quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A Ajuda de Mandela

                            
        Mandela, mesmo depois de morto, pôde dar uma ajuda à multidão de presidentes, dignitários e insignes mediocridades que acorreu ao seu funeral.

         Não importa que a autoridade formalmente encarregada do programa chegue ao estádio de Johanesburgo sob a sincera e uníssona vaia que ele, Jacob Zuma faz muito por merecer. Desde que por humanas contingências, Nelson Mandela se afastou do poder, o povo da União Sul-Africana tem verificado a abissal distância entre os anões sucessores e quem conduzira antes a nau, na árdua transição entre o domínio da minoria e do apartheid para o governo de todos, sob a égide do perdão e da justiça.
       A popularidade de Madiba, como se verifica na alegria onipresente dos sul-africanos – e não é pequena realização o tornar-se símbolo e aglutinador de toda a população – se transmutou em prerrogativa catalizadora de todo o povo.

       A paz e o perdão foram as armas de Mandela. O cárcere o elevou às alturas e ao contrário das lições dos Bourbon, ele tudo esqueceu e tudo perdoou, na sua mágica fórmula de soldar o que antes parte da minoria branca se empenhara em cindir, pelas armas de injustiça e prepotência.
       A radicalidade do perdão, aliada à competência política, e ao senso de oportunidade, transformaram Mandela de esperança em realidade. Na crônica do Prêmio Nobel da Paz, nunca ninguém fez tanto por merecê-lo. Se no elenco de Oslo as ilustres insignificâncias estarão sempre presentes, não temo o exagero ao afirmar que se há heróis nessa lista, como o Dalai Lama, barrado da cerimônia pela subserviência de Zuma, e Liu Xiaobo, a padecer em masmorra chinesa a audácia de propor tímido constitucionalismo aos herdeiros de Mao Zedong, tampouco tenho dúvidas em clamar que nenhum estadista mais se confunde com a Paz do que Nelson Mandela.

       E aqueles como Madiba que trazem como segunda natureza a condição de estadista (no sentido de antanho e não na barateada apelação moderna) possuem o condão de induzirem imitações suscetíveis talvez de gerar bons frutos.
      A mídia – que segue como um cachorrinho os poderosos – nos mostrou a risonha companhia de Obama, da loura Primeira Ministra da Dinamarca e do solícito acompanhante David Cameron, do Reino Unido. Ao alegre grupinho se contrapunha o jeito carrancudo de Michele Obama, e o contraste entre o perene que os congregara, e o picante caráter transitório que também se insinua no interesse das gentes.

      Sem embargo, o Presidente Barack Obama soube com a provada eloquência discursar acerca de Mandela e  sua mensagem de paz e democracia. Antes, para espanto de muitos, cumprimentara, por primeira, vez a um surpreso Raul Castro, para mostrar a aplicação da lição de Mandela.

      Entrementes, a Presidenta resolveu falar em português. Aferrar-se ao idioma pátrio em todas as circunstâncias é condenar-se a, na prática, silenciar o pensamento. Aos monoglotas não resta outro remédio e, espertamente, cuidam de transformá-lo em testemunho de patriotismo. Na oportunidade, sabendo falar inglês, nossa Presidente perdeu boa oportunidade de ter, além da presença brasileira, alguma relevância na cerimônia, para a assistência de milhares de sul-africanos. Afinal, o Brasil é país-irmão da União Sul-Africana, e através da Presidente deve trazer mensagem inteligível sobre a importância para nós de Mandela como líder de todas as gentes.

 

(Fonte:  O  Globo, Folha de S. Paulo)

Nenhum comentário: