se cala bem com o Partido dos Trabalhadores  que  force a exoneração como bode expiatório – e propiciatório – de servidora de escalão inferior, que apenas fazia o seu trabalho de informar os correntistas.

        No passado, quando se desejava desfazer do conceito de alguém, se costumava dizer que fulano ou sicrana não é a esquadra inglesa. Hoje, não mais se ousaria tal comparação, porque a esquadra de Sua Majestade não é mais a rainha dos mares, embora por vezes um que outro trânsfuga a empregue.

          Em termos de economia, faz tempo que a equipe de dona Dilma descura do dever de casa. Por isso, calam fundo as reações dos investidores no que tange à situação da presidenta em termos de pesquisas eleitorais. Se cai no Datafolha ou no Ibope, a bolsa sobe.

          Não há nada de faccioso nisso. Muito pelo contrário. O instinto de conservação será sempre no ser humano o mais forte, e tal se estende, de certa forma, às previsões financeiras. Como Dilma trouxe a inflação de volta, e entra mês sai mês, a carestia continua a bater no teto dos prognósticos, não há de estranhar ninguém que os investidores, ao entreverem uma luz de esperança no fundo do túnel, engrossem o campo de seu adversário maior.

          O economista Lula cobra de um segundo do ministério da Fazenda – em que Dilma gosta de dar palpites  - porque não se privilegia o  consumo, eis que no Brasil não há inflação de demanda. Não sei se a lição é encomendada ou não, pois desconheço que nosso guia tenha feito algum curso nesse campo. 

          De qualquer forma, neste governo todos parecem ter opiniões fortes sobre a economia. Sabemos o quanto as administrações petistas prezam os gastos correntes, que envolvem a inchação das contas públicas com despesas em mais funcionários públicos.

          Além disso, introduziram uma série de malabarismos fiscais – inclusive a ressurreição da conta movimento dos tempos da inflação – que malgrado a inventiva, quebram a confiança do mercado, e aprofundam a crise nas contas.

           Por isso, é de esperar-se que a caricatura de Chico Caruso não seja pressaga.  Desejo muito que a Argentina escape das garras dos abutres, mas desejo um pouco mais que o Brasil volte a crescer, e sem inflação. Será pedir demasiado?

 

(Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo)     

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Como nos tempos de Saddam Hussein


                       

       Lembram-se de Saddam Hussein?  Foi transformado em bode expiatório por Dick Cheney[1], Don Rumsfeld[2] e George Bush[3]. Como tem sido analisado extensamente pelos observadores, sob pretexto de que o Iraque detinha armas de destruição em massa (WMD), o ditador do Iraque se tornou a presa da vez. A par das alegações dos neoconservadores – implantar a democracia no Médio Oriente – o objetivo apregoado era castigar Saddam por sua suposta ligação com a Al Qaida de Osama bin  Laden.

       A guerra, nos planos do especialista Rumsfeld, seria rápida – como fora  previsto para tantas outras no passado (e o exemplo da desastrosa Iª Guerra Mundial logo se apresenta) – e por isso não se cuidou nem de blindagem das tropas, nem de prever ocupação prolongada. Hoje sabemos como terminou, com a aventura iraquiana considerada, com seus bilhões de dólares desperdiçados, a causa de o que os analistas denominam como o início do declínio da superpotência.

        No entanto, esse senhor com que se foi mexer – e que seria depois preso, julgado e enforcado pelo estamento xiita que o sucedeu no poder – tinha um costume. Não gostava de mensageiros que lhe trouxessem más notícias.

        Embora se tenha ridiculizado esta sua veneta – que tinha trágicas consequências para os seus portadores -  forçoso será reconhecer que, sem chegar aos extremos do ditador, a irritação com o vetor da novidade é característica comum a muitos governantes.

        A análise do Santander, segundo assinala oportunamente Alexandre Schwartsman, “nada trouxe de controverso”. A própria Folha notou que “as ações de empresas estatais dispararam na BM&FBovespa e impulsionaram o principal índice da Bolsa brasileira nesta sexta-feira (18), após pesquisa Datafolha ter apresentado empate técnico entre a presidente Dilma Rousseff (PT) e o senador Aécio Neves (PSDB)”. (...) “Desde que começaram a ser divulgadas pesquisas apontando perda de espaço da presidente (...) o mercado de ações  nacional, que caía e acentuava queda(...) mudou de tendência.”

         Schwartsman sublinha a respeito que “o tal mercado pode ter as preferências ideológicas que quiser, mas, na hora de comprar ou vender uma ação, o que menos interessa é a ideologia; é sempre a perspectiva de lucro que move esses agentes. Posto de outra forma, ninguém rasga dinheiro em nome de suas convicções políticas.”

             E para completar o que embasa a comunicação, o colunista observa: “Bancos têm um dever fiduciário com seus clientes: não podem omitir ou distorcer informações relevantes para sua tomada de decisão.”

             Por sua vez, O Globo dá à questão a sua manchete principal, e o que estampa me parece revelador sobre o caráter um tanto abjeto da atitude do Banco, assim como da prepotência do Planalto: “Depois do Santander – BANCOS FARÃO ANÁLISES MAIS CONSERVADORAS – Instituições Financeiras já temem sofrer represálias do Planalto – Funcionária foi demitida após ser responsabilizada pelo envio, a 40 mil correntistas, de documento que associava a subida de Dilma nas pesquisas à queda da Bolsa”.

              A esse respeito, “O economista-chefe da TOV Corretora, Pedro Paulo Silveira Vale, chamou a reação do PT de ‘postura bolivariana’ ”.     

               A atitude do governo de dona Dilma, além das características acima referidas, sublinha  desconforto com a notícia e as suas implicações. A exemplo do primarismo de Saddam – que confundia o pobre mensageiro com a sua missão de transmitir a notícia - o poder petista no caso briga com a informação. Se o que se transmite corresponda à verdade, isso não interessa! O que vem ao caso – para ela e sua corte – é o emprego da censura, ou de procedimentos similares, dentro do princípio dos regimes autoritários:

                Se os fatos são negativos, com a breca os fatos!                   

 

(Fontes: Alexandre Schwartsman, Folha de S. Paulo, O Globo)



[1] Richard Cheney, Vice-presidente dos Estados Unidos (2001-2009).
[2] Donald  Rumsfeld, Secretário da Defesa (2001-2006).
[3] George W. Bush, 43º  Presidente dos EUA (2001-2009).

terça-feira, 29 de julho de 2014

Sanções contra a Rússia


                                        

        O cerco do Ocidente à  Rússia é uma reação que pela aparente lentidão poderia suscitar dúvidas quanto à firmeza de sua implementação.

        Dada a crescente participação de Moscou na guerra da Ucrânia – o que está na contramão de seus compromissos e declarações – as medidas tomadas até agora pelo Ocidente, à primeira vista, não estariam correspondendo à expectativa.

        Ao invés de o que fez esperar, depois de série de declarações através da mídia que se propunham, na verdade, a confundir o adversário, o Kremlin não diminuiu em nada o seu envolvimento no conflito após a queda do voo MH 17 da Malaysian Airlines.

        Muito pelo contrário, há demasiados sinais de maior envolvimento na guerra civil ucraniana, que incluem  lançamento de mísseis de território russo para alvos na área de soberania de Kiev, assim como amplo apoio às milícias separatistas pró-Rússia, indo até a intervenções pontuais para auxiliar àquelas que esteja em dificuldade nos combates em torno da bacia de Donetz.

         Diante desse quadro preocupante, realizou-se nesta segunda-feira 28 de julho vídeo-conferência de que participaram os chefes de governo Barack Obama, pelos Estados Unidos, David Cameron (Reino Unido), François Hollande (França), Angela Merkel (Alemanha) e Matteo Renzi (Itália, empossado a 22 de fevereiro último). Por outro lado, está prevista para esta terça-feira reunião da União Europeia, para considerar sanções a serem aplicadas no quadro comunitário. Como há diversos membros da U.E. que recebem a energia russa (gás), a previsão de aplicação de eventuais sanções fica assaz condicionada às relações de dependência envolvidas por tais transações.

         As sanções a serem aplicadas vão além daquelas pontuais, que individuam pessoas com carteiras de investimento na área em apreço, e que se suspeite tenham envolvimento com a ação de apoio às intervenções da Rússia na conflagração.  Nesse contexto, será dada precedência às áreas financeira, energética e de defesa da Federação Russa.

          A economia russa se ressente por ora de estagnação. Nesse contexto, a relação custo-benefício deve substituir-se à incapacidade do país agredido de reagir, dada a disparidade material de forças. É oportuno, por conseguinte, fazê-la sentir na carne os efeitos de sua agressiva política imperialista na área vizinha – e a anexação da Criméia, feita contra todas as normas do direito público, é prova cabal dessa lamentável tentativa (e infelizmente por ora bem-sucedida) de reversão nas relações internacionais, trazendo de volta uma negra página de tropelias e violências que se pensava superada no campo do direito das gentes. Se encarecido o preço a pagar pela voluntária e criminosa transgressão, crescem as possibilidades de que tal potência renuncie a essas medidas, se a relação custo-benefício se tornar demasiado gravosa, e com consequências que podem ir muito além dos eventuais ganhos auferidos por essas incursões que são reminiscentes de um passado predatório sem qualquer outra lei que a do mais forte.

 

(Fonte:  The New York Times)

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Escândalos Eleitorais

                                                            
 
                                      

              A coluna de Ricardo Noblat levanta hoje a questão da responsabilidade moral do candidato. Por estranha coincidência, nesse contexto, tanto a presidenta, quanto o seu principal adversário têm uma pedra no caminho.

              A gestora modelo, tão elogiada por seu criador, foi isentada de responsabilidade no caso da refinaria de Pasadena. Quando estourou a questão da transação relativa à Petrobrás, a Presidente, em bilhete autógrafo, em resposta à consulta de repórter, asseverou que ela e os demais conselheiros se basearam em parecer técnico e “juridicamente falho” para aprovar a compra da refinaria.

             Na época, a presidenta foi censurada pela mídia por trazer para o Palácio do Planalto questão que não lhe dizia respeito. Passado o calor do momento, a sua evolução demonstraria que Dilma Rousseff não se precipitou, ao acoimar o parecer ‘falho’, mas apenas se adiantou à questão que fatalmente bateria na sua soleira.

             Como assinala Noblat na coluna hodierna, o Conselho de Administração representa os acionistas da empresa. Nesse contexto, “a diretoria da Petrobrás não tem autoridade para vender ou comprar algo sem o referendo dele”. Se a então Chefe da Casa Civil (e membro do dito Conselho de Administração) considerou o aludido parecer técnica e “juridicamente falho”, por que foi ele  aprovado sem que os conselheiros hajam pedido mais detalhes do negócio? Foram açodados”, conclui Noblat.  E aí onde fica a fama de “gestora” de Dilma Rousseff, que tantas loas recebera do Presidente Lula da Silva ?  Nesse contexto, Noblat diz que, “por mais absurda que soe, o TCU aceitou a explicação de Dilma.”

              Um pouco mais adiante o colunista observa “(p)eca o TCU pela falta de rigor no exame de assuntos que envolvem políticos importantes”.

              Entrementes, a denúncia da Folha de S. Paulo quanto ao asfaltamento da pista de aeroporto na cidade de Cláudio, em que, em 2010, no governo Aécio Neves, o Estado de Minas gastou R$ 13,9 milhões com a pavimentação da pista, o sistema de iluminação e outras benfeitorias (segundo a coluna de Noblat).

              As ilações do colunista  se aplicam ao aspecto moral, pois a estrita legalidade foi respeitada também nesse caso (o Ministério Público de Minas investigou a obra no aeroporto de Cláudio e concluiu que nenhuma ilegalidade foi cometida). Vê-se que também aqui o aspecto técnico foi respeitado.

                Contudo, como dizia Vitorino Freire, o manda-chuva no Maranhão antes da chegada de José Sarney, ‘jabuti não sobe em árvore. Se lá está, alguém o pôs lá.’

                A Folha de S. Paulo, com a revelação sobre o aeroporto em Cláudio, deu um furo importante e terá contribuído para vibrar golpe no flanco da candidatura Aécio Neves. Como chegou a essa revelação, só ela sabe, e decerto não o declinará.

                E a sazão pré-eleitoral é um momento que semelha assaz favorável para esse tipo de notícia vir à tona. Às vezes, os escândalos têm longa incubação.  Em outros casos, o processo é mais rápido.

                Mais os efeitos não costumam variar.

 

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )

domingo, 27 de julho de 2014

Colcha de Retalhos B 29


                                    

Guerra na Ucrânia Oriental

 

         Vladimir Putin tirou uma lição muito diversa de a que se esperava da queda do voo da Malaysian Airlines. Os 298 mortos, vítimas de  disparo missilístico que foi lançado por sofisticado sistema russo de lançamento, com a quase certa participação de militares russos, constituem a prova irrefutável de um mega-crime.

          Não se detectam até agora medidas seja no campo das sanções, seja na determinação de assistir o Estado da Ucrânia, que vem a ser vítima, e em espaço de tempo relativamente curto, de novo ataque da Federação Russa, agora com claros propósitos de respaldar os separatistas pró-Rússia, e de estancar os eventuais ganhos territoriais do exército ucraniano na recuperação de sítios antes sob o domínio rebelde.

           O vice-presidente Joe Biden tem telefonado para o Presidente Poroshenko, prometendo apoio. Data vênia, o presidente Barack H. Obama deveria comunicar-se com quem pode não dispor de seu poderio militar, mas tem a mesma posição hierárquica, conseguida pelo voto livre do povo ucraniano.

            Obama é homem cauteloso, mas quero crer que de quando em vez seria oportuno que telefonasse para o Presidente constitucional da Ucrânia,  que herdou país mutilado pela anexação ilegal da península da Crimeia, e que agora se defronta com a agressão russa nos limites orientais do país.

            Não é o caso de lançar o mundo no pesadelo de uma crise em que armas nucleares estejam em jogo, mas a superpotência dispõe de muitos outros meios de forçar o Kremlin a abandonar a sua cínica afronta a um país vizinho e soberano.

            Tem-se falado de aplicação de sanções. O problema que parece existir é que a referência a esse tipo de medida não tem levado à imposição de punições no campo financeiro, assim como nos fluxos comerciais.

            Gospodin Vladimir Putin vem agindo dessa forma provocante e sobranceira para passar a impressão de que está acima dessas ameaças não-efetivadas. Tampouco a superpotência depende de fornecimentos energéticos, como é o caso de países europeus, com substancial força econômico-financeira, mas suscetíveis de sofrerem  interrupções de fornecimento de energia, que são igualmente inaceitáveis, mas que dados os métodos do Kremlin nem sempre são de molde a que se possa excluir o emprego deste recurso extremo.   

                 Não estamos falando de brinkmanship[1], como nos tempos de Eisenhower e Foster Dulles. Mas de alguma forma o agressor – que não respeita o direito internacional e só se atém a considerações de força e de oportunidade – tem que ser convencido  de que a sua presente postura, ao invés de trazer-lhe benefícios, é suscetível de gerar uma série de dificuldades, contratempos, desvantagens e, sobretudo, prejuízos materiais e financeiros, que uma outra atitude mais conforme ao direito internacional e ao respeito à boa vizinhança tenderá a evitar, se mantida de modo duradouro, sem quaisquer interrupções, nem conducente à utilização de qualquer expediente que possa ser considerado como  simples embuste, ou tentativa de ganhar tempo, para voltar em seguida aos mesmos objetivos de transgressão às normas internacionais.

                  Em outras palavras, ao montar estratégia nesse sentido, o Presidente Barack Obama estará dando lição prática ao Presidente Vladimir V. Putin quanto às vantagens a serem auferidas em que passe a respeitar as normas das boas relações e do respeito ao direito alheio. O Presidente Obama mostraria a firmeza responsável que o Ocidente espera dele, no sentido de tornar patente ao Presidente Vladimir Putin que também o crime internacional não compensa.

 

Causas da 1ª Guerra Mundial (Conclusão)

 

         O assassínio do Arquiduque Francisco Ferdinando mudaria o panorama político, e não só na Áustria-Hungria, mas em toda a Europa.

          Francisco Ferdinando fora abatido por conjura originária da Sérvia, e de que oficial do exército sérvio Dragutin Dimitrijevich, alcunhado Apis, pelos largos ombros do boi-deus egípcio, seria a mente propulsora. No entanto, a idéia da eliminação do herdeiro do trono austríaco partira provavelmente de Rade Malobabich, sérvio nascido na Áustria-Hungria, que viria a informar Apis da próxima visita do Arquiduque à Bosnia. Malobabich, hábil espião, que escapara inúmeras vezes da captura pelas forças austro-hungáricas, encontrava-se com Dimitrijevich no quadro da associação secreta Mão Negra, formada, a onze de junho de 1903, para o banho de sangue do assassinato do Rei Alexandre e da Rainha Draga,  e de todos os membros da família real. O massacre poria fim literalmente à dinastia Obrenovich.

           No confinado mundo de extremismo e violência, que caracteriza o irrequieto pequeno reino sérvio, semelha inteligível e quase natural neste peculiar ambiente dos Balcãs que tais projetos terroristas caíssem sob o manto da Mão Negra, com a sua cultura de segredo e dissimulação.

           A amarga ironia de que o herdeiro da Coroa austro-hungárica devia ser eliminado, e não por seus defeitos, mas por suas qualidades, constituía o falso paradoxo que norteou o grupo de fanáticos e desajustados. Como chamar os agentes-assassinos doutra forma, se estavam prontos a matar o Arquiduque e em seguida suicidar-se (além da bomba e da pistola, portavam frasco de cianureto)?

            Para esses radicais, Francisco Ferdinando impossibilitaria a formação da grande Sérvia, pelas reformas que introduziria na monarquia, abrindo espaço para os eslavos, com a perspectiva de Zagreb tornar-se a capital dos eslavos dentro da monarquia. A idéia básica do Arquiduque estava na criação, dentro do Império, de  Iugoslávia, com predominância croata (e, portanto, católica). Segundo Clark, contudo, o pensamento do herdeiro real evoluíra por volta de catorze no sentido de ampla transformação em que o Império dos Habsburgo se transformaria nos “Estados Unidos da Grande Áustria”, com quinze estados membros, muitos dos quais com maioria eslava.

            Dentre as personalidades com responsabilidade indireta quanto ao assassínio do Arquiduque, o Ministro-conjunto das Finanças da Áustria-Hungria, Leon Bilinski, como já referi na primeira parte, recebera pelo Ministro de Legação Jovan Jovanovich a ambígua advertência do Primeiro Ministro da Sérvia, Nikola Pasich, quanto a eventuais perigos na visita do Arquiduque à Bósnia, e não a repassara, como devera, ao Conde Leopold von Berchtold,  Ministro dos Negócios Estrangeiros do Império. Se isto terá pesado de algum modo na sua consciência, aumentou-lhe decerto  a  impaciência no que concerne às questões da Bósnia – que estavam formalmente sob sua jurisdição – e, em especial, quanto à incompetência ou voluntária negligência do governador Oskar Potiorek, que se refletiram na bastante descurada segurança dos príncipes reais, quando da malfadada visita àquela província. Talvez por sentimento inconsciente de culpa se reforça, assim, a agressividade anti-Sérvia do Ministro Bilinski, o que se refletiria no teor do ultimatum que a Monarquia dual apresentou à chancelaria de Belgrado.

             Ultimatum à Sérvia.  Determinada a responsabilidade de instâncias paragovernamentais da Sérvia no assassinato do arquiduque e de sua esposa, a monarquia austro-húngara apresenta ultimatum ao governo da Sérvia, que é pintado por muitos como excessivo e absurdo nas suas exigências. Na verdade, no entendimento de Christopher Clark, o documento apresentado pela Áustria-Hungria ao governo sérvio era muito mais brando do que o ultimatum apresentado pela OTAN à Sérvia-Iugoslávia na forma do chamado Acordo de Rambouillet redigido em fevereiro e março de 1999 para obrigar os sérvios a obedecerem a política da OTAN em Kosovo.  

     Pronto o documento, o Ministro austríaco Barão Giesl telefonou para o ministério do exterior em Belgrado, para informá-lo que comunicação importante será entregue ao Primeiro Ministro Pasich, naquele 23 de julho, às 17 horas. Este, contudo, em campanha eleitoral em Nis,  se recusa a regressar à capital. Receba Giesl no meu lugar, é a instrução do Primeiro Ministro ao Ministro das Finanças Lazar Pacu,  seu substituto designado. Quando o Ministro Giesl aparece às 18 horas (houve adiamento de uma hora),  Pacu o recebe, ladeado por Gruich, porque o Ministro das Finanças não fala francês. Giesl entrega o ultimatum, com anexo de duas páginas, e nota interlocutória da missão austríaca para o Ministro Pacu, que  informa ser o prazo de resposta de 48 horas. Personalidade evasiva, o Primeiro Ministro Pasich tarda muito em voltar para Belgrado, diante da emergência. A reação da Sérvia oscila, de início, entre a recusa de atender às exigências, mas depois chega a considerar a aceitação de suas imposições. O próprio Pasich manda circular às missões sérvias a 25 de julho declarando que a intenção de Belgrado é responder de forma conciliatória em todos os pontos, e oferecer “plena satisfação” a Viena. Os sérvios estão dispostos até mesmo a aceitar os tópicos 5 e 6 que estipulam comissão mista de inquérito, “desde que a designação de tal comissão possa ser confirmada como de acordo com os costumes internacionais”.       

     Será somente quando o governo sérvio é informado de que o governo russo se dispõe a entrar em guerra com a Austria, e a tomar a Sérvia sob sua proteção, que muda a atmosfera em Belgrado. Sob instruções de Pasichi se prepara resposta ao ultimato,  documento de muito engenho e tergiversação, que na forma mais cortês possível não atende a nenhuma das exigências da Monarquia dual. Foi para Pasichi e seus ministros  leda surpresa, eis que em outubro de 1913 o Ministro do Exterior russo Sergei Sazonov havia aconselhado Belgrado a recuar diante do ultimatum austríaco sobre a Albânia.

       Transcorridos cerca de oito meses, São Petersburgo ora se dispõe alacremente a mobilizar e a entrar num conflito com os Impérios Centrais, coisa que sequer então passara pela cabeça do Ministro Sazonov.

        Ainda no contexto do ultimatum, provocou estranheza na Europa o prazo relativamente longo tomado pelo Império austro-húngaro para reagir. Dado o óbvio envolvimento da Sérvia no assassinato, e a brutal eliminação do casal real, se Viena houvesse atuado com mais presteza, golpeando Belgrado em breve prazo, a presunção seria que as potências europeias, ainda sob o impacto do golpe infligido à monarquia dual, teriam maior compreensão pela reação austríaca.

          Deixando, no entanto, passar cerca de mês, a resposta não mais se beneficiava do caráter visceral. Dado o caráter burocrático que assinala tantas ações do estado austro-hungárico, não surpreende, portanto, que a resposta tivesse quase evoluído dentro dos trâmites usuais.

           Agindo friamente por motivos inconfessáveis, não terá passado pela cabeça de Gavrilo Princip o imenso mal que provocaria para Europa e o mundo com o atentado de Sarajevo. E, no entanto, depois do desaparecimento da cena europeia do Príncipe Otto von Bismarck, e da entrada no palco de políticos de menor estatura, não tardaria muito a criarem-se pelas cortes do Velho Continente e seus gabinetes, os instrumentos adequados para transformarem a Belle Époque na antessala do Inferno.

            E é por isso que faz muito sentido a descrição por historiadores modernos da maneira quase maquinal com que esses gabinetes cuidaram néscia e voluntariamente, seja de assegurar a própria destruição, seja seu brutal empobrecimento. Daí o mecanismo diabólico da política de alianças que sobreveio depois da saída de cena do Chanceler Bismark – que a revista Punch de forma alegórica e premonitória descreve no celebre desenho do Chanceler descendo a escada de portaló da nave do estado germânico, espiado da balaustrada do convés pelo jovem Kaiser, acompanhado do favorito da vez  - que tentarei resumir nas linhas abaixo.

             Com a guerra franco-prussiana de 1870, e a vitória da Prússia, se completa a obra de Bismarck, no que tange à reunificação da Alemanha. Apesar do parecer do Chanceler em contrário, o Imperador da Alemanha, coroado no Palácio de Versailles, força a anexação da Alsácia e Lorena à Alemanha (essas duas províncias, de origem germânica, tinham sido anexadas à França pela Paz de Westphalia, que concluira a guerra dos trinta anos em 1648).

              Em março de 1890, com a exoneração da Chancelaria do Príncipe von Bismarck, o Kaiser Guilherme II se acredita capaz de ser o seu próprio Birmarck.  Na verdade, o seu ativismo juvenil, conjugado com as respectivas limitações intelectuais e a consequente falta de visão estratégica, contribuirá para que em poucos anos se desfaça o sistema de alianças ideado por Bismarck. Na concepção bismarckiana, a França era a única potência a ser contida, eis que, por força da derrota de 1870, a perda da Alsácia e da Lorena a colocaria necessariamente no campo hostil ao Império germânico.

              O principal erro foi a não-renovação da aliança com a Rússia, por decisão do sucessor de Bismarck, o conde Leo von Caprivi. O novel Chanceler permite que tal tratado – e suas cláusulas secretas – caduque, Não obstante as gestões pela sua manutenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Nikolai Giers.

              Apesar de pouco terem em comum, Rússia e França, até então sem alianças, nos anos seguintes, se aproximam e firmam tratado que os generosos empréstimos franceses cuidam de reforçar, tornando mais intenso o intercâmbio entre a Democrática Terceira República e o Império Absolutista dos Tzares.           

              Por sua vez, a chamada Tríplice Aliança – de Alemanha, Áustria e Itália -  se tornará capenga com a chamada Entente Cordiale – aliança informal entre a Inglaterra de Eduardo VII e a República francesa. Se o aporte militar da Itália não teria grande peso, a larvar defecção da aliança dos poderes centrais mina qualquer planejamento, pela certeza de que não se efetivará quando a guerra acontecer. Além disso, a participação da Itália na Tríplice Aliança sofria de artificialismo, dada a passada hostilidade ítalo-austríaca, motivada em especial por causa da dominação  pelo imperialismo austríaco de províncias no norte italiano, sobretudo no Veneto e na Lombardia.

              Verifica-se, portanto, que a despeito de patéticas tentativas de Guilherme II de recosturar a aliança com o Império Russo, através de encontros com o seu primo Nicolau II, todas as precárias construções dinásticas do trêfego soberano Hohenzollern davam em nada, pelas concretas obrigações que ligam os Romanoff aos republicanos gauleses, e que forçam  Nicolau II, quando regressava a São Petersburgo, a dar o dito por não dito.

               Por outro lado, o cerco estratégico contra a Alemanha se vai cerrando com a Entente Cordiale franco-britânica, de 1904, e a Convenção Anglo-Russa de 1907. Como sublinha Christopher Clark são alinhamentos ainda frouxos, e tomará tempo até que se enrijeçam para formar as coalizões da 1ª Guerra Mundial. Sem embargo, os perfis dos dois campos opostos já são claramente discerníveis.

               Na Inglaterra, Edward Grey assume o Foreign Office em dezembro de 1905. Transmitiria ao ministério, durante a  longa estada – até dezembro de 1916 – na qualidade de líder dos imperialistas liberais, com seus traços distintivos (o distante aristocrata que não possui ambição pessoal) a atenção para ‘a ameaça germânica’,  a par do cultivo da dissimulação e da ambiguidade. Com o respectivo  controle do ministério do exterior, cresce o poder da grupo anti-germânico. Ao contrário da França, tal postura antagônica – que singulariza a Alemanha como o rival da Álbion que, por conseguinte, deve ser contido – não é de conhecimento público. A própria ambiguidade de Grey seria expressamente mencionada no contexto de Versailles, com vistas a evitar que o segredo pudesse estender-se a ponto de prejudicar a formação do juízo das partes envolvidas, no que tange à posição de Sua Majestade Britânica.

                 Já se vê que o quadro se alterava deveras, e não favorece o campo dos Impérios Centrais (Alemanha e Áustria).

                  Por sua vez, a Rússia atravessa duas fases distintas: a desastrosa Guerra Russo – Japonesa, iniciada em 1904 pelo Império nipônico (como de hábito, sem declaração de guerra), depois de provocações russas, com a destruição de boa parte da frota imperial russa. Em função do trauma desta guerra, eclode a revolução de 1905, em que surge a figura revolucionária de Leon Trotzky. Diante da quase catástrofe provocada pelo próprio aventureirismo, o poder de Nicolau II se enfraquece. Para sua sorte, o Ministro Sergei Witte reorganiza a administração, com reformas para unificar o  governo. Sucedido por Pyotr.A.Stolypin (1906-1911), este com determinação, inteligência e carisma logra impor a sua autoridade pessoal sobre a maioria dos ministros, imprimindo coerência governamental, o que era desconhecido antes de 1905. Permanece nesse período em relativo limbo o Tzar Nicolau II. A despeito da autoridade dinástica, a escassa capacidade mental não o ajuda com vistas à respectiva compatibilização em face da complexa realidade do Império.

                 Entende-se, por conseguinte,  que com o desaparecimento de Stolypin (assassinado por terrorista no outono de 1911) as questões não mais tenham a segura direção de antes. Mostra de o que viria pela frente foi a crise da anexação da Bósnia-Herzegovina pela Áustria. O Ministro do Exterior Alexander Izvolsky causa enorme confusão. Depois de obter a anuência de Nicolau II (mas sem informar o Primeiro Ministro Stolypin) acordou com o então Ministro do Exterior da Áustria-Hungria, Conde Alois Aehrenthal, que em  troca a Rússia  teria o apoio austríaco para seu acesso aos estreitos de Bósforo e Dardanelos, que estava sob domínio do Império Otomano.

                A crise varreria Izvolsky do ministério porque, em troca da anexação da província da Bósnia-Herzegóvina, o apoio austro-hungárico nos Estreitos tinha pouco ou nenhum valor, eis que a Grã-Bretanha se opunha firmemente ao acesso pela Rússia ao Mediterrâneo.

                O Ministro das Finanças, o Conde Vladimir Kokovtsov, lograria a presidência do Conselho, mas com vários ministros, como o da Agricultura, Alexandre Krivoshein, engrossando o partido do ativismo, o poder do Tzar de novo aumenta. Kokovtsov, a despeito ou talvez por causa de seu bom senso (lembrando-se de 1905 restringe os créditos militares) acabou sendo afastado do simulacro de gabinete na Rússia. Na verdade, inexistia autêntico Conselho de Ministros no Império tzarista. Os ministros constituíam um conglomerado, e muitos deles não estão sujeitos à autoridade do Presidente do Conselho.  A fragmentação e a desordem aumentam com a possibilidade de ministros se acordarem com o próprio Soberano, que assim os ajuda a contornar qualquer controle do principal Ministro, além de criar desordem que em nada aproveita ao Estado tzarista.

                 À medida que a lembrança da catástrofe de 1905 esmaece, avulta o partido da guerra. Corria a Europa na época a difusa convicção da inexorável futura grandeza econômica e industrial do Império Russo, e do consequente aumento do poderio estratégico da máquina bélica do Tzar.

                  Nesse contexto, irrompe na França Raymond Poincaré, que norteara a respectiva pregação política pelo jacobinismo e o ardor patriótico, e mesmo patrioteiro, que sonhava com a próxima oportunidade da guerra contra o Reich Alemão, único modo entrevisto para reaver afinal a Alsácia-Lorena.

                  É deveras rápida a ascensão de Poincaré. Depois de curto período  como Primeiro Ministro, foi eleito em janeiro de 1913 para a Presidência da República. Contudo, ao contrário de seus predecessores, não será o presidente clássico das repúblicas parlamentaristas (que inaugura exposições e tem meramente funções decorativas, enquanto as questões de estado ficam por conta do Primeiro Ministro). Ao invés disso, Poincaré passa a controlar os seus Premiers, e os escolhe, em geral, jejunos de política externa. Se possível, para incrementar a respectiva influência, tratou de ter também Ministros do Exterior que sejam instrumentais seja pelo despreparo, seja pelo favorecimento da respectiva  política belicista. Mais tarde, no pós-guerra, tentará explicar a própria posição pela guerra à outrance (ao extremo),o que teria envolvido até mesmo a manipulação de documentos, o que é contestado por Poincaré.

                    O assassínio do Arquiduque Francisco Ferdinando faria com que a visita de estado ao Tzar do Presidente Raymond Poincaré e do Primeiro Ministro Viviani se transforme em uma preparação efetiva para a mobilização e a guerra. O Primeiro Ministro René Viviani, cioso de sua autoridade, mas, dominado na prática por Poincaré, pela sua ignorância da política externa e dos compromissos assumidos no sistema de alianças, demonstra sérios problemas psicossomáticos, por causa do considerável stress a que está  submetido e pelas crescentes dúvidas sobre o seu papel constitucional. Em São Petersburgo, Poincaré já havia colocado como embaixador o seu protegido Maurice Paléologue,[2] que antes do empurrão do Ministro e Presidente só tivera encargos burocráticos menores.

                     Por outro lado, o partido da guerra em Moscou, comandado por Krivoshein e Sazonov(Ministro do Exterior) não perde a oportunidade de considerar o ultimatum da Áustria à Sérvia um casus belli. Seis meses antes, como assinalado, Sazonov convencera os sérvios a ceder a outro ultimatum austríaco. Desta feita, o zelo é tamanho que leva Sazonov a tratar ríspida e nada protocolarmente ao embaixador austríaco Conde Frigyes Szapáry. Antes, na recepção ao corpo diplomático quando da visita de Poincaré, o Presidente francês igualmente tratara de forma beirando a grosseria a Szapary, ao se referir com pesada ironia a duas questões anteriores entre Viena e Belgrado.

                       O cataclismo da Guerra Europeia - chamada depois de Grande Guerra, e mais tarde de Primeira Guerra Mundial, que, nas palavras de Christopher Clark mobilizaria 65 milhões de soldados, colheria vinte milhões de mortes de militares e civis, e feriria (e estropiaria) vinte e um milhões - foi ardentemente desejada pelo Tzar e o seu ministério, Poincaré e muitos franceses (mas não por Jean Jaurés, assassinado ao romper o conflito), e também por Asquith, Edward Grey, Winston Churchill (então liberal) e um vastíssimo etcetera). Como lemingues, se precipitariam no abismo da conflagração, a que saudavam como se fora um bem-comportado conflito dos tempos do século dezoito. Um autêntico caso, com poucas exceções, de cegueira coletiva.

                        A política das alianças, com suas cláusulas secretas, devoraria nas matanças e nas trincheiras a juventude de então, que pensara, a princípio, adentrar guerra com a volta garantida para casa antes mesmo da chegada do inverno boreal e da queda da folhagem das árvores[3].

                        Talvez o ardor belicoso fosse ainda maior na elite russa. Ao ordenar a mobilização de seus exércitos, o Tzar Nicolau II não terá pensado nos desastres de um menor esforço bélico, a guerra contra o Japão. Foi convencido pelos Ministros Sazonov e Krivosheim a decretar a mobilização geral por causa de um pequeno país nos instáveis Bálcãs.  Não tinha mais ao seu lado políticos mais avisados e prudentes como Sergei Witte, Vladimir Kokovtsov, e Pyotr Stolypin, os dois primeiros afastados e o último assassinado, mas sobravam, a par dos dois já citados, os partidários da guerra, como Alexander Izvolsky e Nikolai Yanushkevich, este último o Chefe do Estado Maior do Exército.

                    Ao cabo de pouco mais de três anos, Nicolau II seria destronado, o asilo lhe foi na prática negado pelas potências aliadas, e passado o interlúdio Alexander Kerenski, com seu governo provisório, o ex-Tzar com a sua família acabou trucidado em  Ekaterinburgo, na Sibéria, pelos bolcheviques, a mando de Lenin.

                    A tragédia não se cingiria àqueles que desencadearam o conflito, mas à toda a nação russa. Além dos então notáveis empreendedores, pagariam  caro a elite na época dominante,  depois transformados  em inimigos do povo. Não atendidos os avisos e advertências de políticos de maior experiência e visão, a insânia seria a de tornar fiel da balança  um pequeno e instável país – que cultuava a morte com a sua Mão Negra. Para tanto, os Ministros Sazonov e Krivosheim com mais zelo do que discernimento, convenceram o fraco intelecto do Tzar Nicolau II a declarar a mobilização, e a desencadear os demônios da guerra, assegurando destarte, em futuro relativamente breve, maior miséria para o seu povo, e o próprio desaparecimento e da respectiva dinastia dos Romanoff.  Não é que a nação russa tenha perdido demasiado com a saída de cena do Tzar, mas sim com as demais catastróficas consequências.

                         Com as declarações de guerra – a primeira da Rússia contra a Áustria – se seguiram as outras, dentro de um movimento esquizofrênico pré-ordenado e irreversível. Talvez o ápice da loucura tenha sido sujeitar a sorte da Europa aos assuntos de pequeno país no concerto geral das nações, dentro de região como os Balcãs a que caracterizavam distúrbios e revoluções de toda sorte.

                        Na verdade, dado o entusiasmo com que muitos dos dirigentes responderam ao apelo do conflito, mais pareceram vítimas de generalizada alienação, que literalmente se lançavam no abismo do desconhecido, ignaros das consequências.

                        O Primeiro Ministro Neville Chamberlain, em outro contexto, mas decerto derivado dessa conflagração mor, falaria da angústia de sujeitar a sorte da Europa  a questões e desavenças de paragens longínquas das quais nada se conhecia. Era do conhecimento geral  que  a questão dos Sudetos na Tchecoslováquia levaria, dentro da política de apaziguamento, ao acordo de Munique, um desesperado esforço de impedir a eclosão de  novo conflito mundial. Os meses seguintes demonstraram a impossibilidade de construir a paz com tais alicerces.

                        Mas o que muitos talvez não saibam - ou não se dão a devida conta - foi que os males do século XX – e logo pensamos em Hitler e Stalin – não teriam irrompido se houvessem dado ao ultimatum de julho de 1914 da Áustria à Sérvia o mesmo tratamento dado ao de outubro de 1913, quando o mesmo Ministro Sazonov instruíra os sérvios a aceitarem o ultimatum austríaco a propósito de um hoje esquecido diferendo acerca da Albânia...

                         Nesse quadro hipotético, a questão da trágica morte de Francisco Ferdinando se transformaria em mais um dos muitos atentados daqueles tempos de paz entre as grandes potências europeias. Esse último não mudaria a face da Europa, nem dizimaria a sua juventude. Nem abriria as portas para o cortejo infindo e maldito que surgiria da Grande Guerra. E o século XX seria diferente, sem os terríveis eventos que vieram a caracterizá-lo. Talvez mais ordenado, mais burocrático, e decerto menos interessante, mas, como dizem os chineses, muito poucos querem viver nesses tempos terríveis, cheios de desgraças e de sofrimento, a que a posteridade chama de  tempos interessantes...

 

(Fontes: The New York Times;  The Sleepwalkers, de Christopher Clark )     



[1] Tática política e militar de testar os limites da posição adversa.
[2] Paléologue mais tarde publicaria ‘La Russie des Tzares’ (A Rússia dos Tzares)
[3] Wenn der Laube fällt – antes que as folhas caiam.

sábado, 26 de julho de 2014

A Autonomia do Banco Central

                               
 

            O Governo Dilma Rousseff, apesar de suas eventuais declarações de bons propósitos, continua a insistir em medidas de estímulo ao consumo.

             Mal saíra a ata do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, como diz Miriam Leitão, em sua coluna hodierna, durou algumas poucas horas ‘a ilusão da autonomia’ do B.C.

             Atribui-se a origem da iniciativa de tornar a estimular o consumo ao ex-Presidente Lula, como se depreenderia de observação sua ao Secretário Arno Augustin: “Se a inflação não é de demanda, por que estamos barrando o crédito?”  

             Sabemos que a princípio – e para conter uma inflação proveniente do medo – o Governo Lula, com Palloci, fez o dever de casa, e o repique da carestia foi contido. Sem embargo, com o tempo e a saída de Palloci da Fazenda, os tempos foram mudando, as capitalizações agradando ao presidente e, com a chegada da candidata de algibeira, o dragão afinal voltou.

            Tudo isso o leitor já sabe – e por próprio conhecimento, porque inflação não faz diferença de classe nem de poder monetário. Afeta, na verdade, até mais às classes menos favorecidas, eis que esse imposto cruel, trazido de volta por dona Dilma (como se já não estivéssemos na terra do impostômetro e de sua absurda carga) está conosco faz tempo.

            Não deixa de surpreender-me que alguém formado em economia – como é o caso da atual presidenta – tenha aberto as cancelas para a carestia, agindo de maneira irresponsável. Semelha até que na década dos noventa terá vivido em outro planeta, pois tomar medidas – e sobretudo deixar de aplicar os princípios do Plano Real – que fatalmente trariam de volta o espectro deste imposto extra, que o seu governo, por uma série de circunstâncias, nos deixa agora como legado.

           Entra mês e sai mês, e continua a dita inflação alta – pra cima de 6% e sempre batendo e superando o respectivo teto – enquanto temos de ouvir a velha xurumela,  com a promessa de que indo além da esquina dos próximos meses, tudo ficará sob controle.

           Não há dúvida  de que existem motivos sobejos para que acenos sejam tomados pelo que são.  Apenas gestos inconclusos, com que ganham tempo, para ir empurrando com a barriga uma situação desfavorável e pouco promissora.

             Nesse amargo contexto, é bom que não se esqueça o brasileiro de que acreditar nas promessas de Dilma e nela votar,  será garantir a permanência da inflação. A sua guarda está confiada à autoridade financeira que, no entanto, como o passar dos meses e dos anos têm profusamente demonstrada, está com os seus parcos poderes amarrados pela Presidenta.

             A autonomia do Banco Central – como o episódio em tela exibe impiedosamente – é uma fábula, que logo se desfaz, toda a vez que a Presidenta assim o determina. Como o foi no caso presente, em que  declaração da autoridade financeira teve a sua eficácia rapidamente contestada na prática, com o novo estímulo ao consumo. Embora esteja mais do que provado que tais estímulos não contribuem para os bons ventos na economia,  a Presidente Dilma Rousseff é obstinada, e continua a acreditar nas medidas de estímulo ao consumo, por mais que os fatos e a realidade a desmintam.

             A autoridade monetária – o nosso solitário guarda contra a inflação – deveria ter autonomia. Dela dispõe nos grandes países, como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, mas não no Brasil, porque FHC não quis, e estamos até hoje pagando o preço de seu desejo de reter também esse poder...











(Fonte subsidiária:   O  Globo )

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Anão Díplomático ?

                                   

        Não é decerto por acaso que a declaração do porta-voz da Chancelaria israelense, Yigor Palmor, verberou de forma inusitada, sem dúvida grosseira, e, por conseguinte, nada diplomática, a iniciativa do Governo brasileiro de chamar para consultas o seu embaixador em Tel Aviv.

        Dentro do arsenal diplomático, se me permitem o oxímoro, a chamada do respectivo chefe de missão é, nas relações bilaterais, um dos recursos mais fortes da Chancelaria no que tange ao país em que está representada.

        Depois deste vem a ruptura de relações, que geralmente decorre de graves faltas do governo do país junto ao qual está credenciado o embaixador (os ministros de legação do passado já caíram em desuso).

        Como as regras da diplomacia se baseiam muito na etiqueta, a chamada para consultas é um pretexto de boa educação. Na verdade, e na mor parte dos casos, o que se quer demonstrar é o desagrado com determinada política, desagrado esse que pode ter motivação bilateral ou geral (como o é no caso em tela).

        Antes de analisar a declaração do porta-voz, cabe sublinhar que a iniciativa do governo Dilma logrou o seu objetivo, de que é prova irrefutável a exasperação do ministério do exterior e possivelmente do próprio gabinete israelense.  O senhor Palmor não teria sido tão pouco diplomático e mesmo chulo, se a iniciativa de chamar o embaixador para consultas,não pusesse um nervo israelense à mostra.

        Se se trata de anão diplomático, Israel é um deles. Apesar de ter relações com muitos países, na prática é grande o isolamento em que operam os seus agentes diplomáticos. Na praxe das visitas – que é norma consuetudinária entre as missões, embora assinale algum declínio  -  semelha penoso verificar o isolamento diplomático em que vivem os seus representantes, muitos deles com preparo e tirocínio.

        Esse isolamento não é só decorrente da circunstância de que as missões do Estado de Israel carecem de muita segurança. O fator preponderante dessa situação é a questão do povo palestino, e das notórias injustiças praticadas no que concerne a essa comunidade pelo governo de Tel Aviv.

        Uma, senão a principal chaga do mundo contemporâneo, está na desigualdade de tratamento às comunidades judaica e palestina. A despeito das tentativas de pôr cobro a tal situação, de que são prova os Acordos de Oslo, e as iteradas mediações de presidentes americanos – máxime de Jimmy Carter e de Bill Clinton – a história contemporânea é um registro desalentador de injustiça sistêmica contra o povo palestino, de que é prova a comum iniquidade nos juízos relativos à posse da terra – com a espoliação dos agricultores palestinos em favor dos ditos colonos hebreus, que se vão apossando de boa parte da margem ocidental do Jordão, com o apoio até da justiça de Israel.

          A posição diplomática do Brasil, desde o Ministro Antonio Francisco Azeredo da Silveira, assinalou importante evolução, no sentido de assegurar os direitos da comunidade palestina no contexto da questão do Oriente Médio. Se o Ocidente através da Grã-Bretanha assegurou pela  Declaração Balfour, de novembro de 1917, em mensagem à comunidade judaica o estabelecimento na Palestina, é importante que os direitos da comunidade palestina sejam respeitados em termos de igualdade, o que até o presente não tem evoluído – malgrado resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas – para acordo em que os direitos dos palestinos se tornem efetiva realidade.

           Se a história mostra alguma coisa, será que nem muros, nem bantustans dão às entidades supostamente mais poderosas a segurança e a normalidade nas relações. No caso em tela, a Justiça é a força mais relevante para estabelecer-se a real e pacífica coexistência de duas comunidades históricas da Palestina – a judaica e a árabe-palestina.

           Dessa realidade já existe em Israel uma corrente – ainda minoritária – quanto  à necessidade de repartição da terra baseada na justiça, e não na expulsão sistemática da componente palestina. Os Estados Unidos dariam um bom exemplo se se empenhassem pelo cumprimento das Resoluções nesse sentido do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

           Enfiar a cabeça na areia, e continuar a atual política, equivalerá à certeza de que novas guerras eclodirão, porque a injustiça é demasiado pesada para que possa haver convivência pacífica entre as áreas confinadas em que é tolerada a presença da comunidade palestina, e as áreas na prática desenvolvidas e de alto padrão de vida, ocupadas pelo Estado de Israel. A reconciliação será sempre possível, desde que fundada sobre a boa fé e a disposição de um entendimento paritário.

           A História está bem aí para evidenciar que os muros – limes – são de pouca valia para os Impérios. Basta ver o Romano, para dar-se conta que há outras soluções mais inteligentes e duradouras.

           Que tal experimentar a paz?

 

(Fontes subsidiárias:  O  Globo, Folha de S. Paulo)