terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A Torrente da Revolução

                        

        O Presidente Viktor F. Yanukovych ao curvar-se às pressões de gospodin Vladimir Putin parece esquecido da experiência amarga da revolução laranja de 2004. Naquela época, a gritante fraude nos comícios para a presidência tornou necessário um novo pleito, em que foi derrotado por Viktor Yushchenko.
        Mais tarde, Yanukovych em outra eleição controversa terá derrotado a Primeira Ministra Yulia Timoshenko. Haver prevalecido sobre a líder da oposição, mesmo que em bases duvidosas, não semelha ter satisfeito de todo ao novel Presidente, que enveredou pela judicialização de diferendos políticos. Esse questionável procedimento,  que o seu poderoso vizinho do norte sói instrumentalizar, foi empregado contra a adversária.

         A condenação da ex-Primeira Ministra Timoshenko, por um dócil juiz em processo amplamente visto como “motivado politicamente”, não saiu decerto consoante o cenário da preferência do presidente Yanukovych. O figurino Putin pode funcionar na Federação Russa – e ainda assim, atingindo personagens menores, implica em desgaste para o presidente russo – mas tentar aplicá-lo na sua direta antagonista demonstrou erro grosseiro do presidente ucraniano.
         Buscando ganhar tempo e manipulando falsas promessas, Yanukovych se recusa na prática a liberar a Timoshenko. Mantê-la em um lazereto em Kharkov, eludindo as várias gestões pela sua liberdade – necessária inclusive para tratamento médico em instituição categorizada do Ocidente – mostra, a um tempo, o ódio de potentado oriental, e a falta de discernimento de puxar a corda muito além do que a justiça (e o bom senso) determinam.

        Essa falta de compreensão – que se deriva da húbris ou de deficiências congênitas – o Presidente Yanukovych torna a demonstrá-la, agora na sua recusa (na undécima hora) de assinar acordo com a União Europeia,  trocando esta ligação com o Ocidente democrático pela dúbia associação com a União Aduaneira russa.
       Putin, o ex-dirigente da KGB, que a sorte quis virasse o sucessor (salvador) do desacreditado Boris Ieltsin, manifesta amiúde o pendor para resolver as questões caras ao Kremlin com a mão pesada de seus distantes antecessores, os czares de todas as Rússias. Consta que a súbita troca de alianças de Yanukovych se deveria a esses argumentos.  Surpreende, deveras, que essa estratégia – com efeitos determinantes em países como a Moldava e a Armênia – possa igualmente valer sobre a Ucrânia, o mais importante país que, em função do desaparecimento da URSS, se desprendera dos sufocantes laços de Moscou. Entrando para essa União – de que participam a Bielorrússia e o Kazakistão – evidenciaria assombrável fraqueza do governo de Kiev.

         No entanto, quiçá não tenha sido assim tão difícil fazer Yanukovych enjeitar a opção de Bruxelas. O presidente ucraniano pensa pleitear a reeleição em 2015, e para tanto carece do voto da parcela ucraniana filo-russa, que se localiza sobretudo  na parte oriental da Ucrânia. Além disso, a dispensa da assinatura do Acordo na reunião de Vilnius, na Lituânia, igualmente livraria Yanukovych de dar licença à prisioneira de Kharkov, Yulia Timoshenko, para sair do país, a fim de tratar-se na Alemanha. Desde muito, o presidente ucraniano tergiversa e contemporiza nessa questão.
         O erro crasso de Yanukovych foi o de personalizar a opção comunitária, como se fora apenas uma saída para a sua prisioneira política. Desconheceu ele o que representa para grande parte da população ucraniana bater a porta na escolha da União Europeia, com a abertura comercial e a mensagem da  democracia.

        Ao supostamente abaixar a cabeça para os ukases do Kremlin, Yanukovych tornou flagrante que a Ucrânia deveria continuar como satélite de Moscou, e não abrir-se para o intercâmbio de produtos, oportunidades e também idéias, que o Ocidente simboliza.

       A reação das multidões – e a união de todos os partidos de oposição a Yanukovych - não só reeditam as condições da Revolução Laranja de quase dez anos atrás, mas também lançam o debate menos sobre pessoas e mais sobre perpectivas de caminhadas futuras.

       Pelo ímpeto e a amplitude da reação à errônea proposta de Yanukovych, a situação em Kiev e em outros centros daquele país apresenta condições revolucionárias. Repetindo a história, ao norte, o autócrata do Kremlin brande ameaças, o presidente Yanukovych age com o distanciamento de potestades passadas, abraçando na própria ignorância o menosprezo da vontade do povo, enquanto as primeiras dissidências se abrem no partido situacionista, e as oposições, sob o látego da necessidade, se põem à frente das multidões que ocupam praças e palácios.

      Como isto vai terminar, só Deus sabe. Mas as idéias – e o projeto de liberdade – costumam ignorar, sobretudo nessas horas em que néscios pensam esmagá-las como se estivessem no dia-a-dia da rotina do poder, quando um valor mais alto se alevanta. A linguagem da História é difícil de deslindar e decifrar. Mas quando tal é possível, ai daqueles que, por soberbia, procuram ignorar-lhe os avisos.

 

(Fontes subsidiárias:  The New York Times, Folha de S. Paulo)

Nenhum comentário: