terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ciclistas à margem da Lei


          Quando preenchi as formalidades para a renovação de minha carteira de motorista, uma frase me causou espécie em publicação do Detran. Nela se afirmava que os ciclistas estão submetidos a todas as leis do trânsito.
           O espanto com tal assertiva se deveu à circunstância de que a experiência do pedestre no Rio de Janeiro contraria de forma frontal essa observação genérica.
           O que prevalece – e não só no Rio – é justamente o contrário. Na verdade, a sina do pedestre, seja nas calçadas, seja nos logradouros públicos (ruas, avenidas e praças) é de conviver com  outra e bem diversa condição, diametralmente oposta ao dito acima referido.
           Com efeito – e a situação só tem feito piorar – a realidade que decorre de falta de implementação de qualquer normativa digna deste nome reflete-se na negligência dos poderes públicos.
           Recente viagem  a Paris  mostrou-me quão diversa poderia ser a relação entre  pedestre e  ciclista. Na Cidade-luz, as bicicletas só trafegam em ciclovias (em geral, junto ao meio-fio, à direita de ruas e avenidas), todos eles portam a casquete, que lhes protege a cabeça, e sequer pensam em servir-se das calçadas como via de circulação. Ali não são poucos os ciclistas, e todas as bicicletas – que lá realmente se pautam pelas leis do trânsito – estão identificadas por plaquetas.
           Vindo do Rio de Janeiro, assombrou-me igualmente o fato de que não cruzei com nenhuma que porventura ousasse invadir o espaço pedonal das calçadas.
           Aqui, a autoridade municipal – que se esmera em criar ciclovias para o ciclismo –  escuda-se, através de frases vazias, na da suposta obediência dos ciclistas a todas as leis do trânsito.
           Nesta matéria vivemos na terra do faz-de-conta, bem dentro do espírito que, desde o império, nos circunda com os preceitos para inglês ver.
           O órgão do município pensa acaso resolver o problema por meio de uma afirmação peremptória, sem que adote qualquer providência para torná-la realidade ?
            Minha experiência, de meus familiares, e  do carioca em geral nos faz lidar com  situação frontalmente diversa de a que consta dos manuais distribuídos pelo Detran.
           Comecemos pelo começo. Na ciclovia que margeia as avenidas de Copacabana, Ipanema e Leblon, nunca vi nenhum ciclista que se haja detido – como todo veículo deve fazer – diante da luz vermelha do semáforo. Nem por ora é aconselhável que o pedestre presuma esse devido respeito.
           As calçadas sem exceção se transformaram em pistas para bicicletas e mesmo triciclos de entrega comercial. Dependendo da idade do condutor ou de sua falta de instrução, podem até confundir esses espaços com pistas de corrida. Avulta, por outro lado, o número de ciclistas nessas calçadas, nas quais circulam à vontade, não raro em velocidades que extrapolam de uma mínima consideração com os pedestres que, no passado, podiam considerá-las como exclusivas e seguras.
           Outra consequência da presente anomia - os ciclistas não respeitam as mãos das ruas. Circulam velozmente junto ao meio-fim (eles só temem os carros e ônibus), para eles as ruas (e avenidas) não tem direção legal. Servem-se, por isso, com grande irresponsabilidade, do sentido que lhes parece mais conveniente. Que a mão – observada por veículos e pedestres – vá  á breca!
           Aqui a gravidade da infração já principia a entrar na área penal, porque só um tolo ou um irresponsável pode pensar que se trata apenas de mais uma liberdade do ciclista. Bem faz o pedestre em olhar para os dois lados, para cientificar-se de que não há ameaça à própria incolumidade à vista.
           Sem embargo, de longa data, o infeliz transeunte tem fixado na mente a direção dos logradouros. Poderá, assim, cair no descuido perigoso de presumir que – se inexiste trânsito do lado legal – ele possa atravessar sem olhar para o outro canto (onde mora o perigo).
           Quantos de nós já passamos pela desagradável experiência de um choque evitado por um triz, na melhor das hipóteses?
          Dada a falta de implementação de parte policial – e a polícia municipal poderia efetivamente afastar os ciclistas das calçadas, além de cuidar do respeito das mãos no trânsito – creio que é mais do que tempo de tratar com seriedade (e não com prescrições vazias) de um problema que a indiferença, seja benigna, seja maligna, da autoridade municipal só tende a agravar se deixado ao deus dará.
         Porque não imitamos a França – e Paris em particular – mandando registrar com plaquetas todas as bicicletas ? Nada demais, eis que no passado elas tinham que circular com placas.
         Os municípios poderiam, de resto, estabelecer multas para os ciclistas infratores. A experiência ensina que a penalização dos que desrespeitam as leis do trânsito – e põem em perigo a incolumidade dos pedestres – seria uma salutar medida, tanto para os cofres da prefeitura, quanto para ensinar os irresponsáveis, ou com a apreensão do veículo, ou com o pagamento da contravenção.
        Não é possível  pensar que só se possam contornar tais malfeitos com frases vazias em manuais de trânsito.     

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