sábado, 15 de dezembro de 2012

Por que o GOP controla a Casa de Representantes ?

                     
           Os totais exatos ainda não são conhecidos, por conta de recursos e de recontagens. No entanto, mesmo na longa noite de seis de novembro, quando os democratas venceram na reeleição de Barack Obama para a Casa Branca, e no surpreendente aumento de sua bancada no Senado, com vitórias marcantes como a de Elizabeth Warren em Massachusetts, já se sabia que na contramão da vontade da nação americana, a Câmara de Representantes retinha a maioria republicana,
           Tal fato vinha sendo dado como favas contadas pelo maioria dos comentaristas, meses antes dos comícios de novembro. Dentre os fatores alegados, alinhavam a circunstância de que, ao contrário das outras duas, ali predominavam as condicionantes municipais.
           No entanto, do desastre de 2010, quando Nancy Pelosi deixou de ser a Speaker, e John Boehner se tornou o novo presidente da Câmara baixa, se recorda sobretudo o ‘castigo’ dos eleitores ao fraco desempenho de Obama no primeiro biênio do mandato, e o que o presidente reconhecera haver sido um “shellacking” , vale dizer uma tunda, o que reforçava a conotação da reprimenda do eleitor. Também repontaram inúmeros representantes do movimento Tea Party, de que os petroleiros multibilionários irmãos Koch, sobretudo com larga facção  na Câmara, onde o veterano Eric Cantor deles se tornou o líder, e como número 2 logo entrando em rivalidade com o número um, o mais calejado Boehner. 
            Ora, o que aconteceu com o dito Tea Party no pleito de novembro último ? Formado por direitistas zangados, com mentalidade negativista e obstrucionista, o acompanhamento do desempenho dessa franja reacionária, saída da pequena burguesia estadunidense, não teria condições de pintar-lhes com luzes e feições mais cativantes para os seus atônitos sufragantes. Eles viam a postura em essência contrária, na sua busca de um estado-anão, e na resultante potencialidade de provocar na Câmara baixa pouca produção legislativa, sob a monótona toada de menos impostos e de menor intervenção estatal.
          Em consequência, o Tea Party encolheu também na casa de John Boehner, refletindo uma tendência geral nos EUA.  Como tantos outros movimentos de extrema direita (Ku Klux Klan, a John Birch Society, American Conservative Union, o Militia Movement), o Tea Party transita em um espaço ultra-conservador, e propõe o que julga soluções simples e radicais contra a suposta conspiração das esquerdas e dos liberals, para eles um termo de opróbio pela revulsão que lhes provoca ideologia progressista).  Alguns deles passaram de mazela da democracia para flagelo terrorista, como se viu na atuação das milícias e na carnificina de Oklahoma. Por ora o Tea Party é uma facção de ultra-direita reacionária, que infiltrou o GOP, tendo sido em muitos casos na prática um aliado dos democratas contra a vontade. Como as indicações para Senado e Câmara são decididas por primárias, os extremistas do Tea Party muita vez vencem o moderado republicano na representação da legenda, só para perder na eleição legislativa para o candidato democrata (o exemplo de Indiana, onde o Senador Luggar ganharia facilmente a disputa com o concorrente democrata, por ter sido derrotado na primária por um desconhecido do Tea Party, ensejou contra a sua vontade que o estado tivesse um novo senador... do partido Democrata).
            Sem embargo de o que precede, permanecem dentro do famoso Beltway (o anel rodoviário que envolve a capital) todas as condições para o chamado gridlock, ou a paralisia legislativa. Se o presidente é democrata e o Senado Federal tem maioria democrata (57 democratas e dois independentes, participando do cáucus do Partido Democrata; e 41 republicanos), a Casa de Representantes continua sob o domínio dos republicanos (embora a bancada do GOP tenha registrado um pequeno decréscimo),
            A pergunta que logo assoma ao observador é por que  a Nação reelegeu com folgada maioria no colégio eleitoral ao Presidente Barack Obama, e ainda por acima aumentou a bancada democrata no Senado – com Scott Brown, v.g., sendo desalojado do assento herdado de Ted Kennedy pela ativista democrata Elizabeth Warren,  e não obstante esta vontade da maioria americana não se expressou igualmente na Câmara baixa ?              
            Os dados fornecidos por um artigo, inserido em página interna do New York Times, e assinado por Jonathan Weisman, contribuem para desmistificar  esse estranho fenômeno. Como explicar essa aparente contradição à vontade majoritária, quase um paradoxo, que é constituído pelo continuado controle da Casa de Representantes pelo GOP ?
            Computados os números, os candidatos democratas colheram 50,5%  do sufrágio nacional, mas ganharam apenas 46 % das cadeiras.  Nos últimos 40 anos, somente em 1996, o partido que recebeu a maioria dos votos terminou ficando em minoria na Casa de Representantes. Essa importante sinalização é resultado do trabalho de Nicholas Goedert, pesquisador de ciência política na Universidade Washington, em Saint Louis, Missouri.
             Ainda segundo o artigo de referência, que foi estampado com o anódino título “Para os republicanos, a lealdade aos votantes versus a transigência”, os cientistas políticos apontam para dois fatores que influenciam a discrepância acima citada: (a) o processo de redesenho dos distritos eleitorais dominado por assembleias estaduais republicanas e (b) a fortiori a concentração de votantes democratas em enclaves urbanos.
              Como se sabe, nos cinquenta estados americanos, há trinta assembleias de maioria republicana. Em períodos decenais, as assembleias têm de adequar a representação estadual aos números determinados pelo recenseamento. Assim, os distritos aumentam naquele estado em que houver um crescimento demográfico; e tem de ser reduzidos, se houver um decréscimo também importante na população.
              De acordo com o pesquisador Goedert, o gerrymandering[1] pesou no processo e muito. Desse modo, em nove estados com distritos redesenhados pelos republicanos, a parcela da votação democrata esteve bem acima da percentagem dos assentos efetivamentos ganhos por este partido. Na Carolina do Norte, v.g.,  os candidatos democratas ganharam 51% dos votos, mas apenas 27 % das cadeiras do estado na Casa de Representantes ! Não se vá dizer que as assembleias democratas estaduais não tenham procurado favorecer os respectivos candidatos, mas há uma marcada diferença. Os democratas obtiveram melhores resultados, mas não da forma drástica atingida pelo GOP.
               Outro fator que prejudica os democratas é a concentração de votantes deste partido em enclaves urbanos. Esse afluxo para distritos urbanos, tornaria a presença democrata em circunscrições internas mais fraca.
               O gerrymandering, essa invenção política americana[2], é um recurso ilegal, que desvirtua o peso do voto do eleitor. Determinada a sua existência, carece de ser denunciado e processado pelos tribunais do estado, podendo ascender a juízos de segunda instância. Sendo lento e dependendo das tendências dos magistrados, a obtenção de um resultado équo depende de vários fatores.
              De qualquer modo, vai ser difícil conseguir no futuro que os democratas voltem a controlar as duas Casas do Congresso. A presença de Obama na Casa Branca e a sua possibilidade de indicar juízes liberais para a Corte Suprema – e assim quebrar a ascendência conservadora na Corte, que permitiu absurdos como Bush v. Gore (que deu na prática a vitória a Bush Jr. em 2000) e a Citizens United ( que abriu as comportas para a intervenção anônima das grandes corporações no processo eleitoral ).
             Mas para que tal ocorra, as Parcas ou um pedido antecipado de aposentadoria carecem de entrar em cena...

 

( Fonte:  International Herald Tribune )

 



[1] O redesenho do distrito eleitoral com linhas artificiais em que a assembleia procura favorecer o partido majoritário.
[2] Foi inventado em 1812 pelo governador Gerry, do Massachusetts.

Nenhum comentário: